
Oleksandr Tolokonnikov
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Oleksandr Tolokonnikov é porta-voz e chefe da assessoria de imprensa da Administração Militar Regional de Kherson, na Ucrânia, bem como co-fundador do Centro de Comunicação Internacional (CIDEIPS). Ouça e leia a entrevista exclusiva à TSF sobre a guerra, o plano de paz e o encontro desta quarta-feira em Rammstein
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Sabemos que a Rússia continua a avançar no leste do Oblast ou região de Donetsk, dizem que tomaram Kurakhove. Se tivermos em conta todo o ano passado, existem algumas informações que dizem que a Rússia conquistou quatro quilómetros quadrados. Oleksandr Tolokonnikov, qual é o comentário sobre isto? Qual é a opinião sobre a situação geral da guerra?
Sim, a situação é difícil na frente. Os russos não param de atacar, continuam a lançar todas as suas forças, tentando capturar o máximo de território possível e quebrar a resistência das nossas forças. Mas, ao mesmo tempo, continuamos na defesa dos nossos territórios e a conter os russos. Se falamos da região de Kherson, aqui dissuadimos e repelimos com sucesso os russos, as suas tentativas de se deslocarem para a margem direita. Recentemente, a 20 de dezembro, houve uma tentativa de ataque e uma tentativa de travessia para a margem direita por parte dos russos sob um enorme fogo de artilharia, quando cerca de mil projéteis caíram sobre a cidade no espaço de uma hora. Os russos fizeram esta tentativa, mas as nossas forças armadas conseguiram destruí-los e, depois disso, não houve tais tentativas.
Tendo isso em conta, qual é o moral das tropas? Estão a ser submetidos a uma grande pressão durante muito tempo, com falta de munições, provavelmente com falta de pessoal. Qual é o moral das tropas?
Olha, a principal motivação do nosso povo é lutar pelas suas casas. Se não pararem aqui, então a sua aldeia, a sua cidade será a próxima. E a ideia principal é que lutamos pela liberdade, pela liberdade de cada pessoa, de cada criança que permanece nestes territórios, porque muitos dos nossos militares lutam para libertar as suas próprias casas, que neste momento estão ocupadas. Portanto, a motivação é muito elevada. Além disso, não estão apenas a lutar pelas suas casas, mas também pelos seus familiares, muitos pais e mães que permanecem no território ocupado, e estão constantemente sob pressão dos russos que agora lá vivem. E, claro, querem libertar esses territórios e encontrar-se com os seus entes queridos.
Relativamente à situação específica de Kherson, a cidade está dividida. As forças ucranianas estão do lado direito do rio, tanto quanto percebi, e as forças de ocupação russas estão do lado esquerdo. A minha pergunta é sobre a população. Quantas pessoas vivem de cada lado?
A cidade de Kherson tem uma população de cerca de 55.000 habitantes, atualmente são 150 mil na própria região da margem direita. Se falarmos das estatísticas dos bombardeamentos, aproximadamente 30% da população manteve-se em todo o território da região. São cerca de 500 mil dos mais de um milhão e duzentos mil antes da ocupação da região.
500.000? Meio milhão?
Sim, meio milhão.E antes havia uma população 1 milhão e 200 mil a 1 milhão e 300 mil.
Tem alguma informação sobre Lozova, no Oblast de Luhansk? Foi ocupada pelas forças russas?
Só podemos falar principalmente da região de Kherson, porque não apresentamos dados oficiais especificamente de Luhansk, mas se necessário, podemos pedir-lhes informações de fontes oficiais de lá.
Ficaria muito grato. Pode passar-lhes os meus contactos por favor… Quais são as suas expectativas em relação ao encontro de Rammstein na Alemanha, esta quinta-feira?
Em primeiro lugar, esperamos de Ramstein que os mais de 50 países que aí se reunirão sejam capazes de desenvolver um plano para garantir a defesa e proteção da Ucrânia até 2027. O presidente Zelenskyy enfatizou isto repetidamente, e é exatamente isso que estamos à espera, porque quero sublinhar mais uma vez, que a Ucrânia é um posto avançado ou a linha da frente que atualmente protege a Europa e o mundo inteiro da ocupação russa e, portanto, é importante não só para nós, mas também para a Europa e o mundo inteiro.
Desde que a invasão começou, a invasão em grande escala em fevereiro de 2022, aparentemente o mundo gastou, em assistência militar à Ucrânia, cerca de 126 mil milhões. Os EUA gastaram quase metade desse valor, 66 mil milhões. Vão anunciar amanhã, provavelmente não os 4 mil milhões que foram prometidos, mas algo em torno disso. Quais são as suas expectativas após o dia 20 de janeiro com Donald Trump? Donald Trump acusou o Presidente Joe Biden de ter provocado a invasão total da Rússia ao apoiar a adesão da Ucrânia à NATO. Receia que a ajuda que os EUA têm vindo a dar à Ucrânia possa ser interrompida?
Respeitamos a escolha do povo americano e esperamos que a assistência ao nosso país aumente e que tenhamos o apoio do Presidente Trump. Acreditamos que independentemente das mudanças no país, teremos esta ajuda, e respeitamos a sua determinação e empenho na ação, e pensamos que são estas características que fortalecem os esforços internacionais para acabar com a guerra. Esperamos a continuação da assistência que veio dos Estados Unidos e o aumento da pressão sobre a Rússia em todas as direções para que os processos de negociação que possam ocorrer num futuro próximo nos dêem a oportunidade de regressar aos territórios pelo menos os ocupados em 2022, para podermos iniciar outros processos de devolução de outros territórios (ocupados após 2014). Acreditamos que Donald Trump continuará a política de preservação dos territórios de todos os países, e isto é muito importante não só para a Ucrânia, esta é uma situação indicativa, porque se a Rússia anexar novos territórios, será indicativo que o direito internacional, todas as convenções internacionais, não têm poder e qualquer outro estado pode capturar mais ou menos vizinhos e não sofre nada por isso. Esperamos que o Presidente Trump mostre que ninguém pode ocupar os territórios de outro país, apesar de esse país ser mais pequeno. Por isso, esperamos apenas o melhor.
Seria então um primeiro passo… Disse que a Ucrânia pretende regressar ao período anterior a fevereiro de 2022 com um cessar-fogo, e depois, com negociações políticas a longo prazo, regressar ao período anterior a 2014…
Sim, esta é antes de mais a posição do nosso presidente. Para iniciar qualquer negociação, devem devolver os nossos territórios, e depois disso, claro, existem os territórios anexados da Crimeia, que continuam sob controlo russo, mas não reconhecidos mundialmente. Todo o mundo nos apoia no sentido de que esta anexação precisa de ser cancelada.
O Presidente Macron afirmou que a Ucrânia deve ser realista relativamente às questões territoriais. A minha pergunta é: a população de Kherson aceitaria essa divisão, a divisão da cidade, ou isso está fora de questão?
Para nós é difícil falar de realismo, tenho a certeza que se o Presidente Macron estivesse aqui em Kherson apenas um mês, a sua compreensão do realismo teria mudado um pouco, porque só compreendendo o quão terrível é quando se vê todos os dias pessoas mortas, pessoas feridas, casas destruídas, as lágrimas das pessoas, só aí há uma compreensão do que é o realismo. Se falarmos da posição internacional da Ucrânia, então está claramente explicitada no plano de vitória de Volodymyr Zelenskyi, o Presidente da Ucrânia.
Agora, acima de tudo, o apoio à segurança na Ucrânia é garantido por todos os parceiros, é também cooperação económica, dissuasão estratégica constante do agressor através do aumento das sanções e do reforço das capacidades de defesa, inclusive com a construção aqui de grandes fábricas, empresas, um complexo industrial de defesa, de forma a fortalecer-nos e não enfrentarmos este problema no futuro com um vizinho assim. E isto irá dissuadir a Rússia e proporcionar-nos uma paz justa no pós-guerra; este plano é apresentado a todos os nossos parceiros, incluindo, penso eu, Portugal, para que o o mundo apoie este plano que vai realmente funcionar para a nossa segurança.
Um país como Portugal, um pequeno país da Europa, é importante para a Ucrânia?
Sim, gostaríamos muito, estamos constantemente a trabalhar na assinatura de memorandos, como a geminação entre regiões ou cidades, e gostaríamos muito de iniciar também negociações com alguma região, talvez agrária, de Portugal. Estamos a falar da região de Kherson, uma região agrícola que estaria disposta a cooperar com uma região de Portugal, e que possam ajudar-nos com algumas tecnologias, e nós, por sua vez, também poderíamos ajudar esta região de Portugal em alguma coisa. Porque o apoio europeu e os valores europeus são muito importantes para nós, bem como ajudam na reconstrução do pós-guerra. Portanto, estamos abertos nisto para Portugal, para o país, para o povo de Portugal. Queremos ter valores europeus, estamos muito gratos pelo apoio e ajuda europeus, e pensamos que teremos cooperações e faremos o melhor.
Duas últimas perguntas. Gostaria apenas de saber se a batalha na região de Kherson acontece todos os dias? Os combates e os bombardeamentos são diários ou acontecem de vez em quando?
Sim, a região de Kherson está sob bombardeamento todos os dias, e se olharmos para as estatísticas do último dia, ontem, temos 11 vítimas, entre elas duas mortes, e quase todas, foram sofridas por causa de drones. De anteontem para ontem houve 20 vítimas. Ou seja, todos os dias temos mortos e feridos. Segundo as estatísticas, vou ler agora, 218 mil projéteis chegaram ao território da nossa região no ano passado, em 2024. E não são apenas números, são também tragédias humanas, porque estas bombas ceifaram 262 vidas. Entre eles, uma criança. Outras 1.872 pessoas ficaram feridas, incluindo 53 crianças.
Está confiante em relação ao futuro?
Uma pergunta difícil. É claro que temos a certeza de que, mais cedo ou mais tarde, a Ucrânia será livre e libertada. E só isto nos apoia, e também apoia o facto de o mundo ver a injustiça e o terror que a Rússia está a criar aqui. E estamos certos de que, mais cedo ou mais tarde, todos os ditadores, incluindo o russo Putin, e todos os criminosos serão punidos e a justiça será restaurada.