Mais de 115 mil hectares ardidos e três mortos em Espanha: “São incêndios de comportamento extremo e quase incontroláveis”
As zonas mais afetadas encontram-se na região da Galiza, Extremadura e Castela e Leão
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Só nos primeiros 15 dias de agosto ardeu em Espanha mais do dobro da superfície ardida em todo o ano de 2024: 115.230 hectares, em 38 fogos que duram há vários dias. Os números são do Sistema de Informação de Incêndios Florestais Europeus (EFFIS) e refletem a gravidade da situação. Três pessoas já morreram, milhares ficaram desalojadas e a situação está longe de estar controlada.
As zonas mais afetadas encontram-se na região da Galiza, Extremadura e Castela e Leão, onde foram registadas duas das três vítimas mortais e onde as chamas já arrasaram por completo o Parque das Médulas, considerado Património Mundial da Humanidade, pela UNESCO. Na mesma região, o fogo que lavra em Zamora já é o pior de sempre do país, com quase 38 mil hectares ardidos.
“Passámos de um regime de muitos incêndios para um regime de poucos incêndios, onde alguns são extremamente grandes, que duram muitos dias”, explica Juan Picos, professor de engenharia florestal na universidade de Vigo. “Em 2024, na Galiza, houve 1500 incêndios e nos anos 90 havia 15 mil incêndios. Falamos de cerca de 10%. Mas o que está a acontecer é que alguns deles se transformam em incêndios muito grandes e quase incontroláveis.”
O professor fala de uma vaga de incêndios de comportamento extremo, que deixam pouca margem de manobra ao ser humano. “Falamos de incêndios muito rápidos, que emitem muita energia e que produzem muitos focos secundários. Quando um incêndio reúne várias destas características, dizemos que tem um comportamento extremo e isso é o que estamos a viver”, explica.
“Tivemos fogos que ultrapassaram os 60 mil quilowatts por metro a nível de energia, ou seja, do calor que emitem. Não se pode pôr ninguém à frente dessa radiação térmica”, insiste. “O trabalho, nesse caso, é feito pelos flancos do fogo, pela parte de trás, e tudo isso faz com que o controlo seja mais demorado e mais difícil.”
Além disso, o professor refere que “nas circunstâncias em que o vento muda de direção”, algo frequente nos incêndios dos últimos dias, “o fogo muda de direção e todo o trabalho tem de ser refeito, pelo que aumenta a dificuldade de extinção”. Se a isto juntarmos a velocidade de alguns dos incêndios, “que chegaram a atingir os quatro quilómetros/hora, é impossível”.
As alterações climáticas têm influenciado de forma decisiva esta nova vaga de incêndios. “Temos temperaturas muito altas até durante a noite, com uma humidade muito baixa e que se associa com ventos de trovoadas secas, que têm um comportamento errático e mudam de direção e intensidade de forma muito rápida”, explica.
Mas o professor frisa a falta de ordenamento do território e de investimento em atividades que possam exercer um efeito preventivo deste tipo de eventos. “Há causas muito mais estruturais que vêm de décadas de abandono da atividade rural, agropecuária e florestal.”
“Ao nível das alterações climáticas é quase impossível fazer algo de forma isolada, como país, que possa funcionar. Mas quando falamos de território, aí, sim, podemos atuar de forma preventiva e deixar que o terreno deixe de ser tão combustível”, insiste.
Ajuda europeia
A violência dos incêndios obrigou Espanha a ativar o Mecanismo Europeu de Proteção Civil pela primeira vez, através do qual recebeu a ajuda de dois aviões Canadair franceses. As duas aeronaves juntaram-se às mais de 40 que já estavam no terreno. Além das equipas de bombeiros no terreno, há mais de 1200 militares envolvidos no combate às chamas.
Quatro pessoas foram detidas em Castela e Leão e na Galiza, acusadas de fogo posto. Desde junho, a Guardia Civil espanhola já prendeu mais de dez pessoas suspeitas de terem ateado incêndios e investiga outras 38 pelos mesmos motivos.
O tempo promete não dar tréguas e a Direção-Geral de Proteção Civil do Ministério da Administração Interna já anunciou que vai manter o alerta por altas temperaturas na maior parte do país até à próxima segunda-feira.
