"Mais importante do que continuar no lugar, é haver continuidade na política externa"
João Gomes Cravinho diz que a Ucrânia pode ganhar a guerra "se tiver o apoio de que precisa". Rússia: "Esperar pelo melhor e preparar para o pior.". Guerra em Gaza: "Não confundimos Israel com aquilo que é a postura de um Governo." Sobre a extrema-direita: "Recusar este tipo de receitas fáceis que apenas nos enganam."
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João Gomes Cravinho, 59 anos, diplomata e político… Chefiou as delegações da União Europeia na India e no Brasil, foi Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, foi ministro da Defesa em dois governos de António Costa, é Ministro dos Negócios Estrangeiros de um governo agora em gestão… Bem vindo ao Estado do Sítio da TSF. O que é que sente que deixa por fazer neste mandato, aquilo que não conseguiu levar até ao fim?
Em primeiro lugar, muito obrigado. É um grande prazer estar aqui na TSF, no Estado de sítio. Em matéria de política externa, é sempre um trabalho em curso. Há sempre muita matéria para continuar. Eu creio que ao longo destes quase dois anos no Ministério de Negócios Estrangeiros, foi possível pegar num legado muito forte, num legado rico que deixou o meu antecessor, Augusto Santos Silva e utilizar esse legado para continuar a projetar favoravelmente a imagem de Portugal no estrangeiro. No plano interno, desenvolvemos uma nova proposta de estatuto da carreira diplomática que foi partilhada com a associação sindical e com o Conselho diplomático, mas que naturalmente, ficará agora para um próximo governo.
Isso passa por melhorar as condições de vida dos diplomatas portugueses que estão deslocados? Porque muitos, principalmente aqueles que têm filhos, dizem que, hoje em dia, principalmente os mais novos, a carreira já não lhes permite - com aquilo que ganham no exterior - já não lhes permite muitas vezes ter os filhos com eles a estudar lá fora…
Bom, esse problema já está resolvido porque pudemos, durante o ano passado, fazer aprovar legislação que nos permite apoiar os diplomatas com filhos em idade escolar quando estão no estrangeiro, felizmente. E creio que podemos dizer que criámos situações e circunstâncias que nos permitem escolher entre os diplomatas para os diversos postos, em vez de ter essa escolha limitada por quem tem ou não tem filhos. Dito isso, o estatuto da carreira é muito mais amplo. É um estatuto já desactualizado, tem 25 anos de idade e abrange um leque muito alargado de matérias Desde as obrigações dos próprios diplomatas até à forma de organização interna, possibilidade de ser colocada em diversos postos em diferentes momentos da carreira. Portanto, é algo que requer, ao fim de um quarto de século, uma atualização sistemática. Fizemos esse trabalho, fica para o próximo Governo agora pegar nele.
Mas o que é que fica por fazer em termos de política externa?
Em termos de política externa, é sempre trabalho inacabado. Por exemplo, estamos agora numa campanha para o Conselho de Segurança. Essa eleição terá lugar em Junho de 2026. Creio que estamos muito bem encaminhados, mas, por outro lado, a campanha continuará durante o próximo ano e maio a dois anos. Há outras matérias relacionadas com o posicionamento de Portugal na NATO, posicionamento de Portugal na União Europeia, isto é matéria que ao longo de todos os meses é preciso calibrar, recalibrar e identificar as sinergias e as coligações que podemos desenvolver. Por outro lado, há toda uma gama de matérias relacionadas com os oceanos que é um tema, uma área na qual Portugal se notabilizou internacionalmente e que vai ter nos próximos dois ou três anos desenvolvimentos interessantes. Portugal será uma parte muito ativa. Portanto, há muitas matérias em que os nossos diplomatas estão muito envolvidos e que o Ministro dos Negócios Estrangeiros ou a Ministra, quem quer que seja, vai ter de se envolver muito durante estes próximos dois ou três anos.
A década dos Oceanos vai ter recursos e um orçamento significativo ou é mais uma proclamação política?
A Década dos Oceanos, internacionalmente, deve funcionar como uma grande coligação para a promoção da ciência como base para a tomada de decisões políticas em relação aos oceanos. Isso significa não tanto recursos, significa contextualização
Ou seja, vontade política…
A vontade política e a capacidade política de tomar decisões com base naquilo que nós já sabemos, mas que não é suficientemente valorizado. Oitenta por cento dos impactos das alterações climáticas fazem-se sentir nos oceanos e, no entanto, os oceanos são referidos apenas de forma lateral, secundári nas COP, nas Conferências das Partes sobre o Clima, tivemos agora a mais recente no Dubai. E, portanto, há um conjunto de áreas em que o Objetivo Sustentável 14, que é o que diz respeito aos oceanos, no quadro da Agenda 2030 de António Guterres e das Nações Unidas, que precisam de ser muito reforçadas e internacionalmente, olha-se para o contributo que Portugal pode dar para isso que não é, como digo, um contributo orçamental é um contributo muito mais de angariação de boas vontades e de colocação da ciência no primeiro plano da tomada de decisões.
O Conselho Europeu de Relações Exteres antecipou há dias uma "viragem acentuada à direita" nas eleições europeias, em junho, com partidos populistas e eurocéticos a liderar as intenções de voto em um terço dos Estados-membros da União Europeia. O estudo prevê que os grupos Identidade e Democracia (ID), de partidos de extrema-direita, e os Conservadores e Reformistas Europeus (ECR) registem "ganhos significativos" nas próximas eleições para o Parlamento Europeu, marcadas para 06 a 09 de junho. As projeções indicam que partidos populistas com um euroceticismo enraizado vão emergir como líderes em Itália, França, Países Baixos, Hungria, Áustria, Bélgica, República Checa, Polónia e Eslováquia. Por outro lado, surgem em segundo ou terceiro lugares em outros nove países: Portugal, Alemanha, Espanha, Bulgária, Estónia, Finlândia, Letónia, Roménia e Suécia. Em simultâneo, os dois principais grupos políticos - o Partido Popular Europeu (PPE, que integra os portugueses PSD e CDS-PP) e a Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas (S&D, que abrange o PS) -- vão continuar a perder representação, prosseguindo a tendência das duas eleições passadas. O senhor diria que o projecto europeu como foi concebido vai ficar em risco após as eleições de junho?
Bom, em primeiro lugar um asterisco para dizer que esse trabalho baseia-se em sondagens a cinco meses de distância das eleições e que em cinco meses há muita coisa que pode acontecer. Mas é um asterisco. Tomemos como boa a ideia de que haverá ou pode haver um reforço da extrema-direita nas próximas eleições para o Parlamento Europeu, em junho. Aqui, eu acho que estamos perante um paradoxo, que é o seguinte: quanto mais complicado é o mundo, quanto mais difícil é de entender as dinâmicas com que nos confrontamos, mais as pessoas procuram soluções fáceis. E no entanto, é precisamente das soluções fáceis que nós devemos desconfiar quando os problemas são complexos. E devemos desconfiar, naturalmente, de quem procura vender essas soluções fáceis. Ao enveredar pelo caminho desses que apregoam as soluções fáceis, o que se faz é degradar as instituições e a própria democracia. Se isso representa uma amea;a para o projeto europeu, bom, o projecto europeu, naturalmente tem muitos intérpretes, tem muitas possibilidades consoante aquilo que são as nossas preferências. Mas com certeza que não é favorável para o desenvolvimento harmonioso de uma União Europeia equilibrada e com capacidade de se organizar internacionalmente e internamente, face aos desafios reais com que as pessoas se confrontam. Portanto, é naturalmente preocupante e a minha expectativa é que daqui até junho haja suficiente esclarecimento para impedir que os resultados sejam na escala sugerida pelo estudo do Conselho Europeu de Relações Exteriores.
O próximo Conselho Europeu dos l]ideres dos 27 vai tratar da questão do financiamento do apoio à Ucrânia… este debate europeu, em que não há unanimidade, mais as dúvidas no Congresso americano, podem comprometer as expectativas de vitória da Ucrânia?
A minha expectativa é que no próximo Conselho Europeu que se chegue a uma conclusão positiva; nós não temos unanimidade, mas temos quase unanimidade. Temos unanimidade menos um e a nossa expectativa, sim esperamos que em 1 e 2 de Fevereiro, haja efetivamente uma unanimidade completa e isto tem sido a realidade. Ao longo dos quase 2 anos da invasão da Ucrânia pela Rússia, ou seja, sistematicamente nós vemos que há dificuldades em chegar a um consenso e depois chega-se a um consenso. Portanto, essa é a parte positiva. Nos Estados Unidos verificamos neste momento que há uma certa paralisia do sistema político, que tem demonstrado alguma dificuldade em distinguir aquilo que são as querelas político-partidárias que fazem sempre parte de qualquer democracia, daquilo que são os desafios estratégicos com que o país se confronta e com o qual todo o quadro Internacional está confrontado.
Portanto, o ocidente está – pela sua inacção ou acção lenta, a estender o tapete a Vladimir Putin para uma vitória russa na guerra…
Não, eu creio que não tem sido o caso porque tem havido um apoio muito substancial por parte dos países europeus e dos próprios Estados Unidos. Contudo, não posso deixar de dar alguma razão a Zelensky quando diz que o apoio que tem recebido é insuficiente e tem chegado de forma atrasada. Eu estou convencido que a Ucrânia pode levar por vencido este desafio. A Ucrânia pode ganhar esta guerra se tiver o apoio de que precisa, se tiver o apoio americano e europeu na escala e na natureza de que precisa. Isto seria extremamente positivo para a União Europeia e para todo o mundo ocidental. Caso contrário, caso seja Putin a ter ganho de causa, o que nós vamos viver na Europa é muita instabilidade, muita insegurança e uma ameaça fortíssima vinda do Leste que seguramente que se irá concretizar junto dos países mais próximos que são nossos aliados na NATO.
Com a Suécia Finlândia também, além dos bálticos?
Sim. Com Suécia e Finlândia, tendo aderido de forma inesperada, isto é, se olharmos para a situação no início de 2022, antes da invasão, ninguém imaginaria que a Finlândia e a Suécia se tornariam membros da NATO. A Suécia, ainda por finalizar, e o argumento de que a NATO se está a expandir e isso representa uma ameaça para a Rússia, é um argumento que não tem qualquer verosimilhança. É natural, perante a postura agressiva ameaçadora da Rússia, que os países vizinhos procurem segurança no quadro da NATO, isto é evidente e é, portanto, essa postura agressiva da Rússia, que tem levado à expansão da NATO de forma sistemática desde os países bálticos aos países do antigo Pacto de Varsóvia. Do lado russo, alegam que é uma expansão da NATO em direção à Rússia e que representa uma ameaça para a Rússia. Mas esse esse cenário não tem nenhum tipo de.credibilidade não tem nenhum tipo de credibilidade.
Mas temos visto nas últimas no último par de semanas, algumas declarações de responsáveis militares, quer da NATO, quer de alguns países europeus, no sentido de já colocar em cima da mesa cenários de um confronto aberto com a Rússia. Por exemplo, os documentos secretos do Ministério da Defesa alemão que vieram a público. Não lhe parece tudo um bocado exagerado?
Não, infelizmente, em matéria de defesa e matéria de política externa, de uma forma geral, nós temos de esperar pelo melhor e preparar-nos para o pior.
Portanto, é melhor pôr em cima da mesa todos os cenários possíveis?
Eu creio que seria irresponsável, perante a degradação da ordem internacional e perante uma postura extremamente agressiva por parte da Rússia, creio que seria irresponsável imaginar que tudo vai correr bem e prepararmo-nos apenas para esse cenário positivo. Portanto, eu penso que é possível evitar a um cenário de confronto com a Rússia, mas a melhor forma de evitar um cenário de confronto com a Rússia é assegurar que a Rússia não tem ganho de causa na Ucrânia. Se a Rússia levar de vencida a Ucrânia, aí sim estaremos perante uma situação extremamente ameaçadora para a Europa.
Os aliados ocidentais da Ucrânia têm fornecido armas a Kiev e aprovado sucessivos pacotes de sanções contra interesses russos para tentar diminuir a capacidade de Moscovo de financiar o esforço de guerra… E o senhor tem falado muito no congelamento de bens russos no exterior e na utilização dos proveitos desses bens. Em que ponto é que estamos?
Sim, efetivamente nós temos na Europa, centenas de milhões, aliás, de milhare de milhões de euros congelados. Estão congelados. Isto é, não deixaram de ser propriedade da Rússia. No dia em que a Rússia regressar à legalidade internacional, regressarão também esses bens à Rússia, a não ser que façam parte de algum acordo de final de guerra, porque a Rússia também terá de pagar a enorme destruição que causou na Ucrânia. A questão que se coloca juridicamente é: quem tem direito e para que efeito podem ser utilizados os proveitos, os rendimentos desses bens congelados, que também são de largas centenas de milhões ou mesmo alguns milhares de milhões de euros? E existe um consenso político que ainda não está transformado num documento técnico e legal. Existe um conceito político hoje na Europa que os rendimentos dos bens congelados devem ser utilizados para apoio à reconstrução da Ucrânia…
Estamos a falar de juros de, estamos a falar em termos rendas?
Sim, exatamente de rendas que, em função dos montantes que estão congelados, porque esses montantes são aplicados e é o proveito dessa aplicação dos montantes congelados, é um montante que está separado, contabilisticamente, e que, por enquanto não tem ainda um destino, uma finalidade e, hoje em dia, depois da última reunião de ministros na segunda-feira, existe um consenso quanto à utilização para reconstrução da Ucrânia, consenso que agora precisará de ser trabalhado num documento jurídico.
O chefe da diplomacia da União Europeia, Josep Borrell, que o senhor ministro recebeu recentemente em Lisboa, disse esta semana, estar confiante de que os 27 encontrarão um consenso para disponibilizar mais cinco mil milhões de euros para a Ucrânia ao abrigo do Mecanismo Europeu de Apoio à Paz… acredita nisso?
Acredito e é necessário, é fundamental. E o que nós temos visto é que as dificuldades colocadas pela Hungria em relação aos apoios à Ucrânia, depois acabam por ser ultrapassadas, nomeadamente até através de entendimentos com matérias que nem tem a ver com a Ucrânia. Eu acredito que não está no interesse da Hungria ser um permanente problema, estratégico para a União Europeia. Não estamos a falar, digamos, de uma questão normal ou de importância menor. Estamos a falar de um problema estratégico com que nos confrontamos e portanto, eu creio que o apelo que que tem sido feito a um sentido de responsabilidade por parte da Hungria, terá resultado.
Prefere já não ser MNE quando Donald Trump regressar à Casa Branca, se tal vier a acontecer?
Eu creio que ser ministro de Negócios Estrangeiros significa trabalhar de acordo com os nossos interesses e os nossos valores em circunstâncias que não escolhemos, as circunstâncias internacionais que nós não controlamos. E seguramente, qualquer que seja o resultado das eleições americanas de Novembro deste ano, eu creio que este ano de 2024 será um ano muito complexo, muito difícil, mas ser ministro de Negócios Estrangeiros significa precisamente ajudar a orientar o país internacionalmente e nas circunstâncias que existem e que são complexas.
Mas, já agora, responda-me por favor a esta questão com dois ou três “ses”… se o PS vencer as eleições e se puder governar e se Pedro Nuno Santos o convidar para continuar como MNE, está disposto a continuar?
Ah, isso são demasiados cenários. Aquilo que eu sempre tenho feito é colocado as minhas capacidades ao serviço, onde são mais necessários e, portanto, e num quadro hipotético de vitória do PS, eu espero que o PS, mais importante para mim do que continuar no lugar, é que haja continuidade na política externa.
Voltando a Donald Trump, o que é que uma eventual vitória do anterior presidente poderia trazer ao mundo?
Seguramente, conhecendo aquilo que aconteceu entre 2017 e 2020, quando Trump foi Presidente nos Estados Unidos, seguramente que há amplas razões para nos preocuparmos em relação à estabilidade de instituições fundamentais, nomeadamente da NATO. Se a relação transatlântica sofrer um grande abalo em função de novas preferências em Washington, naturalmente que teremos, nós enquanto União Europeia, de enveredar por outros caminhos. Mas dito isso, eu penso que os desafios estratégicos de hoje têm algumas diferenças em relação ao período anterior em que Trump foi Presidente. Isto é, não estou a dar de barato que ele voltará a ser Presidente, mas pode vir a acontecer e aí ele estará confrontado com um mundo muito diferente. E penso que a… enfim, alegada amizade que existe entre Trump e Putin não servirá para corresponder de todo aos interesses dos Estados Unidos e o presidente americano tem de identificar aquilo que são os interesses dos EUA.
A guerra no Médio Oriente está a ser prejudicial à Ucrânia. Pergunto-lhe se concorda e se isso já se sente nas conversas que tem com os seus colegas MNE’s de outros países?
É prejudicial à Ucrânia, seguramente: por duas razões. Uma é muito simplesmente que (o conflito no Médio Oriente) tem retirado a atenção mediática e também política à necessidade de continuarmos a apoiar a Ucrânia na sua defesa contra a Rússia, contra a invasão russa e, portanto, aí sim, há um efeito que não é positivo para a Ucrânia. Há uma outra razão e que é que é a acusação feita em algumas partes do mundo de que tem havido uma postura de dois pesos e duas medidas. Os que apoiam a Ucrânia não estão a apoiar da mesma maneira o povo palestiniano e por aí fora. Eu creio que nunca ouvi essa acusação em relação a Portugal. Quanto a isso estamos muito tranquilos e tem havido grande coerência. Mas quando os Estados Unidos são o principal apoiante da Ucrânia por aquilo que podem fornecer, e é também o principal protagonista extra regional no que toca ao Médio Oriente, é evidente que há aqui desafios fortíssimos que não são favoráveis para a Ucrânia. Dito isso, a nossa expectativa é que as pessoas não percam de vista aquilo que é fundamental. E o que está em causa na Ucrânia é absolutamente fundamental para o futuro da estabilidade da Europa.
A União Europeia (UE), tal como os Estados Unidos (EUA), tem-se pronunciado repetidamente a favor de uma solução baseada na existência de dois Estados para estabilizar a região e restabelecer a paz no Médio Oriente. Esta sexta-feira a TSF divulgou uma sondagem da Aximagem para esta rádio, Jornal de Notícias e Diário de Notícias sobre o conflito Israel/palestina. Sete por cento dos inquiridos em Portugal dizem que o ataque do Hamas em outubro se justificou, para 83% não teve justificação. Já o ataque de Israel na Faixa de Gaza justifica-se para 24% e não se justifica para 66%. Israel parar e aceitar um cessar-fogo é uma solução defendida por quase quatro em cada cinco inquiridos, 79% por cento. Continuar a guerra é algo defendido por dez por cento- Parcial ou totalmente, 74% dos inquiridos defendem uma solução de dois estados, 12% discordam. Israel tenta ou não minimizar os danos entre os civis palestinianos? Mais de metade dizem que não, 52%... 28% dizem que sim. O Hamas usa ou não os civis como escudos humanos? 72% dos inquiridos entendem que sim; só 8% dizem que não. João Gomes Cravinho, partilha desta visão dos portugueses de que o caminho que o governo de Israel está a seguir não é o mais indicado?
Eu creio que uma política externa consolidada, segura de si própria e bem ancorada na sociedade, tem de estar refletida também no amplo apoio da população àquilo que são as posições adoptadas. E o que a sondagem revela corresponde precisamente àquilo que tem sido a visão do Governo português e da política externa portuguesa quanto à necessidade de condenarmos determinadas atitudes e propormos outras no contexto do Médio Oriente. Portanto, revemo-nos muito solidamente nestes números que acaba de citar.
Segunda-feira, o senhor rejeitou o que diz ser as "ideias líricas" para a paz em Gaza apresentadas pelo seu homólogo israelita, Benjamin Netanyahu parece continuar contra a ideia de se trabalhar numa solução de dois Estados… O tema foi abordado numa reunião, em Bruxelas, na presença de representantes de ambos os lados do conflito. Israel foi demasiado intransigente? Já disse publicamente que a mensagem foi muito bem recebida pelos colegas árabes e alertou para a urgência de um cessar-fogo na faixa de Gaza…
É público, de facto, que Israel não tem aceitado a ideia de um cessar-fogo. É público também que o primeiro-ministro israelita se tem oposto à solução de dois Estados. Agora, aquilo que é a ideia unânime dentro da UE a nível dos 27, é que não há outra solução possível ou viável que não seja a solução de dois Estados. E a nossa convicção é que sabemos também que Israel, democracia como é, uma sociedade de sociedade muito plural, tem uma diversidade de pontos de vista e não confundimos Israel com aquilo que é a postura de um governo num determinado momento, ou aquilo que é a postura de uma pessoa que está à frente do governo num determinado momento…
Sendo que é com este governo que tem de trabalhar…
Sim, com certeza que é com este governo que temos de trabalhar, mas iremos insistir fortemente na necessidade de avançarem no sentido da solução de dois Estados. Aliás, os EUA também têm defendido essa posição.
De que forma e quando Portugal vai participar na missão da União Europeia no mar vermelho para acompanhar navios sob ameaça dos rebeldes houthis?
Bom, acho que é preciso distinguir aqui duas etapas. Em primeiro lugar, o processo actual que é de discussão dentro da UE sobre a natureza de uma futura missão no Mar Vermelho e uma segunda etapa que tem a ver com uma eventual participação portuguesa. Quanto à primeira, Portugal tem apoiado a necessidade de desenharmos uma missão da UE que tenha uma função executiva, isto é, capacidade de defesa se navios forem atacados e isso representa a posição da esmagadora maioria dos países da União Europeia e penso que o desenho dessa missão Mar Vermelho se irá fazer nas próximas semanas ou meses. Quanto à participação portuguesa, creio que seria coerente com a defessa dessa posição que temos adotado, participarmos. Contudo, nós estamos num quadro excepcional, que é um governo de gestão e isto terá de ser pensado no âmbito daquilo que é normal. Portanto, um processo em que há uma tomada de posição por parte do Governo e uma concertação com o Senhor Presidente da República, uma decisão no âmbito do Conselho Superior de Defesa Nacional e verificar se há entendimento quanto à possibilidade de se fazer isto num quadro de governo de gestão…
Ou seja, no quadro de um governo de gestão só com um consenso político alargado?
Naturalmente. Ou se será melhor já fazê-lo na vigência de um novo governo e, aliás, uma decisão da UE quanto à concretização da missão, talvez já não esteja muito longe das nossas eleições e da formação de um novo governo em Portugal.
Quando é que o serviço europeu de acção externa entrega a proposta de sanções aos colonos israelitas que, pegando em palavras suas, estão ilegalmente a ocupar território na Cisjordânia e que é preciso sancionar aqueles que, cito, “de forma persistente e sistemática, estão a criar dificuldades para a paz e a tornar a solução de dois estados mais difícil?
Em Dezembro, houve uma concordância em torno da mesa, portanto, ninguém se opôs a essa a introdução de sanções. É algo que, aliás, os Estados Unidos já fizeram e há uma proposta feita e circulada a nível de trabalho, não a nível político, para concretizar essas sanções. E essa proposta tem enfrentado algumas dificuldades, particularmente por parte de dois países, que estão a sugerir alterações no sentido de aligeirar as sanções inicialmente propostas pelo Serviço Europeu de Ação Externa, com as quais nós estávamos confortáveis. Portanto, a nossa expectativa é que se possa ter unanimidade. O Serviço Europeu de Ação Externa precisa de unanimidade, particularmente para decisões sobre sanções. A nossa expectativa é que se possa finalmente chegar a uma unanimidade muito em breve.
Está de partida para o Brasil, uma cimeira ministerial do G20. O Brasil tem a presidência este ano, convidou Portugal a participar nessa nessa reunião que depois vai vai desaguar, digamos assim, numa numa cimeira. Em Novembro deste ano, Rio de Janeiro, com a com a presença das lideranças dos dos 19 países membros, mais União Europeia, União Africana, que contributo é que Portugal pode dar para o G20?
Em primeiro lugar, quero sublinhar a natureza excecional do facto de estarmos este ano, ao longo de todo o ano e quando digo ao longo de todo o ano, estou a falar de cerca de 120 reuniões, 20 e tal ministeriais e a própria cimeira, mas ao longo de todo o ano estaremos a participar no G20, que é uma instância não de tomada de decisão, mas de organização das principais dinâmicas internacionais envolvendo países muito diversos, Estados Unidos, Rússia, China e nós teremos este ano uma voz à mesa. Temos uma voz à mesa porque fomos convidados pelo Brasil. Naturalmente que a nossa relação fraterna com o Brasil tem alguma coisa a ver com isso, mas o Brasil também seguramente que não nos convidaria apenas por isso; eu creio que somos internacionalmente reconhecidos como um país que faz pontes, um país que tem uma capacidade de diálogo intercontinental em relação em todas as direções, um país que é tem um forte compromisso com o multilateralismo e, portanto, um país que pode dar precisamente esse contributo no quadro de uma ordem Internacional muito degradada, muito crispada. Eu penso que as nossas linhas de força vão corresponder precisamente àquilo que são as prioridades brasileiras que têm a ver com o reforço e a reforma necessária de os principais elementos de governação Internacional com a questão do combate à fome e à pobreza que o Presidente Lula quer deixar como grande legado da Presidência brasileira do G 20 e tem a ver também com a necessidade de concertação mais profunda e mais ampla e matéria de clima e biodiversidade. São 3 áreas que requerem mais países, como Portugal, que requerem uma capacidade de fazer pontes e uma capacidade de falar em todas as direções para ajudar a tecer ou a criar um clima de melhor entendimento Internacional e, particularmente, neste contexto difícil que vivemos.
Essa capacidade de fazer pontes serviu para alguma coisa em Cabo Delgado? Valeu a pena o esforço político e militar de militar de Portugal e da UE com Cabo Delgado? Ou mais valia, desde o início, termos deixado as coisas nas mãos do Ruanda, que acabou por ser que, ainda que relativamente, quem conseguiu pacificar aquela parte do norte de Cabo Delgado?
Eu creio que foi extremamente importante nós utilizarmos essa capacidade de fazer pontes para, pegando num conhecimento mais razoavelmente aprofundado da situação em Moçambique, e em Cabo Delgado em particular, ir para Bruxelas dizer, nós precisamos de montar uma missão que apoie as forças armadas moçambicanas a corresponder à situação que vivem no seu próprio país e que é uma situação que não interessa a ninguém, ou melhor, interessa apenas a movimentos terroristas internacionais. Desde logo, portanto, tivemos essa capacidade de fazer pontes; por outro lado, e no terreno, aquilo que aconteceu foi que a missão europeia liderada por Portugal, sempre comandada por oficiais portugueses, efetuou um trabalho, creio que muito bom de formação das forças armadas moçambicanas. Já o trabalho militar no terreno, foi efetuado pelo Ruanda, para além das forças armadas moçambicanas, naturalmente formadas pela União Europeia e também por uma missão da SADC, a Comunidade Económica da África Austral. E aqui, Portugal tem uma posição que eu atrevo-me a dizer que mais nenhum país poderia desempenhar. E continuaremos a trabalhar com Moçambique no sentido de agora desenvolvemos uma segunda fase para a missão da União Europeia e que corresponde à necessidade de consolidar os progressos.
E na Guné Bissau? Portugal não tem sido… e falo no governo e no presidente da república… demasiado complacente com o evidente autoritarismo e falta de democracia do presidente guineense Umaro Sissóco Embaló?
Bom, sempre quando acontece qualquer coisa num numa antiga colónia portuguesa vêm-nos perguntar, o que é que estamos a fazer, esquecendo às vezes que há quase 50 anos que esses países são independentes, nós não temos responsabilidade.
E se se envolver pode ser acusado de neocolonialismo?
Não temos responsabilidades soberanas, nem na Guiné-Bissau, nem em qualquer outro país senão Portugal. Dito isso, obviamente que temos uma grande proximidade em relação à Guiné-Bissau. Falamos muito com o Presidente Embaló, falamos muito também com os outros atores políticos daquele país. Não devemos necessariamente, como grande contributo, estar a fazer afirmações públicas que, especialmente vindas de uma antiga potência colonial, possam causar mais estragos do que do que benefícios.
Como sabe, há um movimento de revolta dos agricultores que está a alastrar na Europa, França, principalmente, mas também a Alemanha, Luxemburgo, Bélgica, Roménia, Polónia. Em França principalmente, com várias autoestradas cortadas, com os camponeses invadir as cidades, uma crise deste género pode também contaminar os agricultores portugueses?
Bom, eu não tenho sentido da parte dos agricultores portugueses nenhuma preocupação que não seja trabalhar com o Governo no quadro de diálogo. E isso, com a minha colega Ministra da Agricultura e também na concertação social, tem vindo a ser trabalhado. O colega também do ambiente, atendendo aos problemas relacionados com a seca e com a distribuição de água. Portanto, tudo isso são problemas…
Também com a proteção que foi feita a importação de cereais ucranianos para ajudar a economia ucraniana. Isso é um problema para alguns países, se calhar mais do centro da Europa, mas é um problema também que sentem…
Sim, nós temos aqui uma outra questão, que é a seguinte: ao tocar no problema do acesso, por parte dos cereais ucranianos ao mercado europeu, está precisamente a tocar num problema que é a questão de necessidade de protecionismo em algumas matérias em algumas áreas em relação a algumas ameaças. Devo dizer, no entanto, que a experiência que nós temos dos últimos anos, não é uma experiência muito favorável a algumas medidas protecionistas e aqui não falo tanto dos cereais da Ucrânia. É um exemplo muito interessante que é: todos conhecemos aquilo que foi a enorme dificuldade em fazer aprovar o acordo de comércio livre com o Canadá. O Canadá é um país com o qual não temos nenhuma diferença de fundo. Fizemos um acordo que entrou em vigor provisoriamente porque nunca chegou a ser ratificado devido a oposição de um Parlamento, que é o Parlamento da Valónia na Bélgica, que é um dos 5 parlamentos belgas. Ora, o que é que se verifica? Passados cinco anos de funcionamento provisório do acordo de comércio com o Canadá, as exportações agrícolas da Bélgica para o Canadá aumentaram enormemente. E as importações vindas do Canadá para a Bélgica e para a Europa aumentaram uma pequena parcela. E portanto, há muito medo, muita desinformação, pouca fundamentação por vezes, naquilo que são receios por parte de alguns grupos políticos. E estou aqui a falar particularmente da agricultura, que não se justificam. Isto é um problema agora, quando quando estamos na reta final, praticamente em cima da meta, de um acordo com o Mercosul, União Europeia e Mercosul, em que há oposição por parte de alguns grupos agrícolas. Mas eu estou convencido que aquilo que foi a experiência belga com o Canadá deve ser um bom indicador daquilo que seria a realidade de um acordo com o Mercosul, que tem enorme importância geoestratégica, muito para além da questão da importação de mais uns quilos ou menos uns quilos de carne bovina.
Está preocupado com o crescimento da Afd, Alternativa para a Alemanha?
Todos aqueles que prometem soluções simples para problemas complexos, na realidade estão a enganar os eleitores, estão a enganar a população. E o crescimento de movimentos extremistas que têm essas receitas simples para problemas difíceis, fragiliza a Europa, fragiliza o próprio país em causa, no caso que referiu à Alemanha, mas também outros países e fragiliza-nos a todos institucionalmente. Portanto, neste mundo complexo, infelizmente, não há soluções fáceis. Temos de olhar para aquilo que é a realidade, com frieza e com lucidez, e recusar este tipo de receitas fáceis que apenas nos enganam.