Costa destaca experiência como presidente da Câmara, primeiro-ministro e governante, ao receber o testemunho da “casa comum” da União Europeia
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Perto de assumir o cargo de presidente do Conselho Europeu, António Costa enfrenta uma União Europeia marcada por desafios como as migrações, o alargamento e a guerra na Ucrânia. Contudo, o futuro líder europeu destaca que as divergências entre os 27 não devem ser vistas como um obstáculo, mas como uma força motriz para a construção europeia.
“Não devemos ignorar as nossas divergências de opinião, nem encará-las como um problema. (...) Essa diversidade é perfeitamente natural. Enriquece-nos. E nós podemos, de facto, tirar partido dela. É a força da Europa.”
Na cerimónia que simboliza a passagem de testemunho, Costa sublinhou o legado do seu antecessor, Charles Michel, destacando os esforços realizados em momentos críticos como a pandemia, a resposta ao choque económico e a agressão militar da Rússia.
Unidade na Diversidade
O discurso de Costa centrou-se em três pilares fundamentais para o futuro da União Europeia: valores comuns, paz e prosperidade. Destacando a sua experiência como autarca e governante, defendeu que não há contradição entre servir a cidade, o país e a Europa.
Ucrânia e Paz
A guerra na Ucrânia ocupou um lugar central na intervenção de Costa. Reiterou o compromisso da União Europeia com uma paz justa, que respeite o direito internacional e não recompense o agressor.
“A paz na Ucrânia tem de ser justa; tem de ser duradoura e tem de assentar no direito internacional”, defendeu António Costa alertando que a paz não poderá ser conquistada à custa da capitulação da Ucrânia.
“Ao fim de trinta e três meses – mil e dez dias – de guerra de agressão da Rússia na Ucrânia, todos nós ansiamos pela paz. Especialmente o povo ucraniano, sitiado e heróico. Mas a paz não pode ser a paz dos cemitérios. A paz não pode ser capitulação. A paz não pode recompensar o agressor. A paz na Ucrânia tem de ser justa; tem de ser duradoura e tem de assentar no direito internacional”, frisou.
O novo presidente do Conselho Europeu assumiu também a importância de reforçar a segurança e defesa, sublinhando que a Europa deve assumir maior responsabilidade militar. Defendeu uma maior autonomia europeia neste domínio, mas sempre em articulação com os pilares transatlânticos, reforçando a parceria com os EUA.
Alargamento da União Europeia
Costa apresentou o alargamento como um “instrumento de paz, segurança e prosperidade”. Sublinhou a necessidade de avançar de forma pragmática, sem prazos artificiais, mas sem bloqueios desnecessários, para integrar novos membros que fortaleçam o projeto europeu.
Defesa e Competitividade
A aposta na defesa foi apresentada como motor para a competitividade e inovação europeias. Costa destacou que a transição climática e os desafios no domínio da defesa podem ser utilizados como catalisadores para a competitividade europeia, desde que acompanhados de uma redução da burocracia e de investimentos em competências.
Relações da UE no mundo
Costa frisou a importância de uma abordagem multipolar nas relações externas, rejeitando rótulos como “Sul Global” ou “Norte Global”. Defendeu a construção de uma rede global que inclua todos os continentes, para enfrentar desafios comuns como as alterações climáticas e a sustentabilidade.
“A União Europeia tem de defender causas mundiais (...) e ser parceira de uma nova governação mundial”, salientou.
Costa reforçou ainda a necessidade de renovar a confiança dos cidadãos no projeto europeu, abordando temas próximos das preocupações do dia a dia, como a habitação, migrações e emprego. A promessa de um futuro melhor para as novas gerações é também uma das mensagens centrais do seu discurso que pode ler na integra aqui. Link para o Texto
Costa destacou ainda a necessidade da manutenção de noas relações institucionais, entre devendo as três instituições trabalhar juntas deformas “única” na União Europeia.
“Preservar e reforçar o legado da União Europeia é um trabalho de equipa. E é por isso que quero em especial agradecer-vos, cara Ursula [von der Leyen] e cara Pina [Picierno], por estarem hoje aqui comigo. Representamos instituições diferentes, mas somos uma única União Europeia. Juntos, com os Estados-Membros, com os cidadãos europeus e com todos vós hoje aqui presentes – somos a Equipa Europa”, sublinhou.
Leia o discurso de António Costa na íntegra:
"Caro Charles (Michel), faço questão de te agradecer: os teus esforços incansáveis, o teu profundo empenhamento em prol da Europa, foram indispensáveis para construir a unidade europeia em tempos muitíssimo difíceis.
Durante a tua Presidência do Conselho Europeu, foram vários os momentos cruciais em que nos reuniste para fazermos frente a desafios que muitos consideravam intransponíveis: uma pandemia, o choque económico que se seguiu, a agressão militar da Rússia.
Caro Charles, foste tu quem nos orientou para fazermos frente a estes desafios, e a muitos outros, fazendo-nos sempre relembrar o poder, e a necessidade, da unidade europeia. Obrigado – A Europa está em dívida para contigo.
Fui presidente da câmara de Lisboa. E orgulho-me de ter servido a minha cidade. Fui primeiro-ministro de Portugal. E orgulho-me de ter servido o meu país. Assumo agora o cargo de presidente do Conselho Europeu. E orgulho-me de servir a União Europeia. Lisboa é a minha cidade. Portugal é o meu país. E a Europa é a nossa casa comum. Não há qualquer contradição entre estes três níveis.
No meu entender – hoje em dia, num mundo globalizado – a única forma de sermos verdadeiramente patrióticos, de assegurarmos a soberania, é construir uma Europa comum. Porque só juntos podemos defender a segurança, a estabilidade e a paz no nosso continente. Só juntos poderemos alcançar uma prosperidade partilhada, crescimento económico e a transição climática. Só juntos podemos fazer com que a voz da Europa seja ouvida na cena internacional. Porque a unidade é a força vital da União Europeia.
Mas não devemos ignorar as nossas divergências de opinião, nem encará-las como um problema. Temos 27 histórias e culturas diferentes, e olhamos para o mundo a partir de diferentes pontos geográficos. Essa diversidade é perfeitamente natural. Enriquece-nos. E nós podemos, de facto, tirar partido dela. É a força da Europa.
A verdade é que a unidade na diversidade da Europa é uma coisa notável. Enraizada na força da nossa vontade comum e inabalável. Enquanto presidente do Conselho Europeu, a minha missão quotidiana será consolidar esta unidade e acarinhar a nossa diversidade natural. Escutando cada Estado-Membro, respeitando as preocupações de cada um – e promovendo a convergência sempre que houver desacordo.
De que é feita a Europa? A Europa é feita de valores, de paz e de prosperidade. Começo pelos nossos valores comuns.
São a pedra angular sobre a qual construímos tudo o resto. Estão inscritos nos nossos Tratados, logo nas primeiras linhas; são uma realidade quotidiana patente na forma como nos tratamos uns aos outros; estão no cerne da forma como os cidadãos se relacionam com as instituições nacionais e europeias.
Estabelecem padrões exigentes para todos nós, tanto para as instituições como para os cidadãos. A dignidade humana, a liberdade, a democracia, a igualdade, o Estado de direito e os direitos humanos, incluindo a proteção das minorias. Estes valores e princípios são a própria essência da Europa e do nosso modo de vida. E têm de ser defendidos. Esta é a principal lição do passado sombrio da Europa, marcado pela ditadura e pela guerra.
O que me leva ao segundo pilar da Europa: a paz. Ao fim de trinta e três meses – mil e dez dias – de guerra de agressão da Rússia na Ucrânia, todos nós ansiamos pela paz. Especialmente o povo ucraniano, sitiado e heroico. Mas a paz não pode ser a paz dos cemitérios. A paz não pode ser capitulação. A paz não pode recompensar o agressor. A paz na Ucrânia tem de ser justa; tem de ser duradoura e tem de assentar no direito internacional.
Esta guerra decorre em solo europeu, mas em causa estão os princípios universais consagrados na Carta das Nações Unidas: o direito dos povos à autodeterminação, o direito das nações de escolherem o seu próprio futuro, e o respeito pela integridade territorial e pelas fronteiras de um Estado.
Temos pois de escrever um novo capítulo da UE enquanto projeto de paz. Tornando-nos mais fortes, mais eficientes, mais resilientes e, sim, mais autónomos em matéria de segurança e defesa. Assumindo um ónus maior no que toca à nossa preparação militar. Reforçando simultaneamente os pilares da nossa parceria transatlântica.
Esta mesma urgência geopolítica tem também de se refletir no alargamento. Porque o alargamento é um poderoso instrumento de paz, de segurança e de prosperidade. Usemos, portanto esse instrumento! Tanto a UE como os países candidatos têm de trabalhar mais e mais depressa. Sem prazos artificiais, mas também sem obstáculos indevidos.
O alargamento reforçará indubitavelmente a União Europeia. Mas a nossa paz, a nossa segurança e a nossa resiliência não dizem apenas respeito à Europa.
Vivemos num mundo multipolar, com sete continentes diferentes e cento e noventa e dois países. Temos de os implicar, tecendo em conjunto uma rede mundial. Ao fazê-lo, devemos pôr de lado conceitos como o «Sul Global» ou o «Norte Global». A ação externa da UE tem de reconhecer que tanto o Sul como o Norte são, na realidade, plurais.
Isso significa também que a União Europeia tem de defender causas mundiais. Tem de ser um parceiro de uma nova governação mundial e de um futuro sustentável e pacífico. Quais são essas causas mundiais? Ocorrem-me três exemplos:
- Atender aos desafios às oportunidades dos oceanos, que nos dão alimentos, energia e transportes e que desempenham um papel fundamental na regulação do clima;
- Reformar a arquitetura financeira mundial, a fim de a tornar mais equitativa, justa e reativa às crises;
E
- Defender o desenvolvimento sustentável a nível mundial, nomeadamente no «Sul Plural».
Em suma, o respeito pelo direito internacional e pelas regras, bem como o multilateralismo, são as condições prévias para a paz e a estabilidade mundiais. Mas têm de ser apoiados por um sistema de governação mundial reformado que funcione realmente para as pessoas do mundo inteiro.
Em terceiro lugar, a Europa é feita de prosperidade. A UE sempre esteve ancorada numa promessa de prosperidade partilhada para os seus cidadãos. É essa promessa que temos de cumprir.
Os relatórios de Enrico Letta e Mario Draghi são um apelo à ação, e a Declaração de Budapeste identifica as prioridades. Neste caminho, cabe-nos a nós, instituições e Estados-Membros, tomar decisões. Temos de completar o mercado único, reduzir a burocracia, investir nas competências e na inovação, e utilizar os desafios das alterações climáticas e no domínio da defesa como motores para impulsionar a competitividade.
Depois de ter falado com os dirigentes europeus que visitei ao longo das últimas semanas, sinto-me confiante. Graças ao seu sentido de urgência e, sobretudo, ao facto de todos porem a tónica numa ação coletiva inspirada na criatividade e norteada pelo pragmatismo.
Para concluir, o cimento que tem de nos unir – na defesa dos nossos valores, na construção da paz e na consecução da prosperidade – é a confiança. Temos de renovar essa ligação com os cidadãos. Trabalhando em estreita colaboração com os parceiros sociais, as nossas regiões, as nossas cidades e os representantes da sociedade civil.
Porque temos de demonstrar que respondemos eficazmente às preocupações das pessoas. Da crise na habitação a uma melhor gestão da migração. Do envelhecimento às alterações climáticas. Da luta contra a criminalidade à criação de melhores empregos.
Mais importante ainda, temos de demonstrar que a União Europeia é um projeto para a geração jovem e para os seus filhos. Para um futuro em que, tal como os seus pais e avós, eles terão melhores condições de vida do que as gerações anteriores.
Preservar e reforçar o legado da União Europeia é um trabalho de equipa. E é por isso que quero em especial agradecer-vos, cara Ursula [von der Leyen] e cara Pina [Picierno], por estarem hoje aqui comigo. Representamos instituições diferentes, mas somos uma única União Europeia. Juntos, com os Estados-Membros, com os cidadãos europeus e com todos vós hoje aqui presentes – somos a Equipa Europa.
Aos meus colegas do Secretariado-Geral do Conselho, digo: sou um de vós. Conto convosco, tal como vós podeis contar comigo. Mantermo-nos fiéis aos nossos valores, renovar os nossos projetos europeus de paz e prosperidade e reforçar a confiança dos cidadãos – é esta a agenda a cumprir. Mãos à obra!"