Marta Temido à TSF: "Utilizar tragédias para fazer política é populismo, leva a política ao lamaçal"
A eurodeputada acredita que o fenómeno do populismo pode agravar-se no futuro e entende que é a política que “fica descredibilizada”
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A eurodeputada Marta Temido (PS) critica o que classifica como um “aproveitamento populista” de fenómenos como as alterações climáticas. Entrevistada pela TSF, a eurodeputada dá como exemplo a política interna espanhola, mas alerta que o mesmo já aconteceu em Portugal “durante a pandemia ou os incêndios de 2017”.
Marta Temido considera que um dos exemplos ocorreu por estes dias, no Parlamento Europeu, durante a audição da candidata espanhola a vice-presidente da Comissão Europeia, quando foi criticada pela falta de medidas para evitar o impacto das chuvas torrenciais de Valência.
“Todos aqueles que assistimos à audição da agora comissária Teresa Ribera e ao debate que houve sobre as cheias de Valência, aqui nesta casa [no Parlamento Europeu], ficámos perfeitamente cientes daquilo que é, na minha perspetiva, um comportamento completamente errado na política, inclusivamente de deputados portugueses, diga-se em abono da verdade”, afirmou, referindo-se ao que considera ser “populismo”.
A falar dos eurodeputados portugueses “que pertencem à coligação PSD/CDS e que usaram da palavra no dia em que se falou das cheias de Valência”, Marta Temido entende que “o populismo é isso: é invocar ditadores como Franco e Salazar – que foram os nomes que foram ditos – para os comparar a Pedro Sánchez.”
“O populismo é dizer que as cheias de Valência têm uma responsabilidade política na sua origem”, continuou, embora admita que possa haver “uma responsabilidade política nas suas consequências e em lidar melhor ou pior com elas".
Por outro lado, entende que "ver pessoas que morrem, pessoas que perdem familiares e utilizar isso para fazer política, dos incêndios às cheias, passando pelas pandemias, acho que é uma coisa absolutamente insuportável e leva a que a política caia no lamaçal e que as pessoas percam o respeito pelos agentes políticos".
Sobre a possibilidade de o caso de Valência ter implicações políticas que possam desencadear uma crise governativa, a deputada considera que sobre isso “os espanhóis saberão".
“Percebemos que o ambiente está muito tenso, muito difícil. E também percebemos que há uma dificuldade em captar aquilo que são as responsabilidades do governo nacional e do governo regional, mesmo para os espanhóis que estão habituados a viver nesse regime”, afirmou.
“Acredito que em Portugal seja ainda mais difícil de captar. Compreendi algo sobre essa realidade nos meus tempos de ministra da Saúde, quando falava com os meus colegas ministros da Saúde, espanhol ou alemão, ou mesmo italiano, e perguntava como é que estão a fazer isso ou aquilo outro, e me respondiam: ‘Isso não é nada comigo, é com as regiões’”, afirmou, considerando que no caso de Valência “é compreensível que houvesse responsabilidades regionais.”
“Também há responsabilidades nacionais – e compreendi isso muito bem na minha vida política –, [pois] a cadeia de responsabilidade não termina, mesmo que civilmente, criminalmente, não haja nexo de causalidade”, mas “há depois uma responsabilidade política e uma responsabilidade moral por tudo aquilo que é o conjunto de fenómenos”, frisou.
“Percebo que haja aqui muitas lágrimas para chorar, também responsabilidade por apurar. Neste momento, creio que o processo é um processo de recuperação. Nós já passámos vários dias, várias semanas sobre as cheias de Valência, no entanto, hoje vemos fotografias de uma série de coisas para reconstruir”, lamentou Marta Temido, admitindo que “o processo de apuramento de responsabilidades seja também importante para alguma reconciliação das pessoas com os serviços do Estado".
“Aquilo que normalmente acontece neste tipo de fenómenos – e nós vimos isso também acontecer em Portugal com os incêndios de 2017 – são as forças populistas a agarrarem logo o chavão de que é o Estado que está a falhar. Ora bem, o Estado pode funcionar melhor ou pior, mas há fenómenos, que são, neste caso, fenómenos climáticos extremos, que nenhum Estado consegue parar, a não ser com políticas de adaptação e de mitigação”, afirmou ainda.