Médicos Sem Fronteiras no Líbano: "Temos lidado com feridos dos ataques, a maioria com queimaduras na cara e no corpo"
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Milhares de pessoas estão a sair das suas casas no Líbano com medo dos bombardeamentos israelitas. Desde sexta-feira que os ataques aéreos não param no sul do país. Hanadi Syam, responsável pelas operações dos Médicos Sem Fronteiras no local, traça um cenário de insegurança, medo e pânico. Hanadi Syam, em declarações à TSF, descreve ainda o sofrimento dos civis atingidos pelas bombas.
Como está a situação no Líbano?
Estando no terreno, assistimos a muitas atrocidades. Testemunhámos centenas de milhares de pessoas a fugirem de casa com medo de perder a vida, na sequência de ataques violentos, em quase todo o sul do Libano. Muitos fugiram só com a roupa que tinham vestida. Cidades como Fayda e arredores foram inundadas de pessoas, que encheram todos os locais públicos, incluindo escolas, hospitais, mesquitas, etc. Alguns não encontraram outro lugar se não a rua, para passar as noites e dias. Mesmo agora, vou a muitos sítios e há pessoas a dormirem na rua. Todos precisavam de bens básicos, como alojamento, comida, segurança. Mas só alguns tiveram a sorte de o conseguir, claro. A maioria ainda não tem acesso a um abrigo e outras necessidades básicas.
Quais são as principais necessidades neste momento?
Necessidades básicas, como abrigo, habitação, alimentação, água, acesso a cuidados de saúde. Posso enumerar estas como as principais prioridades,
além, claro, da segurança. São estas as necessidades básicas com que nos temos deparado junto destas populações.
E quais são os principais ferimentos?
Creio que há muitas pessoas feridas, sim, claro, mas temos estado a trabalhar nas zonas dos deslocados. Não temos estado na linha da frente, por isso, não temos visto ferimentos recentes, mas temos lidado com feridos depois dos ataques. Estamos a lidar com feridas, a maioria queimaduras na cara e no corpo
e queimaduras de segundo e terceiro grau. Não temos capacidade para os apoiar, mas estamos a fazer o melhor e depois estamos a tentar encaminhar
para outros prestadores de serviços, que são muito poucos, claro, mas estamos a tentar o nosso melhor. E criámos mais unidades móveis, também nos deslocámos para diferentes áreas, incluindo duas províncias principais, Beirute, Monte Sabanon e a província do Sul, onde as pessoas tendem a ser deslocadas.
O vosso pessoal tem medo? Porque lembro-me que esta noite um centro médico foi atingido em Beirute. Têm medo de trabalhar no Sul do Líbano?
Todos nós temos medo. De facto, estamos todos com medo. Estamos todos ansiosos. Todos temos preocupações, receios, porque todos vimos o que aconteceu nas estruturas de saúde em Gaza. Temos as nossas preocupações, relativamente às nossas famílias, às nossas vidas também. Mas penso que trabalhar agora com os deslocados é, antes de mais, uma distração e um bom estímulo para a nossa moral, porque sentimos que estamos a fazer alguma coisa em vez de ficarmos sentados a ver o que se passa à nossa volta. Mas, definitivamente, o medo existe. Sem dúvida.
Então não está a planear deixar o Sul do Líbano?
Não, não tenciono. Na verdade, sou uma médica internacional dos MSF e estava a planear ir para o Bangladesh, claro, antes desta crise. Mas devido à situação, senti que queria mesmo ajudar as pessoas, com os MSF, com a minha organização aqui no terreno. Por isso, fiquei e tenciono ficar até ao último momento.