"Mesmo que Marrocos esteja no Sara Ocidental durante mil anos, será sempre um ocupante."
Político experiente de um território não autónomo ocupado por Marrocos, Omar Mansour tem um plano de autonomia para o Sara Ocidental. O representante da Frente Polisário para a Europa rejeita e reclama o direito ao referendo.
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Nasceu em Dajla/Villa Cisneros (Sara Ocidental), em 1953. Fez os estudos primários e secundários na então 53ª província do Estado Espanhol. Frequentou o curso de direito da Universidade Complutense de Madrid. Tem um vasto curriculum político. Foi Secretário-geral da União Geral de Estudantes Sarauís durante a colonização espanhola. Membro do primeiro Governo sarauí, em fevereiro de 1976, foi também embaixador na Argélia, Venezuela e México. Foi, em diferentes governos sarauís, Ministro da Saúde Pública, da Educação, do Interior, dos Negócios Estrangeiros do Saara Ocidental, Ministro Itinerante para a Ásia e Pacífico Sul, Vice-Presidente da Comissão Coordenadora com a MINURSO (Missão das Naçõe Unidas para o Referendo no Saara Ocidental), e Chefe da Representação da Frente Polisário em Espanha. Agora, representa na UE o partido que se confunde com a resistência a Marrocos.
Omar Mansour, representantes de Marrocos e da Argélia entraram em confronto na passada terça-feira, na Assembleia Geral da ONU, sobre a gestão do Sara Ocidental, considerado pela organização como um território recentemente autónomo. Marrocos controla cerca de 80% do território e propõe um plano de autonomia sob a sua soberania. O que pensa, Omar Mansur, do que aconteceu na terça-feira em Nova Iorque?
Bem, acho que Marrocos está a ver que a comunidade internacional não está a seguir as suas intenções ou as suas propostas e ficou muito nervoso e o seu nervosismo só o leva a atacar a Argélia porque é um país vizinho e tem um grande número de refugiados sarauís. Sempre foi tradição de todos os colonialistas quererem sempre culpar um país terceiro e não encarar a realidade. Foi o povo do território que se revoltou contra a sua ocupação e é o povo do território que está a lutar política e militarmente para defender o seu país, para defender o seu território, para defender a sua liberdade. É uma luta pela liberdade de um povo, pela sua autodeterminação e independência, como fizeram outros países que foram colonizados. Marrocos não tem qualquer razão para ocupar, a não ser a sua própria ambição de controlar as riquezas naturais do território. Não tem nenhum título de soberania, não tem absolutamente nenhum argumento jurídico que possa pesar a seu favor.
Mas o embaixador marroquino, Omar Ilale, reiterou que a iniciativa de autonomia no quadro da soberania nacional e da integridade territorial de Marrocos continua a ser a única forma de virar a página. Vários países aceitaram, ou pelo disseram que este plano de autonomia era uma boa base negociável, mesmo alguns países europeus...
Penso que não se trata apenas de saber se alguém gosta ou não gosta deste projeto de autonomia. As Nações Unidas, depois de 16 anos de guerra entre a Frente Polisário e a ocupação marroquina, em conjunto com a Organização dos Estados Africanos, elaboraram um plano de paz. E esse plano de paz não era um plano de paz favorável a priori aos Sarauís. Era simplesmente um plano de paz que visava a organização de um referendo. É por isso que foi criada uma missão de paz da ONU com uma missão.
Chama-se MINURSO e tem mesmo a missão para o referendo.
Uma missão da ONU para a organização do referendo no Sara Ocidental. Portanto, depois de tudo o que foi investido pela comunidade internacional e depois da existência deste plano e depois do esforço que foi feito para chegar a um consenso, este plano foi estabelecido e não é a favor dos Sarauís, nem é a favor da outra parte. É um plano de democracia, de autodeterminação. Para que, no final, os sarauís possam decidir o que lhes convém. Sim, é verdade. Marrocos insiste constantemente em que os sarauís querem ser marroquinos. Não há melhor método do que o método democrático e o método democrático foi oferecido pelas Nações Unidas.
Há uma perspetiva que aponta para o desenvolvimento económico que Marrocos pretende trazer para o Sara Ocidental.
Marrocos, desde a sua ocupação, não trouxe qualquer desenvolvimento económico. Marrocos retirou os recursos aos sarauís. Marrocos explora selvaticamente o fosfato sarauí, que vende a preços muito baixos a diferentes países, a fim de atrair a simpatia destes para apoiar as suas posições políticas. Marrocos utiliza a pesca sarauí num contrato com a União Europeia, que beneficia há vários anos 130 navios que pescam ao largo das costas sarauís. Marrocos roubou 47 jazidas de ouro no território, vendeu as areias do território a diferentes países, explorou o turismo. Temos 1200 quilómetros de costa e Marrocos está a explorar o nosso turismo. Portanto, não precisamos que Marrocos venha desenvolver-nos, precisamos que respeite a nossa riqueza, os nossos recursos. Nós temos a experiência e as pessoas formadas para podermos criar o nosso próprio modelo de desenvolvimento. O modelo de desenvolvimento de Marrocos não nos convence. Viram que Marrocos é independente desde 1956 e ainda tem 13 milhões de pessoas a viver abaixo do limiar da pobreza? Que desenvolvimento é que nos vai trazer Marrocos? Em primeiro lugar, tem de desenvolver o seu país. Em segundo lugar, há um grupo de pessoas que vive em Marrocos e a maior parte delas está a sofrer. Têm vivido na pobreza desde o início da independência. Por isso, não estamos realmente convencidos pelo seu modelo de desenvolvimento e eles simplesmente têm de respeitar o que as Nações Unidas decidiram para resolver o problema.
Poderiam ser convencidos pelo modelo argelino ou o que a Frente Polisário pretende é algo diferente desses dois países, mesmo que um deles seja vosso amigo...
Não, não estamos convencidos de nenhum dos modelos. A Argélia baseia a sua economia na exploração dos seus recursos naturais e Marrocos está a fazer acrobacias com o mundo inteiro, porque os recursos naturais que tem, saqueou-os e colocou-os em mãos estrangeiras e, portanto, não tem nada para oferecer. Nós temos a nossa própria maneira de ver como gerir e desenvolver o nosso país. E creio que não se trata de uma competição entre Marrocos e a Argélia. Trata-se do facto de haver um país chamado Marrocos, que ocupou o território do Saara Ocidental quando este território estava a ser descolonizado pela Espanha em 1975 e nós tínhamos entrado em negociações com a Espanha. De repente, Franco morreu, os espanhóis ficaram muito assustados porque iam ter uma sucessão em Espanha e não sabiam o que Juan Carlos, que não tinha experiência, poderia fazer. E Marrocos avançou com uma forma de mascarada teatral, enviando 111 contingentes de civis para a fronteira marroquina com o Saara Ocidental, dizendo que iam marchar para dentro do território. Mas não foi uma marcha civil. Era o exército marroquino, com alguns civis à frente, que queria invadir e queria dar a impressão ao mundo de que a Espanha estava em apuros. Por isso, devia retirar-se e deixar entrar Marrocos. E a Espanha deixou-os entrar. Mas também não lhes deu a soberania do território, porque a soberania do território não estava nas mãos de Espanha. Está nas mãos do povo sarauí. E a Espanha disse: bem, podemos deixá-los administrar o território juntamente com a Mauritânia, para que, quando o povo sarauí se autodeterminar, a soberania passe para o povo sarauí. Pensamos que Marrocos já criou recursos suficientes para si próprio e já percebeu que os sarauís não querem ser marroquinos. Se ainda têm dúvidas, não há melhor maneira do que a via democrática para o provar. Os sarauís querem ser marroquinos? Pois bem, há que prová-lo, e isso passa simplesmente por um referendo, por uma votação, em vez de mobilizar um exército de 80.000 homens que tem estado a tentar tomar o território desde 1975 e até agora não o conseguiu fazer.
O embaixador marroquino na ONU disse que Marrocos está no seu Sahara e assim permanecerá até ao fim dos tempos.
Bem, isso, é um slogan. Isso foi dito por todos os colonialistas que estiveram em África. Para eles, todos os territórios que foram colonizados eram a sua terra, eram o seu domínio e não se podia mexer neles. Mas isso não é provado por uma simples declaração de um colonialista como o embaixador marroquino. Está provado com documentos. Historicamente, a questão foi levantada no Tribunal Internacional de Justiça que disse claramente, em outubro de 1975, que Marrocos não tem absolutamente nenhum título de soberania sobre o território sarauí e, portanto, se teve quaisquer laços, não são suscetíveis de impedir a aplicação do direito à autodeterminação. Isso também foi reiterado pelo Tribunal de Justiça Europeu, que nos seus acórdãos de 2018 e 2021 (relativamente ao acordo de pescas EU-Marrocos) reafirmou claramente que os sarauís e os marroquinos não são um e o mesmo povo, nem são um e o mesmo país.
Entidades distintas e separadas...
Entidades distintas e separadas!
A Frente Polisário está em contacto para discutir o interesse e as possibilidades de negociar licenças de pesca privadas?
Estamos abertos a discutir, a falar, a negociar com a União Europeia ou com países individuais quando chegar a altura, para que possam pescar nas águas sarauís ou eventualmente participar na exploração dos recursos minerais e outros no território sarauí.
Que margem de segurança poderiam ter esses navios europeus que iriam dessa forma para as águas sarauís sem a autorização e contra a vontade das autoridades marroquinas...
Bem, penso que Marrocos não tem direitos sobre isso. Marrocos pode usar a força, mas se esses barcos vierem de outros países, esses países podem participar na segurança dos investidores, porque são cidadãos dos seus territórios. E Marrocos pode talvez proibi-los de entrar em território marroquino propriamente dito, dentro das suas fronteiras internacionalmente reconhecidas. Mas Marrocos não tem direitos nas águas sarauís e, nesse caso, comportar-se-ia como um pirata atacando os navios europeus que pescam ao largo das costas sarauís, quando essas costas não são propriedade sua. Não lhes pertencem.
Recentemente, o presidente sarauí e secretário-geral da Frente Polisário desafiou o silêncio das Nações Unidas. Na sua opinião, o que é que a ONU deveria fazer que não está a fazer? Por exemplo, o trabalho do enviado especial Staffan de Mistura tem sido negativo, na sua opinião?
Não, eu penso que Staffan de Mistura, tal como os outros enviados especiais, tanto do secretário-geral da ONU Guterres como dos anteriores secretários-gerais, tenta fazer o melhor que pode... simplesmente, Marrocos impediu-os de trabalhar, não os deixa visitar livremente o território ocupado quando vêm organizar negociações. Marrocos não aceita negociações, simplesmente vem com um documento e diz: "Este documento não é para discutir, é simplesmente a minha posição". Esta é uma forma desafiadora das Nações Unidas que é intolerável para nós. Há casos das outras colónias que existiram e que se emanciparam através de um referendo. Deverão as Nações Unidas exercer pressão sobre Marrocos para que respeite as decisões do povo sarauí de exercer o seu direito à autodeterminação e, sobretudo, trata-se de resoluções e de planos de paz aceites a priori por Marrocos. Marrocos assinou o plano de paz em setembro de 1991 e, nessa base, estabelecemos um cessar-fogo e cooperámos plenamente com as Nações Unidas. Depois, Marrocos continuou a recusar-se a aceitar tudo o que foi proposto pelas Nações Unidas e as Nações Unidas não fizeram o que deviam ter feito, deviam ter exercido pressão de acordo com o artigo 7º da Carta das Nações Unidas, que diz que quando um país não quer aceitar isto, é obrigado a aceitá-lo manu militari, mas nem sequer exerceram pressão, limitaram-se a tentar tornar Marrocos simpático e a tentar simplesmente encorajá-lo a cooperar com as Nações Unidas, como se fosse um país que tem direitos no território do Sara Ocidental. Marrocos é um mero ocupante e um ocupante comum de um território sobre o qual não tem quaisquer direitos, e a ocupação não cria direitos. Mesmo que esteja lá durante mil anos, será sempre um ocupante.
Está em Lisboa para contactos políticos com o Parlamento, com o Ministério dos Negócios Estrangeiros, com os partidos, com a comunidade dos países de língua portuguesa. Que resultados espera desses contactos?
Bem, é uma visita de atualização a todos os partidos com quem temos amizade e que acompanham a questão do Sara Ocidental, bem como com o Ministério dos Negócios Estrangeiros português. E pensamos que, à luz do que falámos com todos eles, há uma vontade e um desejo de resolver o problema de uma forma pacífica com base nas propostas da ONU e não com base nas propostas marroquinas. Marrocos tem propostas como a proposta de autonomia. Trata-se de uma proposta bastarda que não resulta de qualquer tipo de acordo e que, por conseguinte, não deveria existir. Para que Marrocos tenha o direito de propor a autonomia, deve primeiro ganhar a soberania sobre o território e depois propor a autonomia que pretende. E para o conseguir, tem de o fazer através de um referendo justo, legal e transparente organizado pelas Nações Unidas. E foi isso que as Nações Unidas propuseram. Foi isso que a Unidade Africana propôs. Foi isso que nós e Marrocos assinámos em 1991 para que houvesse um cessar-fogo após 16 anos de guerra. Portanto, pelo simples facto de ter havido um cessar-fogo, Marrocos aproveitou o tempo em que a ONU esteve a arrastar os pés, sem que houvesse realmente uma pressão séria para implementar o programa. A missão das Nações Unidas no Sara Ocidental foi feita prisioneira por Marrocos desde o início e não pode fazer absolutamente nada no território sem a autorização de Marrocos. Isto é simplesmente pelo facto de as Nações Unidas se terem demitido perante a subjugação de Marrocos, perante a arrogância de Marrocos em simplesmente ocupar e continuar a ocupar. É só isso por isso que o cessar-fogo foi quebrado. Desde 13 de novembro de 2020, estamos de novo em guerra.
A Frente Polisário tem meios para travar essa guerra?
Penso nas guerras. Vemos que estão a ser travadas em todo o lado. Não com tantos meios. As guerras não são travadas pelos média, são travadas pelos homens. E temos homens e mulheres dispostos a continuar esta guerra porque já a travaram 16 anos antes de 1991, e travaram-na com menos recursos e fizeram-no em condições muito mais precárias do que agora. Agora, as guerras e as armas, bem, podemos simplesmente encomendá-las por telefone e elas ser-nos-ão entregues
Como é que é a vida nos territórios do Sara Ocidental hoje em dia?
Bem, há a parte ocupada, há uma população que está praticamente subjugada, uma população que está subjugada pela administração marroquina, embora desde 2005 tenha declarado uma intifada que tem vindo a decorrer em todo o território de protestos, de mobilizações, e isso levou Marrocos a responder regressivamente a esta situação. E agora...
Não é uma população conformada por essa ocupação?
Não! É uma só população. Se fosse conformada, bem, não haveria continuidade da resistência e a intifada dentro do território ocupado está a ser liderada pelos sarauís. Os jovens sarauís que nasceram sob a administração marroquina durante a ocupação. Por outras palavras, não é ninguém que vem de fora. E houve 400 desaparecidos que continuam desaparecidos e ninguém sabe deles atualmente. E as suas famílias estão a protestar. Neste momento, há centenas de detidos nas prisões marroquinas. Não se trata de um testemunho de amor a Marrocos, de conformidade com a sua ocupação ou de uma vida boa. Os sarauís estão a enfrentar Marrocos e sim, há alguns que vivem com a administração e da administração, e podem ser felizes, mas são algumas pessoas que colaboram com o regime. O colaboracionista é uma figura conhecida em todas as guerras de libertação. Podem ser assim, podem viver bem, mas não determinam o desejo de toda a população.
A vida é muito diferente nos territórios que estão sob a administração sarauí e a Frente Polisário?
São territórios que estão numa situação difícil, porque ali vivem aquelas pessoas que têm a sua liberdade mas não têm os seus meios. As minas, os recursos que podem ser extraídos, ou são subterrâneos e não há meios de os extrair até ao fim da guerra, ou os que se encontram na costa estão a ser explorados pela ocupação marroquina. Organizamos, portanto, uma administração e assentamentos populacionais para fazer a resistência contra a ocupação. São pessoas com dificuldades que vivem da pecuária, que vivem do comércio, que vivem da ajuda que recebem do estrangeiro, que vivem da comunidade sarauí que se encontra nos países vizinhos, que todos contribuam para essa administração e para a ajuda económica prestada por países amigos que tenham afinidade com a Polisário e queiram poder ajudar dessa forma a Polisário e, por conseguinte, à população sarauí aí estabelecida. Marrocos tenta por todos os meios dificultar a vida; em frente ao muro de defesa, plantaram quase 177 milhões de minas que dificultam o movimento, dificultam o contacto entre as famílias de um lado e de outro e ao mesmo tempo usam drones contra a população civil para evitar grandes aglomerações de pessoas. No entanto, com isto e tudo mais, Marrocos não poderá e não será capaz de subjugar os sarauís ou impedi-los de continuar a sua luta no seu território. Porque conhecemos o nosso território melhor do que ninguém e estamos sempre dispostos a pagar o preço pela nossa liberdade. Não é como aquela horda de soldados marroquinos trazidos de Marrocos, que estão amontoados em buracos na linha defensiva e que não têm vontade de lutar, porque sabem a priori que aquele território não é deles e se aguentam com base em drogas e com base em estimulantes para permanecerem nessa situação e que atualmente se encontram numa situação muito má porque muitos dos seus familiares morreram, muitas das suas casas caíram e não lhes é permitido ir às zonas onde foi o terramoto porque lhes disseram que se trata de uma situação de emergência e que devem permanecer ali. Então imagine-se nessa situação! Como estamos a bombardear dia e noite aquelas posições também não podem mover-se, porque Marrocos por detrás das barreiras militares criou toda uma polícia militar cujo objetivo é impedir as deserções daquelas tropas, e sabemos que estão em péssimas condições. Sabemos que muita gente morre e não o anunciam. E se anunciassem, diriam que, principalmente os oficiais, morreram por picada de serpente. Então, as nossas serpentes também lutam contra a ocupação porque só escolhem morder oficiais.