Mestre do ilusionismo financeiro? O que mostram as (privadíssimas) declarações fiscais de Trump
Afinal, as declarações fiscais de Donald Trump mostram que, pelo menos entre 1984 e 1994, o empreendedor de sucesso não passou de um mito. Trump chegou à Casa Branca sem nunca ter mostrado os rendimentos e com a imagem fabricada de um bilionário com pés de barro - e perdas de milhões.
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Donald Trump, o eterno Aprendiz, foi talvez um dos maiores mestres do ilusionismo financeiro, e chegou à Casa Branca depois de o negócio do ramo imobiliário ter registado perdas de 46,1 milhões de dólares (41,1 milhões de euros). A perder dinheiro de ano para ano, chegou a totalizar, numa década, 1,17 mil milhões de dólares (1,05 mil milhões de euros) em prejuízos. A Presidência norte-americana foi a aposta derradeira, mas, desta vez, marcada pela vitória.
Uma narrativa de sucesso nos negócios, aliada ao mito do homem empreendedor, ideal do "sonho americano", foi um dos grandes fatores que catapultou Trump para a ribalta. A escalada foi mais acérrima do que o concurso de Miss Estados Unidos da América, de que foi administrador. Há, no entanto, no seu caminho de empresário, alguns reveses conhecidos, que foram sucessivamente (e aparentemente) superados.
A 324ª pessoa mais rica do mundo em 2016 para a revista Forbes sempre atribuiu as falências e insucessos financeiros à recessão de 1990. Mas agora, 10 anos de informações fiscais obtidas pelo The New York Times revelam uma realidade mais sombria: os números não deixam margem para dúvidas.
Os dados relativos aos impostos oficiais da Receita Federal para os anos compreendidos entre 1985 e 1994 são os mais completos e detalhados do atual Presidente norte-americano, mas também os que Trump manteve longe do conhecimento público. Estes anos fiscais que perfazem quase uma década não incluem o epicentro temporal da batalha entre a administração Trump e o Congresso, mas contabilizam os capítulos mais infelizes de uma longa carreira de negócios.
Aquisições a um ritmo febril e subsequentes colapsos contam a história. De ano para ano, Trump perdeu mais dinheiro do que qualquer outro contribuinte dos Estados Unidos. Em 1990 e 1991, o empresário acumulou 500 milhões de dólares (446,6 milhões de euros) em dívidas, mais do que o dobro dos contribuintes mais próximos, ou seja, do escalão de alta renda.
Dívidas, dívidas, e impostos à parte
A explicação sobre os impostos do político norte-americano é tão simples quanto contraditória: a verdade é que Donald Trump perdeu tanto dinheiro que pôde escapar ao pagamento dos impostos de renda em oito destes 10 anos. No entanto, é possível que o IRS tenha sofrido mudanças, mais tarde, após as auditorias ao império Trump.
O jornal norte-americano The Times recolheu ainda, durante anos, informações de rendimentos através de uma fonte que teve acesso legal ao então empresário, e conseguiu registos fiscais da família Trump para identificar as suas fontes de riqueza.
As respostas da Casa Branca às revelações sucessivas têm variado ao longo do tempo. Uma das mais recente, que tem apenas poucas semanas, expressa que "o Presidente sofreu uma desvalorização maciça e um incentivo fiscal devido a grandes investimentos na construção e aos empreendimentos subsidiados". E adianta ainda: "É por isto que o Presidente sempre desprezou o sistema tributário, alegando que seria necessário mudar as leis. É possível ter rendimentos elevados e não ter que pagar grandes quantias de impostos".
A última reação, porém, veio do advogado de Trump, Charles J. Harder. J. Harder emitiu um comunicado onde avançava que a informação fiscal era "comprovadamente falsa" e que o The New York Times foi "altamente impreciso" quanto às declarações de há 30 anos. Não citou, no entanto, erros específicos, e acrescentou que os erros se deviam à imprecisão da época em que os dados não eram arquivados eletronicamente.
O ex-diretor de pesquisa, análise e estatística da Receita Federal, Mark J. Mazur, a quem o The Times recorreu para apreciação crítica da informação obtida, não comunga desta opinião. Pelo contrário, acredita que as declarações passaram por um controlo de qualidade há décadas, no sentido de analisar tendências económicas e políticas.
Donald Trump, autodenominado bilionário, declarou em 1987 que ninguém na sua idade havia atingido o feito, mas a extensão real da sua riqueza tem estado sempre no centro de dúvidas e debates. O que se confirma é que o antigo empresário rompeu com décadas de precedentes, ao recusar-se a divulgar as suas declarações fiscais como candidato à Presidência. Contudo, em 2018, uma investigação do jornal norte-americano apurou que Trump recebeu do seu pai, Fred Trump, a quantia de 413 milhões de dólares (369 milhões de euros).
Mas os ganhos foram sempre esmagados pelos pesados prejuízos
Novas informações sugerem que o colapso de 1990 que Trump atribui ao período de recessão poderia ter ocorrido anos antes, não fosse a significativa compra de ações por parte de empresários que acreditavam que o proprietário de imóveis e casinos estava prestes a assumir as empresas. Entre 1986 e 1988, Donald Trump sugeriu em diversas ocasiões que iria adquirir várias empresas. Todavia, acabou por perder a maior parte desses ganhos, assim que os investidores deixaram de o levar a sério.
As conclusões do relatório Mueller têm adensado as lutas partidárias e, sobretudo, a disputa pelo acesso às declarações de imposto de renda de Donald Trump. Esta segunda-feira o secretário do Tesouro, Steven Mnuchin, defendeu que não entregaria as declarações. O Presidente, por seu turno, entrou com ações judiciais contra bancos e empresas de contabilidade para evitar que os registos venham a público.
Em Nova Iorque, a Procuradoria-Geral está a investigar o financiamento de vários projetos importantes da Trump Organization. O Deutsche Bank já começou a entregar documentos. O procurador-geral do estado também tem estado a examinar questões levantadas pela investigação do The Times de 2018, que revelou que grande parte do dinheiro que Trump recebeu do pai provém da participação em esquemas tributários duvidosos, que incluem casos de fraude.
Os registos que Trump entregou em 1995 revelam perdas de 915,7 milhões de dólares (818 milhões de euros), o que valeu ao atual líder da Casa Branca uma dedução fiscal tão substancial que o pode ter ilibado de pagar impostos federais de centenas de milhões de dólares de rendimentos durante quase duas décadas.
Como se perde tanto dinheiro...
Em 1985, Trump estava no topo do mundo, com empreendimentos a crescer em catadupa. No decorrer desse ano, porém, o norte-americano pediu emprestados mais de 400 milhões de dólares para alimentar os investimentos em hotéis e casinos. Começava também a erguer-se a Trump Tower, aquela que seria a mais alta torre do mundo, mas também o símbolo de um negócio em ruínas.
"O que eu fiz foi construir os edifícios mais bonitos nos melhores locais", disse Donald Trump à revista Forbes numa altura em que entrava no ranking da revista com uma fortuna independente à do seu pai.
Os custos anuais de manutenção dos negócios tinham, no entanto, vistas menos privilegiadas, e aumentavam para 18,7 milhões de dólares (16,7 milhões de euros). Mar-a-Lago afundava-se, e não se manteria lucrativo por mais de uma década. Vários projetos residenciais ficaram também paralisados durante anos.
Além das perdas oficialmente registadas em 1985, informações fiscais desvelam que os anos anteriores ficaram marcados por perdas de mais de cinco milhões de dólares (quatro milhões e meio de euros).
...ano após ano
Os anos seguintes foram uma época de edificação contínua de empreendimentos, mas os prejuízos ameaçavam os negócios a partir dos seus alicerces.
Em 1986, Trump adquiriu a Trump Tower e Trump Plaza Hotel and Casino na totalidade aos seus parceiros. Além disso, tornou-se proprietário de apartamentos em West Palm Beach por 43 milhões de dólares (38,4 milhões de euros). E as perdas ultrapassaram os 68 milhões de dólares (61 milhões de euros).
Duas semanas antes do crash em Wall Street - a 19 de outubro de 1987 -, Trump gastou 29 milhões de dólares (26 milhões de euros) num iate. Depois, a grande bomba: a aquisição do Plaza Hotel por 407 milhões na moeda americana (364 milhões de euros). As perdas atingiram o valor de 42,2 milhões de dólares (37,7 milhões de euros) em 1987, e 30,4 milhões de dólares (27,1 milhões de euros) em 1988.
Em 1989, o não-tão-"self-made-man" comprou uma empresa de transportes da Eastern Airlines por 365 milhões de dólares (326 milhões de euros). Nunca veio, porém, a ter lucro, e acabaria por injetar mais de sete milhões de dólares (6,3 milhões de euros) por mês.
Os anos suceder-se-iam com uma acumulação de dívidas cada vez mais críticas, com um total, para os 10 anos analisados, de 1,7 mil milhões de dólares (1,5 mil milhões de euros) em prejuízos.
No entanto, depois de anos em declínio financeiro, Donald Trump saiu vencedor no investimento derradeiro que fez na campanha presidencial. Hoje, continua a provocar flutuações no mercado de valores, de acordo com as suas aproximações diplomáticas e posições políticas.