Milei é o novo Presidente da Argentina
Eleitores optaram pela mudança, e que mudança, ao eleger o excêntrico neoliberal e ultradireitista recém-chegado à política, em detrimento de Sergio Massa, atual ministro da Economia
Corpo do artigo
Javier Milei sucede a Alberto Fernández como novo Presidente da Argentina, após um processo eleitoral longo - entre primárias, primeira e segunda voltas durou três meses - e mediático como nenhum outro antes na história do país - conforme prova a presença recorde de jornalistas estrangeiros a cobrir in loco a eleição.
Milei, economista de 53 anos, é um "outsider" total: ex-guarda-redes, ex-cantor rock, ex-intérprete de si mesmo no teatro, notabilizou-se como comentador económico televisivo de imagem excêntrica, com rompantes coléricos e ideias radicais, entre as quais, a dolarização do peso argentino, a implosão do Banco Central, a legalização do comércio de órgãos humanos, a redução extrema dos ministérios, entre outras causas confidenciadas, segundo o próprio, por Conan, o seu falecido cão com quem se comunica.
Derrotou Sergio Massa, advogado de 51 anos, político de carreira, ex-deputado, ex-autarca e atual ministro de uma economia à beira do colapso, por 55,95% a 54,04%, segundo os primeiros números disponíveis mas ainda não oficiais. A afluência às urnas - o voto é obrigatório - foi de 76%.
O triunfo de Milei, além de representar uma derrota do peronismo representado por Massa, significa um triunfo da direita tradicional, de Maurício Macri, Presidente de 2015 a 2019, e de Patrícia Bullrich, a terceira classificada na primeira volta, que decidiram apoiar o radical.
Massa foi o primeiro a falar: "Quero agradecer a todos aqueles que participaram na campanha, uma campanha com momentos ríspidos, aos 11 milhões que votaram em nós, e dizer que os resultados não foram o que esperávamos, já liguei a Javier Milei a dar-lhe os parabéns".
"Nos próximos 19 dias [até à posse de Milei] daremos todas as condições para que a transição seja feita sem incertezas económicas", garantiu.
"Amo a Argentina com a mesma intensidade com que amo os meus filhos e entro noutra fase da minha vida política", conclui, dado a entender que não se recandidatará no futuro.
Até este momento, o vencedor, Milei, ainda não discursou.
Antes de divulgados os resultados, o dia eleitoral foi marcado pelos momentos de votação dos dois candidatos e por acusações dispersas, de ambas as equipas, sobre eventuais fraudes em torno dos boletins de voto.
Ao fim da manhã, milhares de populares, centenas de jornalistas, entre as quais a reportagem da TSF, e dezenas de viaturas da polícia acorreram à Universidad Tecnológica Nacional, no bairro portenho de Almagro, para acompanhar o momento do voto de Javier Milei, candidato de ultradireita da coligação La Libertad Avanza, às eleições presidenciais argentinas.
Figura de culto para os seus apoiantes, Milei foi recebido como uma equipa de futebol e num clima já triunfal. "Se ve, se siente, Milei es Presidente", gritaram em uníssono os partidários do economista.
"Tiene miedo, la casta tiene miedo, la casta tiene miedo", continuou a multidão, que fez a habitualmente sossegada aos domingos Avenida Medrano parecer uma Bombonera, casa do Boca Juniors, ou Monumental, recinto do River Plate, enquanto o candidato sorria e lançava o punho fechado ao ar.
"Estamos muito tranquilos, fizemos todo o esforço que podíamos fazer, tudo o que havia que ser feito, nós fizemos, agora que falem as urnas, o momento é delas", disse Milei, segundo mais votado na primeira volta, há um mês, com 30% dos votos, ao lado de Karina Milei, a irmã mais nova, a quem ele chama "chefe".
"Nós estamos muito satisfeitos, trabalhamos muito para enfrentar uma campanha de medo, uma campanha suja contra nós", finalizou, antes de voltar para o Hotel Libertador, o "bunker" dos "mileistas" por estes dias.
Muito mais discreto mas, mesmo assim, atraindo enorme atenção popular e mediática, Sergio Massa, o candidato da Unión Por La Patria, de centro-esquerda, votou numa escola em Tigre, a região de Buenos Aires onde mora e onde exerceu funções autárquicas.
"Votei acompanhado da minha família, com muito amor pela Argentina e com o orgulho de estar a ajudar a fortalecer a democracia, temos uma enorme oportunidade de construir um futuro melhor para os nossos filhos, peço a todos que votem com esperança", afirmou o atual ministro da Economia.
Merecedor de 37% dos votos na primeira volta, apesar da crise económica do governo do qual participou, prometeu que, vencendo, "vem aí a Argentina da unidade nacional".
Entretanto, Malena Galmarini, a mulher de Massa, com vasta carreira política e hoje Presidente da empresa pública de Água e Saneamento Básico da Argentina, lançou suspeitas sobre a votação. "Acusaram-nos de fraude mas quem quebra, ou tenta quebrar, as regras são eles, estão a rasgar boletins por todo o lado, é uma ação organizada, estamos a falar com a Justiça eleitoral sobre isso".
Do lado de Milei, as acusações começaram 48 horas antes do dia de ir a votos. Lilia Lemoine, deputada do Partido Libertário, maquilhadora, influencer, cosplayer e consultora de imagem de Milei, foi até votar antes das urnas abrirem, às 8 da manhã, para se oferecer como fiscal eleitoral, dando seguimento às queixas de eventual fraude feitas pela candidatura do La Libertad Avanza nas vésperas do sufrágio.
E Patrícia Bullrich, terceira mais votada na primeira volta e apoiante de Milei, também denunciou o que se chamou de "irregularidades nos boletins". "Em muitos lugares da província de Buenos Aires e de outros lugares do país estão a aparecer boletins sem número, números alterados e boletins ainda das PASO", referindo-se às eleições primárias, abertas, simultâneas e obrigatórias de agosto.
Mais de 86 mil efetivos das forças armadas foram destacados para cuidar das 106.160 mesas de votação em 16.888 escolas e outros lugares nesta segunda volta eleitoral.
Ao longo do dia, a imprensa local acompanhou ainda a votação do Presidente e da vice-presidente cessantes, Alberto Fernández e Cristina Kirchner, ambos apoiantes de Massa, e de Maurício Macri, antecessor de Fernández e apoiante de Milei.
