Centenas de milhares de malianos saíram às ruas de Bamako para expressar o seu firme apoio aos líderes militares que fizeram o golpe de Estado de terça-feira.
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Os militares que tomaram o poder no Mali "agradecem ao povo maliano pelo seu apoio" e "reconhecem-se" na luta da oposição, disse esta sexta-feira o porta-voz da junta, perante milhares de pessoas reunidas em Bamako, capital do país.
"Viemos para vos agradecer, para agradecer ao povo maliano pelo seu apoio. Só terminámos o trabalho que iniciou e reconhecemo-nos na sua luta", disse o coronel major Ismaël Wagué, porta-voz do Comité Nacional para a Salvação do Povo (CNSP), criado pelos militares que lideraram o golpe de Estado, a uma multidão entusiasta.
Centenas de milhares de malianos saíram esta sexta-feira às ruas de Bamako, capital do Mali, para expressar o seu firme apoio aos líderes militares que fizeram o golpe de Estado de terça-feira, que derrubou o Presidente, Ibrahim Boubacar Keita, e dissolveu a Assembleia Nacional, na sequência do qual todos os membros do Governo foram presos.
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Convocados pelo movimento de oposição M5-RFP, o flagelo de Ibrahim Boubacar Keita, nos últimos meses, os malianos que esta sexta-feira saíram à rua agitaram faixas dizendo "Viva o Mali" e "Viva o CNSP", enquanto criticavam a França e a missão da Organização das Nações Unidas (Minusma).
Quando alguns dos líderes do CNSP chegaram à praça principal foram recebidos como heróis pelos manifestantes entre cânticos e sons de vuvuzelas.
Além da nomeação do coronel Assmi Goita para presidente do CNSP, os líderes do golpe de Estado ainda não revelaram mais nada, nem os seus planos e prazos para a transição política, que prometeram, na sua primeira aparição pública na televisão. Mas isso não impediu que o golpe fosse aplaudido por grandes camadas da população, relata uma reportagem da agência espanhola Efe.
Os organizadores da manifestação convocaram esta iniciativa de apoio para esta sexta-feira, após a oração semanal, na Praça da Independência, como sempre fizeram para todas as grandes manifestações que ocorreram nos últimos três meses no país contra o regime do Presidente do Mali, mas a impressão geral em Bamako é que a convocação desta sexta-feira excedeu todas as anteriores em termos de números.
A Comunidade dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), à qual o Mali pertence, foi alvo de insultos por parte dos manifestantes, depois desta ter realizado ontem uma cimeira extraordinária para "negar categoricamente toda a legitimidade aos líderes militares golpistas", suspender o Mali dos órgãos de decisão da organização regional e exigir a reintegração do Presidente Ibrahim Boubacar Keita (IBK).
Na cimeira extraordinária os chefes de Estado da CEDEAO apelaram a "uma paragem de todas as transações financeiras, económicas e comerciais com o Mali, exceto para as necessidades básicas, medicamentos e equipamento anti-covid-19, produtos petrolíferos e eletricidade.
"As ameaças da CEDEAO não nos assustam", disse hoje aos manifestantes Choguel Maiga, um dos principais líderes do M5-RFP. E continuou: "Não temos medo de ninguém, e não temos nada a esconder (...). Foi a luta do povo que levou à demissão do IBK".
Agora, é precisamente a situação do Presidente que está no centro das críticas e das posições assumidas pela comunidade internacional contra os responsáveis do golpe, com o mundo a exigir que o libertem, bem como aos membros do seu Governo e aliados, e que lhes deem pelo menos o direito a um julgamento justo.
Esta sexta-feira, soube-se que uma equipa de direitos humanos da missão da ONU no Mali visitou ontem o Presidente e outros detidos, de acordo com a conta da Minusma na plataforma Twitter, sem dar detalhes sobre a sua saúde ou condição psicológica.
Na cidade de Gao, e sem qualquer relação com os acontecimentos que tiveram lugar em Bamaco, houve confrontos interétnicos ontem à noite e hoje com grande violência entre a minoria árabe e tuaregue, por um lado, e a população negra africana, por outro.
Enquanto ontem à noite houve muitas cenas de pilhagem e queima de lojas por árabes e tuaregues, hoje ouvia-se uma grande troca de tiros em vários bairros da cidade, sem baixas conhecidas neste momento, relatou a Efe.
Esta tensão interétnica, agravada pela existência de milícias armadas de origem tribal ou étnica será um dos grandes desafios que os militares responsáveis pelo golpe de Estado terão de enfrentar para conquistar uma população que manifestou a sua insatisfação pela ausência do Estado em grandes extensões da metade oriental do território do país.
Para já, podem contar com o apoio cauteloso ou a neutralidade da Coordenação dos Movimentos dos Azawad, guarda-chuva dos principais grupos tuaregues, que ontem publicou um comunicado no qual se limita a "tomar nota" da demissão do IBK, da tomada de poder pelo CNSP e do seu compromisso em respeitar os Acordos de Argel de 2015.
Estes acordos servem de base para a reconciliação e uma paz frágil entre os movimentos tuaregues e o Estado do Mali, mesmo que não tenham conseguido estender a autoridade do Estado a todo o território ou desarmar as milícias.
O Presidente do Mali, Ibrahim Boubacar Keita, anunciou a demissão na madrugada de quarta-feira, horas depois de ter sido afastado do poder num golpe liderado por militares, após meses de protestos e agitação social no país.
A ação dos militares já foi condenada pela ONU, União Africana, CEDEAO e União Europeia (UE). Portugal tem no Mali 74 militares integrados em missões da ONU e da UE.
Antigo primeiro-ministro (1994-2000), Ibrahim Boubacar Keita, 75 anos, foi eleito chefe de Estado em 2013, e renovou o mandato de cinco anos em 2018.