"Minoria étnica mais repudiada." Entre reconhecimento e desigualdades, Espanha assinala Dia Internacional do Povo Cigano
Espanha declarou o ano de 2025 como o Ano do Povo Cigano, para celebrar os 600 anos da chegada desta etnia à Península Ibérica
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Sara Giménez foi a primeira da sua família a acabar o secundário. Foi a primeira a entrar na universidade e a primeira a exercer como advogada. Mas foi também a primeira mulher cigana a ser deputada no Congresso dos Deputados em Espanha e a primeira representante cigana no Conselho de Europa.
Giménez faz parte dos mais de 1,3 milhões de pessoas de etnia cigana que vivem em Espanha. Luta pelos direitos dos ciganos há mais de quatro anos, trabalhando como presidente da Fundação Secretariado Cigano. “Mesmo que as famílias ciganas tenham dinheiro, é muito difícil alugar ou comprar uma casa pelos seus apelidos, ou o seu aspeto. As mulheres ciganas em Espanha têm sempre o segurança em cima quando vão a um centro comercial ou um supermercado. Há jovens que têm problemas para entrar em discotecas ou em espaços de ócio. São traduções da desigualdade na vida diária”, diz.
O Governo espanhol decretou o ano de 2025 como o Ano do Povo Cigano, numa iniciativa que assinala os 600 anos da chegada desta etnia à Península Ibérica. O Executivo quer destacar o enriquecimento linguístico e cultural que o povo cigano tem deixado na cultura espanhola, apesar de continuar a viver situações de desigualdade.
Os números não mentem: 86% da população cigana vive em situação de pobreza ou exclusão social, só 17% da população em idade escolar termina a escolaridade obrigatória e 14% das mulheres ciganas são analfabetas, quando este número se reduz a 1% nas mulheres da população geral.
“A nossa prioridade é a educação porque é a única forma de acabar com as desigualdades. Para nós é prioritário que as crianças ciganas acabem a escolaridade obrigatória. E temos de trabalhar com as famílias ciganas para verem na educação a ferramenta de futuro dos seus filhos. Até agora não tem sido assim”, explica Sara Giménez.
A falta de ajuda e incentivo em casa acaba por afastar as crianças da aprendizagem cedo demais. “Com oito anos, cerca de 23% das crianças ciganas já reprovaram, com 10, a percentagem sobe aos 40% e com 12, 13 anos, já estão demasiado fora do sistema para poderem recuperar”, conta Giménez. O destino de quase todas é marcarem passo até fazerem os 16 anos, altura em que abandonam a escola sem terem superado a escolaridade obrigatória.
Referentes
Para mudar esta realidade, a Fundação criou o programa Promociona, que visa impulsionar os estudos nos mais jovens. “Oferecemos espaços fora das aulas para poderem estudar, com tutores e acesso a computadores que muitos lares ciganos também não têm”, explica Giménez. “E depois trabalhamos com referentes, com jovens que acabaram a escolaridade obrigatória e servem de guia aos mais pequenos, da mesma forma que as suas famílias servem de referente a outras da comunidade.”
“Quando eu comecei não tinha ninguém para quem olhar, agora posso dizer que são já 11 os advogados que temos contratados só nesta casa, muitos deles mulheres”, diz com orgulho. Ser a pioneira em quase tudo teve um custo. Cada conquista foi uma batalha com a família, que não via necessidade de que a filha construísse um futuro diferente ao de vender no mercado todos os dias.
“Às vezes, as famílias têm medo que a inclusão social leve à perda de identidade. Eu vivi isso em primeira pessoa. Eu adoro ser cigana: os valores de respeito aos mais velhos, o respeito aos defuntos, o conceito de família extensa, a nossa alegria de viver, a solidariedade entre ciganos... São coisas que não queremos perder”, lembra. “Quando damos os primeiros passos, temos a responsabilidade de mostrar que podemos manter os nossos valores identitários, continuar a ser cigano e ter progresso social.”
À discriminação por ser cigana, Sara Giménez somou a discriminação por ser mulher, dentro e fora da sua comunidade. “A sociedade é patriarcal e a comunidade cigana também. Cerca de 60% das mulheres ciganas estão em situação de desemprego. Os papéis de género são muito difíceis de romper, a ideia de que a mulher tem de estar em casa e cuidar dos filhos... são coisas que ainda estão muito arraigadas, mas que vão mudando com o tempo. O tempo e a educação”, insiste. Mais ainda, se olharmos para os números: 70% das jovens ciganas fracassam a nível escolar.
“Dentro da comunidade as mulheres já sofrem descriminação de género. Mas depois saem ao resto da sociedade e junta-se a discriminação por ser cigana. Se além de tudo isso viver em situação de vulnerabilidade... é uma barreira quase impossível de superar”, conta.
Êxito relativo
Apesar de todas as dificuldades, a presidente da Fundação considera o caso espanhol “um caso de êxito” dentro da Europa. “É um êxito relativo porque temos muitas desigualdades, temos uma brecha muito grande e muitos casos de discriminação, mas quando olhamos para o resto da Europa, o panorama é assustador. Continuamos a ser a minoria étnica mais repudiada da Europa.”
Sara Giménez destaca o investimento em políticas de inclusão por parte de todos os governos “desde os regionais ao estatal e de todas as cores políticas” que houve ao longo dos anos. “Há muito por fazer, mas conseguimos muito também. As políticas públicas têm de ser incrementadas porque há situações que não se podem permitir em 2025, mas há um trabalho que tem sido feito e tem de ser reconhecido.”
Segundo o Eurobarómetro contra a discriminação de 2023, a discriminação contra as pessoas ciganas é das mais comuns na Europa. Em Espanha, um estudo do Ministério de Igualdade sobre discriminação racial e étnica concluiu que mais de 40% da população cigana sofreu algum incidente discriminatório nos últimos 12 meses.
São dados que refletem uma realidade em mudança lenta, que ainda tem um longo caminho a percorrer. “O artigo 14 da Constituição que declara a igualdade de todos os cidadãos só resolve as coisas no papel. Falta mudar a vida real das pessoas.”
O ano de 2025, dedicado à visibilidade desta minoria, é mais um passo neste caminho. Esta terça-feira, no Dia Internacional do Povo Cigano, o Congresso dos Deputados em Madrid rende-lhe homenagem num ato presidido pelos Reis de Espanha e que aglutina todas as autoridades do país.
