MNE sobre extrema-direita: “Devemos recusar este tipo de receitas fáceis que nos enganam”
Sobre a guerra em Gaza: “não confundimos Israel com a postura de um governo num determinado momento”. João Gomes Cravinho afirma, na entrevista ao programa O Estado do Sítio da TSF, que “o que está em causa na Ucrânia é absolutamente fundamental para o futuro da estabilidade da Europa”.
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A União Europeia (UE), tal como os Estados Unidos (EUA), tem-se pronunciado repetidamente a favor de uma solução baseada na existência de dois Estados para estabilizar a região e restabelecer a paz no Médio Oriente. Esta sexta-feira a TSF divulgou uma sondagem da Aximagem para esta rádio, Jornal de Notícias e Diário de Notícias sobre o conflito Israel-Hamas. Sete por cento dos inquiridos em Portugal dizem que o ataque do Hamas em outubro se justificou, para 83% não teve justificação. Já o ataque de Israel na Faixa de Gaza justifica-se para 24% e não se justifica para 66%. Israel parar e aceitar um cessar-fogo é uma solução defendida por quase quatro em cada cinco inquiridos, 79% por cento. Continuar a guerra é algo defendido por dez por cento- parcial ou totalmente, 74% dos inquiridos defendem uma solução de dois Estados, 12% discordam.
Israel tenta ou não minimizar os danos entre os civis palestinianos? Mais de metade, 52%,dizem que não, 28% dizem que sim. O Hamas usa ou não os civis como escudos humanos? 72% dos inquiridos entendem que sim; só 8% dizem que não. João Gomes Cravinho, partilha desta visão dos portugueses de que o caminho que o governo de Israel está a seguir não é o mais indicado?
Eu creio que uma política externa consolidada, segura de si própria e bem ancorada na sociedade, tem de estar refletida também no amplo apoio da população àquilo que são as posições adotadas. E o que a sondagem revela corresponde precisamente àquilo que tem sido a visão do Governo português e da política externa portuguesa quanto à necessidade de condenarmos determinadas atitudes e propormos outras no contexto do Médio Oriente. Portanto, revemo-nos muito solidamente nestes números que acaba de citar.
Segunda-feira, rejeitou o que diz ser as "ideias líricas" para a paz em Gaza apresentadas pelo seu homólogo israelita, Benjamin Netanyahu parece continuar contra a ideia de se trabalhar numa solução de dois Estados… O tema foi abordado numa reunião, em Bruxelas, na presença de representantes de ambos os lados do conflito. Israel foi demasiado intransigente? Já que já disse publicamente que a mensagem foi muito bem recebida pelos colegas árabes e alertou para a urgência de um cessar-fogo na faixa de Gaza…
É público, de facto, que Israel não tem aceitado a ideia de um cessar-fogo. É público também que o primeiro-ministro israelita se tem oposto à solução de dois Estados. Agora, aquilo que é a ideia unânime dentro da UE a nível dos 27, é que não há outra solução possível ou viável que não seja a solução de dois Estados. E a nossa convicção é que sabemos também que Israel, democracia como é, uma sociedade de sociedade muito plural, tem uma diversidade de pontos de vista e não confundimos Israel com aquilo que é a postura de um governo num determinado momento, ou aquilo que é a postura de uma pessoa que está à frente do governo num determinado momento…
Sendo que é com este governo que tem de trabalhar…
Sim, com certeza que é com este governo que temos de trabalhar, mas iremos insistir fortemente na necessidade de avançarem no sentido da solução de dois Estados. Aliás, os EUA também têm defendido essa posição.
De que forma e quando Portugal vai participar na missão da União Europeia no mar vermelho para acompanhar navios sob ameaça dos rebeldes houthis?
Nós estamos num quadro excecional, que é um governo de gestão e isto terá de ser pensado no âmbito daquilo que é normal. Portanto, um processo em que há uma tomada de posição por parte do Governo e uma concertação com o Senhor Presidente da República, uma decisão no âmbito do Conselho Superior de Defesa Nacional e verificar se há entendimento quanto à possibilidade de se fazer isto num quadro de governo de gestão…
Ou seja, no quadro de um governo de gestão só com um consenso político alargado?
Naturalmente.
A guerra no Médio Oriente está a ser prejudicial à Ucrânia. Pergunto-lhe se concorda e se isso já se sente nas conversas que tem com os seus colegas MNE’s de outros países?
É prejudicial à Ucrânia, seguramente: por duas razões. Uma é muito simplesmente que (o conflito no Médio Oriente) tem retirado a atenção mediática e também política à necessidade de continuarmos a apoiar a Ucrânia na sua defesa contra a Rússia, contra a invasão russa e, portanto, aí, sim, há um efeito que não é positivo para a Ucrânia. Há uma outra razão e que é que é a acusação feita em algumas partes do mundo de que tem havido uma postura de dois pesos e duas medidas. Os que apoiam a Ucrânia não estão a apoiar da mesma maneira o povo palestiniano e por aí fora. Eu creio que nunca ouvi essa acusação em relação a Portugal. Quanto a isso estamos muito tranquilos e tem havido grande coerência. Mas quando os Estados Unidos são o principal apoiante da Ucrânia por aquilo que podem fornecer, e é também o principal protagonista extra regional no que toca ao Médio Oriente, é evidente que há aqui desafios fortíssimos que não são favoráveis para a Ucrânia. Dito isso, a nossa expectativa é que as pessoas não percam de vista aquilo que é fundamental. E o que está em causa na Ucrânia é absolutamente fundamental para o futuro da estabilidade da Europa.
O Conselho Europeu de Relações Exteriores antecipou há dias uma "viragem acentuada à direita" nas eleições europeias, em junho, com partidos populistas e eurocéticos a liderar as intenções de voto em um terço dos Estados-membros da União Europeia. O estudo prevê que os grupos Identidade e Democracia (ID), de partidos de extrema-direita, e os Conservadores e Reformistas Europeus (ECR) registem "ganhos significativos" nas próximas eleições para o Parlamento Europeu, marcadas para 06 a 09 de junho. As projeções indicam que partidos populistas com um euroceticismo enraizado vão emergir como líderes em Itália, França, Países Baixos, Hungria, Áustria, Bélgica, República Checa, Polónia e Eslováquia. Por outro lado, surgem em segundo ou terceiro lugares em outros nove países: Portugal, Alemanha, Espanha, Bulgária, Estónia, Finlândia, Letónia, Roménia e Suécia. Em simultâneo, os dois principais grupos políticos - o Partido Popular Europeu (PPE, que integra os portugueses PSD e CDS-PP) e a Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas (S&D, que abrange o PS) -- vão continuar a perder representação, prosseguindo a tendência das duas eleições passadas. Diria que o projeto europeu como foi concebido vai ficar em risco após as eleições de junho?
Bom, em primeiro lugar um asterisco para dizer que esse trabalho baseia-se em sondagens a cinco meses de distância das eleições e que em cinco meses há muita coisa que pode acontecer. Mas é um asterisco. Tomemos como boa a ideia de que haverá ou pode haver um reforço da extrema-direita nas próximas eleições para o Parlamento Europeu, em junho.
O projeto europeu, naturalmente, tem muitos intérpretes, tem muitas possibilidades consoante aquilo que são as nossas preferências. Mas com certeza que não é favorável para o desenvolvimento harmonioso de uma União Europeia equilibrada e com capacidade de se organizar internacionalmente e internamente, face aos desafios reais com que as pessoas se confrontam. Portanto, é naturalmente preocupante e a minha expectativa é que daqui até junho haja suficiente esclarecimento para impedir que os resultados sejam na escala sugerida pelo estudo do Conselho Europeu de Relações Exteriores.
Senhor Ministro, está preocupado com o crescimento da AfD, Alternativa para a Alemanha?
Todos os que prometem soluções simples para problemas complexos, na realidade estão a enganar os eleitores, estão a enganar a população. E o crescimento de movimentos extremistas que têm essas receitas simples para problemas difíceis, fragiliza a Europa, fragiliza o próprio país em causa, no caso que referiu à Alemanha, mas também outros países e fragiliza-nos a todos institucionalmente. Portanto, neste mundo complexo, infelizmente, não há soluções fáceis. Temos de olhar para aquilo que é a realidade, com frieza e com lucidez, e recusar este tipo de receitas fáceis que apenas nos enganam.
A entrevista na íntegra ao Ministro dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho, será publicada este sábado em TSF.pt e será emitida no programa O Estado do Sítio depois das 13 horas.