"Moçambique ainda cheira a sangue." Bispo português em Tete quis "exorcizar os fantasmas" dos massacres
O bispo apresenta à TSF o livro "Martírio e Liberdade - Mártires de Chapotera". É a história de dois missionários jesuítas assassinados durante a guerra civil, um deles natural de Santa Maria da Feira
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Diamantino Guapo Antunes é bispo português, em Tete, no norte de Moçambique. Nasceu em 1966, em Albergaria dos Doze, no concelho de Pombal. Frequentou os seminários do Instituto das Missões da Consolata, onde foi ordenado padre em 1994. Fez doutoramento em Teologia Dogmática na Universidade Gregoriana de Roma. Tinha no seu desígnio Moçambique como campo de evangelização. Esteve designadamente nas dioceses de Lichinga e de Inhambane. Em 2019 é nomeado, pelo papa Francisco, bispo de Tete, onde permanece.
Na entrevista que concedeu à TSF, o bispo começa por referir-se aos massacres de Wiriyamu e de Mukumbura que ocorreram, há mais de meio século, na sua diocese em Tete, durante a guerra colonial. «Quisemos já exorcizar esses fantasmas. Eu próprio, quando aqui cheguei, tive medo, Moçambique ainda cheira a sangue. Gostaria que já estivesse definitivamente enterrado machado de guerra em Moçambique». Vejam-se os insurgentes, em Cabo Delgado, com sucessivos ataques terroristas.
Dois jesuítas mortos com arma branca
Interrogado sobre a polémica da restituição de bens culturais às antigas colónias portuguesas, o bispo missionário concorda com essa política, conquanto que essas obras sejam bem conservadas em Moçambique. Temos de ser realistas, Moçambique pode não ter condições para receber essas obras de arte.
D. Diamantino apresenta, nesta entrevista, um livro que acaba de ser editado, "Martírio e Liberdade - Mártires de Chapotera". Trata-se de dois missionários jesuítas assassinados, a 30 de outubro de 1985, durante a guerra civil: João de Deus Kamtedza, de 66 anos, o primeiro jesuíta moçambicano e Sílvio Alves Moreira, de 56 anos, natural de Rio Meão, Santa Maria da Feira.
Neste ano horribilis para a guerra civil em Moçambique, as duas mortes, ocorridas em Chapotera, na diocese de Tete, revelaram quão cruenta era a guerra civil entre a Frelimo e a Renamo.
Os dois jesuítas foram barbaramente torturados e mortos com arma branca. Os corpos foram comidos, em parte, pelas feras. D. Diamantino informa que já foram introduzidos no Vaticano os processos de canonização destes mártires.
Tete, uma diocese maior que Portugal
D. Diamantino Antunes refere-se, de modo optimista, à qualidade da pastoral de evangelização que se faz em Moçambique. Ela segue, há muitos anos, a metodologia do papa Francisco, que quer uma igreja "sinodal", "samaritana" e "ecuménica", aberta a todos.
Novos ventos sopram de facto em Moçambique. Longe vai o tempo das nacionalizações dos bens da Igreja Católica, naquele país. Mais que clerical, os membros da Igreja moçambicana são leigos, homens e mulheres. Como catequistas, são os primeiros evangelizadores. A diocese de Tete tem 3 milhões de habitantes, dos quais 750 mil são católicos. O seu território é maior que o território português continental e insular. Dispõe de 40 missões e 1150 comunidades, com pequenas capelas, assistidas por 70 padres.
Ainda na entrevista, ao bispo português revela que não há crise de vocações religiosas no continente africano. Em Moçambique, as igrejas e os seminários estão completamente cheios de jovens.
Por fim, D. Diamantino recorda com emoção os bispos portugueses da antiga colónia, destacando como "profetas inovadores" D. Sebastião Soares de Resende, bispo da Beira e D. Manuel Vieira Pinto, arcebispo de Nampula.