Tinha 94 anos. Conhecida pela luta pelos direitos humanos, Nora Cortiñas foi opositora do atual presidente, Javier Milei
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Nora Cortiñas, cofundadora do movimento das Mães da Praça de Maio, que desafiou a ditadura argentina, morreu esta quinta-feira aos 94 anos. A informação é avançada pela própria organização, em comunicado.
"Com uma dor profunda, despedimo-nos da nossa irmã de luta, Nora Cortiñas, referência indiscutível do movimento pelos direitos humanos na Argentina", lê-se no documento, divulgado na rede social X.
Conhecida por Norita, a ativista juntou-se a um grupo de mulheres que se conheceram numa altura em que imploravam às autoridades da ditadura militar (1976-1983) para saber o destino dos seus filhos, obrigados a abandonar as suas casas ou detidos pelas forças de segurança.
O seu filho Gustavo Cortiñas estava prestes a completar 25 anos, era militante da Juventude Peronista num bairro pobre de Buenos Aires e trabalhava no instituto de estatísticas Indec, quando foi sequestrado por um grupo militar. É um dos 30 mil desaparecidos que, segundo organizações de defesa dos direitos humanos, a ditadura deixou na Argentina.
Norita nasceu a 22 de março de 1930, era mãe de dois filhos e psicóloga, começou a trabalhar na organização Mães da Praça de Maio, sendo uma das principais defensoras do movimento.
"Na minha casa, a 15 de abril de 1977, passou um tsunami, afetou-nos a todos", afirmou em 2019, ao apresentar a sua biografia, intitulada "Norita, la madre de todas las batallas".
Personalidades políticas destacaram a sua trajetória e enviaram condolências à família, desde os ex-presidentes peronistas (centro-esquerda) Alberto Fernández e Cristina Kirchner, que a definiu como uma "eterna lutadora pelos direitos humanos e pela democracia", até à União Cívica Radical (centro) e líderes da esquerda.
Exceto pelas viagens para divulgar a sua luta pelo mundo, por mais de quatro décadas, Norita nunca faltou às marchas das quintas-feiras ao redor da Pirâmide da Praça de Maio. "Cada coisa que, [nós], as Mães [da Praça de Maio], fazemos é coletiva. Começámos a ir à praça uma a uma, mas depois isto transformou-se num movimento coletivo. Vamos todas as quintas-feiras à praça, não faltamos", explicava.
Isso não impediu que, em 1986, já em democracia, a "eterna lutadora" fosse uma das impulsionadoras da divisão da organização humanitária e se transformasse numa das faces visíveis do Mães da Praça de Maio-Linha Fundadora, que enfrentou duramente o setor mais radicalizado, liderado por Hebe de Bonafini, falecida em 2022.
Também foi uma opositora ferrenha do atual governo, liderado por Javier Milei, que questionou o número de desaparecidos e relativizou o terrorismo de Estado cometido pela ditadura. "A muitos políticos, à Igreja, aos militares, ao campo dos que têm história vivida de cumplicidades, não agrada a nossa reivindicação", resumia Nora Cortiñas.
Em 2018, quando eclodiu na Argentina a luta feminista pela legalização do aborto e contra a violência de género, Norita juntou-se a esta reivindicação e adicionou o lenço verde, símbolo do movimento, ao seu vestuário. Mas, no fim, voltava sempre ao seu filho desaparecido: "Vocês veem-nos sorrir, vamos a mobilizações com a alegria da luta, mas sentimos falta dos nossos filhos todos os dias."
