Não têm ordenado, não têm materiais ou uma escola com teto mas, mesmo assim, não abandonam os alunos. Os professores na Síria resistem. Na TSF, ouvimos o relato na primeira pessoa.
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Na Síria, nas áreas controladas pelos que se opõem a Bashar Al Assad, a educação oficial deixou de existir. Apesar disso os professores não baixaram os braços e continuam a ensinar crianças e jovens.
Abdulkafi Alhamdo, de 33 anos, já era professor de inglês quando a primavera árabe chegou à Síria e diz que com o inicio do conflito o papel dos educadores mudou. Passaram a ser médicos, psicólogos, pais, mães e irmãos por causa das experiências difíceis vividas pelos alunos.
Abdulkafi nasceu em Aleppo de onde fugiu no final de 2016. Ouvido pela TSF, ele conta que até a rotina como professor se alterou: "Todos os dias eu ia ver como estavam os meus alunos para saber se estavam mortos ou vivos. Verificava sempre porque temos de ser muito cuidadosos com os alunos, com os seus sentimentos. É claro que para além disso temos de lhes transmitir conhecimentos para que possam ser melhores no futuro."
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Este professor garante que apesar de todas as dificuldades não é difícil manter os alunos motivados. São muitos os que desobedecem às famílias e vão para as aulas mesmo quando há bombardeamentos. Os estudantes, dos mais novos aos mais velhos, entendem a importância de estudar para que no futuro possam ajudar a reconstruir a Síria.
Em Idlib Abdulkafir Alhamdo ensina numa universidade que praticamente não existe fisicamente, há apenas algumas salas espalhadas pela província, mas mesmo assim os estudantes não têm como lá chegar. Perante as ausências foi necessário encontrar formas novas de chegar aos alunos "Tentamos contornar a situação usando o Skype e grupos no WhatsApp. Eu tenho um grupo para cada turma e quando faltam envio-lhes palestras, coloco vídeos e textos a explicar as matérias. "
Com a guerra ensinar tornou-se um combate diário. Abdulkafir garante que não exagera quando diz que lhes falta tudo. Não há livros, cadernos ou canetas e mesmo as secretárias são poucas obrigando 4 alunos a partilharem uma. "Não temos qualquer material que ajude os nossos alunos a aprenderem melhor. Não temos coisas básicas. Por exemplo os professores ensinam geografia sem mapas e têm de pintá-los. Eu sou professor de inglês e tenho de fazer os materiais e para isso tenho de gastar dinheiro, de comprar coisas e isso é muito difícil para os docentes."
Este docente conta que quase ninguém recebe um salário e mesmo quando isso acontece o dinheiro não dá para mais de 4 ou 5 dias. Ele lamenta que a ajuda internacional quase não chegue a Idlib "O financiamento da educação nas zonas libertadas, como aqui em Idlib, é muito, muito escasso.
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Ficamos perplexos com isto porque vemos muitos apoios da OXFAM ou das Nações Unidas irem para o regime. E então o financiamento da educação aqui? "
Apesar de todas as dificuldades Abdulkafir Alhamdo diz que ninguém pensa em desistir "Nós estamos a ensinar estas pessoas porque no futuro elas vão ensinar os nossos filhos. Por isso temos de continuar, é o nosso trabalho, a nossa obrigação, nada tem a ver com heroísmo. Os nossos alunos são herois mas nós apenas cumprimos a nossa tarefa"