Nadia Calviño, a metamorfose política da tecnocrata que vai liderar o Banco Europeu de Investimento
Espanhola é a primeira mulher a ocupar o posto. Abandona o Ministério de Economia espanhol e regressa a Bruxelas onde fez carreira entre 2006 e 2018.
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Uma das imagens mais icónicas de Nadia Calviño, ex-ministra de Economia espanhola, é uma fotografia que nunca se chegou a fazer. No final de um evento sobre liderança empresarial, e já pronta para posar no photocall, Calviño apercebeu-se de que era a única mulher e recusou a fotografia. “Lamento, tínhamos que ter falado sobre isto antes”, desculpou-se.
“Há demasiados eventos nos quais sou a única mulher porque sou a ministra. E não podemos correr o risco de dar passos atrás nesta matéria, porque é um tema muito sério”, tinha dito uns meses antes, a propósito da escassa presença de mulheres na liderança de empresas ou em eventos de índole empresarial e económica. “Não vou voltar a participar em debates nos quais seja a única mulher. Não vou voltar a aparecer em fotografias onde seja a única mulher”, prometeu. E cumpriu.
Era Maio de 2022 e Calviño acabava de completar a sua metamorfose de tecnocrata a política, depois de quatro anos no Governo. Chegou ao Executivo espanhol em 2018, nomeada por Pedro Sánchez após de ter levado avante a moção de censura contra o Governo de Mariano Rajoy.
Desconhecida para os espanhóis, Calviño trazia na bagagem uma ampla trajetória em Bruxelas, onde chegou em 2006, e onde ocupou cargos tão relevantes como o de diretora geral adjunta de Concorrência e dos Serviços Financeiros da Comissão Europeia e diretora geral de Orçamentos do Executivo comunitario. Agora regressa a Bruxelas para presidir o Banco Europeu de investimento e quebrar outro “teto de vidro”: é a primeira mulher a ocupar o posto.
A moderada
Nascida na Corunha em 1968, Nadia Calviño é filha do primeiro diretor da Rádio Televisão Espanhola, José Maria Calviño, nomeado pelo primeiro Governo de Felipe González. Mãe de quatro filhos, fala inglês, francês e alemão e licenciou-se em Economia e Direito.
Metódica, pragmática e perfeccionista, foi outro adjetivo, o de moderada, aquele que mais soou quando Sánchez a fez ministra. No Governo de coligação de esquerda com o Podemos era vista como o dique de contenção das pretensões do partido de Pablo Iglesias e a garantia do cumprimento dos mandatos europeus a nível económico.
Mas a pandemia do Coronavírus cedo veio demonstrar que o seu perfil não ia seguir a linha de austeridade usada pela Europa em crises anteriores. Desenhou um plano que o Governo denominou como “Escudo Social”, que se baseava num pacote de ajudas nunca antes visto e medidas como os layoff em vez dos despedimentos, as linhas de crédito para as empresas ou a protecção da habitação, com ajudas no que toca aos empréstimos bancários e arrendamentos.
A guerra na Ucrânia fez com que muitas dessas medidas estejam em vigor ainda hoje e os resultados falam por si. Espanha conseguiu baixar a inflação dos 9,1% de Março de 2022 aos 3,1% deste Dezembro; a previsão da Câmara de Comércio é que o PIB cresça 2,4% este ano e tem a taxa de desemprego mais baixa desde 2007.
Perfil político
Ao longo dos cinco anos em que esteve no Governo, Nadia Calviño foi evoluindo de um perfil quase completamente técnico para um mais político. Com o tempo, adaptou-se ao tom dialético da política espanhola e algumas das discussões acesas com a bancada da extrema direita ficaram na memória dos espanhóis.
“O senhor disse que não conhece nenhum espanhol que se beneficie das ações deste Governo. Então tem de analisar os seus amigos... Isso quer dizer que não conhece ninguém que receba o salário mínimo? Que não conhece nenhum jovem que tenha conseguido pela primeira vez um contrato sem termo graças à reforma laboral? Que não conhece ninguém que se beneficie das bolsas de estudo? Que não conhece ninguém que se beneficie do investimento em educação?”, disse, em outubro de 2022, a Iván Espinosa de los Monteros, deputado do Vox, durante uma sessão de controlo ao Governo no Congresso dos Deputados.
E rematou, perante a ovação em pé da bancada socialista: “Não conhece ninguém que se beneficie do serviço nacional de saúde, do transporte público gratuito, das ajudas aos trabalhadores independentes, dos layoff, das ajudas às empresas, do rendimento mínimo vital, das ajudas às família com filhos pobres? Mas como é possível senhor Espinosa de los Monteros que não conheça nenhum espanhol real?”.
Apesar do temperamento cordial, foram públicas algumas das desavenças com os sócios do Governo, o Podemos, antes, e o Sumar, agora, em certas medidas mais à esquerda. Ainda assim, uma fez perdido o braço de ferro em algumas delas, assumiu-as como próprias e defendeu-as de forma convicta.
Recusou ir nas listas eleitorais do PSOE e não é militante do partido, mas na última campanha eleitoral, este verão, foi das ministras que mais deu a cara por Pedro Sánchez. “É a Nadia ou Ninguém (em espanhol, “Es Nadia o Nadie”)” foi o lema que o partido lhe colou, para evidenciar a falta de programa económico do Partido Popular.
Como aquela fotografia que nunca se chegou a tirar, Calviño fez do feminismo e da igualdade de género outro dos seus cavalos de batalha. Do seu Ministério saiu a imposição de uma quota feminina de 40% nos Conselhos de Administração das grandes empresas, para ajudar a que outras possam quebrar mais “tetos de vidro”, como o que ela acaba de partir hoje, ao transformar-se na primeira mulher a liderar o Banco Europeu de Investimento.
