"Não estamos a deixar nenhum dos nossos territórios, o resto é artificialmente criado pela Rússia"
Oleksiy Danilov, general, dirige o Conselho de Segurança e Defesa Nacional da Ucrânia. Médico veterinário de formação, foi o mais jovem autarca de Luhansk. Na TSF, reflete sobre o momento atual da guerra.
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Médico veterinário de formação, também licenciado em direito e com mestrado em gestão, há quase quinze meses falhou nas previsões. A 24 de janeiro de 2022, um mês exato antes da invasão em larga escala, disse que o movimento de tropas russas perto da fronteira da Ucrânia "não era novidade" e não via motivos "para declarações sobre uma ofensiva em grande escala no nosso país".
Agora, numa entrevista exclusiva, o jornalista André Luís Alves, em serviço especial para a TSF, começou por lhe perguntar como é que a Ucrânia lida com a ambivalência chinesa, entre as declarações do embaixador em França a não reconhecer a soberania dos estados pós-soviéticos e dias depois, o telefonema do presidente Xi Jinping a Zelensky? Pode a China ser confiável e confiada pelos ucranianos? "É muito importante notar que as declarações desse embaixador foram feitas antes do telefonema com o Presidente Zelensky. E no momento em que essa declaração foi feita, a China reagiu imediatamente e disse que isto não tem nada a ver com a posição oficial chinesa. A China é um grande país, com uma grande economia, e existe no mundo, pelo que não podemos simplesmente anulá-la e fazer com que deixe de existir na realidade. Por isso, temos de coexistir, de facto".
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Mais de um ano depois de a guerra ter começado na Ucrânia, importa saber como está o potencial de mobilização de tropas. Terá a Ucrânia alguma solução para os homens que se inscreveram em muitas universidades, muito frequentemente em mestrados que ninguém conhecia, para escaparem ao serviço militar? O mecanismo de mobilização e de voluntários é suficiente para as necessidades que o exército ucraniano agora enfrenta? "Não vejo isto como um problema. Os homens estão a candidatar-se a mestrados. Em primeiro lugar, os jovens podem receber educação em qualquer altura que desejem. Em segundo lugar, o dia 24 de fevereiro de 2022 provou que não importa de onde vens, qual é a tua profissão, se és estudante, diretor executivo ou quem quer que seja. Todos nos juntamos em solidariedade para defender a nossa casa. Estamos na quinta vaga de mobilização. E a Ucrânia não vê isto como um processo caótico. Tudo corre como planeado e há homens e mulheres suficientes no seio do exército para apoiar as forças armadas da Ucrânia", responde Danilov.
As estatísticas são que o exército ucraniano terá sofrido, pelo menos, vinte mil baixas (entre mortos e feridos em combate) até ao momento, e que o exército russo terá sofrido duas ou três vezes mais. Será sensato continuar a defender Bakhmut da maneira como tem sido defendida e até que ponto é que a cidade será mantida? O general recorda, na entrevista, que a "defesa de Bakhmut começou no dia 1 de agosto e esta segunda-feira, assinalam-se os nove meses de defesa de Bakhmut. Invocar estes números de baixas pode não ser o caminho desejável, porque estes números podem não ser fiáveis. Os russos estão a tentar quebrar a nossa defesa nos campos de batalha, mas não conseguem. E é apenas uma questão de tempo até recorrerem ao plano B nesta matéria, ou seja, recuarem. Por isso, vamos manter a defesa em Bakhmut. Este é o nosso objetivo agora".
A Ucrânia recebeu vários tipos de armamento ocidental: Leopard 2, Challengers, Bradley. Portanto, esta ajuda ocidental à Ucrânia poderá ser um ponto de viragem na sua própria história, no sentido que está mudar o curso desta guerra e consecutivamente o curso da história da Ucrânia? Para o homem que dirige o Conselho Superior de Defesa da Ucrânia, "é muito importante que, quando falamos do conceito de ajuda, nos lembremos que, em 1994, o mundo ocidental retirou armas pesadas à Ucrânia por dezenas de milhões de dólares e depois passou-as para a Federação Russa. Por isso, temos de estar atentos a esse facto. Em segundo lugar, não medimos a democracia, o dinheiro e as armas. Sabemos apenas quais são os valores da democracia. E digamos: se a Ucrânia tivesse perdido a invasão em grande escala a 24 de fevereiro de 2022, onde estaria a Rússia hoje? É muito provável que atravessasse a fronteira para os países bálticos e para a Polónia. A Rússia estaria hoje muito no setor da NATO. Por isso, sempre estivemos conscientes de que não estamos apenas a defender a nossa soberania e integridade, estamos também a defender o bloco da NATO. Será que este é realmente o ponto de viragem desta guerra? Será este o marco da história atual da Ucrânia? Será que se refletirá fisicamente na luta? Portanto, ainda não chegámos a isso; temos de chegar ao ponto em que estas armas ocidentais mostram eficácia, para a libertação do território ucraniano e a restauração da democracia".
Oleksiy Danilov escreveu, num artigo, que de cada vez que a Rússia se sente mais encurralada na linha da frente e na ofensiva militar, decide ameaçar com bombas, com ataques nucleares como com bombas nucleares, sejam ela táticas ou não. Isto numa altura em que a Federação Russa agora preside ao Conselho de Segurança das Nações Unidas. Quisemos saber qual foi reação de Danilov ao ouvir o discurso inaugural do MNE russo Lavrov, na abertura da atual sessão do setor que tudo decide nas Nações Unidas? "Bem, a presença de um país como a Federação Russa, o terrorista número um do mundo, no Conselho de Segurança da ONU, já exige algum tipo de análise. E se o mundo pensa que isto é algo absolutamente aceitável, então estamos a falar de um mundo bastante estranho. Quer dizer, quando a ONU foi criada após a Segunda Guerra Mundial, a tarefa era completamente diferente. A tarefa era a paz, a paz, e a paz novamente. Foi por isso que a ONU foi criada, para que, se alguém tiver algum problema, o possa resolver nestas instituições. E, na verdade, o facto de a Rússia ser admitida nestas instalações de paz, é uma questão para todo o mundo democrático. Não é uma questão para uma pessoa específica, é uma questão para a civilização, na verdade. E o simples facto de a Rússia estar presente no Conselho de Segurança exige uma reavaliação dos valores e é definitivamente um sinal de que a sociedade democrática mundial não está a funcionar".
As cidades de Donetsk e Mariupol eram cidades economicamente prósperas, quando se realizou o Campeonato Europeu de Futebol em 2012. Mas não era esse o caso da Crimeia Ucraniana, que enfrentava alguns problemas económicos nessa altura. Disse também Danilov em tempos que ganhar o espaço de informação é um pré-requisito para ganhar o campo de batalha. O que é que a vitória militar pode trazer a estes territórios, e, mais em particular, ao território da Crimeia?
Em primeiro lugar, é muito importante utilizar exatamente a expressão "Crimeia ucraniana" e não apenas "Crimeia". Em segundo lugar, existe uma estratégia para desocupar a Crimeia ucraniana e temos um plano de ação muito visível sobre como agir e o que será a Crimeia, a Crimeia ucraniana ocupada. E não haverá problemas com a nossa ocupação da Crimeia ucraniana e das regiões de Donetsk e Luhansk, esses problemas são criados artificialmente. Portanto, esta é uma perspetiva russa de que haverá muitos problemas com a reintegração dos territórios temporariamente ocupados de volta à Ucrânia. Eu vivi toda a minha vida e nasci na região de Luhansk. A sua colega tradutora nasceu e viveu na região de Donetsk; esta é uma narrativa artificialmente criada que a Rússia vende ao Ocidente, de que estes territórios têm algo em comum com a Rússia, mas tendo vivido lá, tendo nascido lá, podemos facilmente dizer que estes lugares não têm nada a ver com a Federação Russa".
Danilov insiste na ideia da distinção histórica e linguística entre russos e ucranianos: "Somos dois povos diferentes e este é um ponto crucial. Os russos não têm nada a ver connosco. Quando os ucranianos falam ucraniano, os russos não conseguem perceber do que estamos a falar. Temos línguas diferentes e muitas outras coisas são diferentes, por isso estamos relacionados com a Europa da mesma forma que a Moldávia e a Bielorrússia estão relacionadas com a Europa. A Rússia é a Ásia. E isto é algo que temos de perceber e compreender: a Rus é a antecessora da Rússia e os produtores da Rússia são mongóis, e não há nada de vergonhoso nisso. É assim que as coisas são. É uma história antiga, cujas raízes remontam ao século XII, ao século XIII, e nós não temos nada a ver com isso; eles querem mesmo apropriar-se da nossa História, o que eles fazem regularmente, querem tirar-nos a nossa história, para eles é só isso. Temos uma obra de arte em curso, intitulada História da Ucrânia do século XI ao século XVIII, e há uma monografia da Professora Mileva para este trabalho que diz claramente onde e quem nasceu através do cristianismo. O resto é artificialmente criado, realmente, pela Rússia. Esta é a posição ucraniana: não estamos a deixar nenhum dos nossos territórios para trás. E esforçamo-nos por fazer com que cada território, cada cidade e região, Crimeia, Donetsk, Mariupol, e todas as nossas cidades e aldeias floresçam e, assim, também a Crimeia ucraniana esteja economicamente bem e justa para quem lá vive."