"Não têm para onde ir." Quase 80 mil deslocados no Norte da Síria, Médicos Sem Fronteiras falam em "natureza caótica"
Em declarações à TSF, Matthew Cowling, responsável pelos assuntos humanitários dos Médicos Sem Fronteiras, reconhece que "a resposta humanitária está no limite" e apela ao reforço urgente da ajuda
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Há quase 80 mil deslocados só no Norte da Síria. Ainda há combates entre grupos rivais numa região que não é controlada pelos rebeldes, que fizeram cair o regime de Bashar al-Assad. Os Médicos Sem Fronteiras tentam ajudar os deslocados em clínicas e também com uma equipa móvel. Em declarações à TSF, Matthew Cowling, responsável pelos assuntos humanitários dos Médicos Sem Fronteiras, no Norte da Síria, descreve uma situação caótica.
"As pessoas não sabem para onde ir. Nesta altura, muitas estão no estádio de Taqba. É difícil apontar números, mas, pelo que vemos no terreno, existe uma natureza caótica. Há cada vez mais tendas no estádio, muitas pessoas não têm alternativa. Ainda dormem nos carros e está a ficar muito frio à noite. Portanto, os cobertores são uma necessidade urgente. As pessoas não têm acesso a coisas básicas, em particular, comida e cuidados de saúde primários", explica à TSF Matthew Cowling.
Além do estádio de Taqba, muitas escolas estão transformadas em centros de acolhimento, mas as condições são precárias: "Cerca de 200 escolas abriram em Raqa e Tabqa, mas não estão preparadas para alojar famílias deslocadas. Não têm casas de banho adequadas, não têm aquecimento, algumas janelas têm os vidros partidos. Vejo famílias a dormir no chão, talvez só com um colchão. Muitas famílias na mesma sala, muitas crianças... é também uma grande preocupação para nós."
"A resposta humanitária está no limite", reconhecem os Médicos Sem Fronteiras, pedindo o reforço urgente da ajuda. "Ninguém esperava a chegada de tantas pessoas no norte da Síria. A crise está a desenvolver-se e a capacidade de resposta das autoridades e outras ONG está sobrecarregada. Por isso, nesta fase, pedimos, com urgência, o aumento da capacidade de resposta a esta crise. Os dadores humanitários têm de se mobilizar agora e estar preparados para mais deslocados", alerta Matthew Cowling, sublinhando que a região vive ainda um clima de insegurança.
"O contexto de segurança é extremamente fluido. Nesta altura, há combates no Norte, onde estamos, mas a situação está em constante mudança e a dinâmica do conflito altera-se rapidamente. Há áreas do conflito às quais as ONG não têm acesso e isto preocupa-nos muito", acrescenta.
Os Médicos sem fronteiras estão apenas no Norte da Síria. Matthew Cowling chegou à região há três meses e conta ficar até meados do próximo ano.
A 27 de novembro, uma coligação de grupos da oposição liderados pela HTS lançou uma ofensiva e conquistou vastos territórios em dez dias, antes de entrar na cidade de Damasco, pondo fim ao regime da família al-Assad.
As HTS que tomaram o poder na Síria no domingo nomearam chefe de governo de transição Mohammad al-Bashir que se vai manter em funções até 01 de março de 2025.
Al-Bashir era até então o líder do autodenominado "Governo de Salvação" no reduto rebelde de Idleb, no noroeste da Síria.
O "novo governo" de transição pretende instaurar "o Estado de direito" após mais de meio século de regime do clã Assad, disse Obaida Arnaout.
Todos aqueles que cometeram crimes contra o povo sírio "vão ser julgados de acordo com a lei", acrescentou.
"Respeitamos a diversidade religiosa e cultural na Síria, que se manterá tal como está", acrescentou Arnaout.
Num país de maioria muçulmana sunita, o presidente Bashar al-Assad, atualmente exilado na Rússia, era membro da minoria alauita.