"Nem sabem a quem pedir ajuda." Jornalista russa acusa Kremlin de perseguir cidadãos que fugiram do país
Lilia Yapparova diz, em declarações à TSF, que a Rússia continua a ter a mentalidade soviética em relação à dissidência. O país gasta enormes recursos a perseguir quem não concorda com Putin
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Até 2022, os alvos da repressão transnacional russa eram essencialmente opositores políticos, homens de negócios caídos em desgraça ou antigos espiões, mas com a guerra na Ucrânia tudo mudou. A denuncia é feita pela jornalista russa exilada na Lituânia. Lilia Yapparova, num artigo de opinião no New York Times, diz que o Kremlin está a perseguir russos anónimos que fugiram do país por não concordarem com as políticas de presidente.
Lilia Yapparova diz que o que se passa é aterrador, o Kremlin está a perseguir cidadãos em todo o mundo e ninguém parece importar-se. A jornalista explicou à TSF que o problema é maior porque as pessoas atingidas não sabem como se proteger. “Estamos a falar principalmente de pessoas que quando são perseguidas nem sabem a quem recorrer para pedir ajuda. Não conhecem jornalistas, não conhecem advogados ou trabalhadores de ONG. Houve uma professora que falou aos alunos dos crimes que os militares russos praticaram em Bucha, nos arredores de Kiev. Ela teve de fugir do país e quando chegou à Arménia foi detida brevemente pelos guardas da fronteira.”
Lilia Yapparova garante que há outros casos como o da enfermeira num lar de idosos que foi presa em Montenegro a pedido da Rússia e com a ajuda da Interpol, e o do cidadão que fugiu para o Quirguistão e foi apanhado pelos serviços secretos do país que usaram o reconhecimento facial. Sem qualquer tipo de processo judicial, ele foi reenviado para a Rússia.
A jornalista a viver na Lituânia admite que estão são apenas algumas das histórias conhecidas, mas haverá muito mais. As fontes que tem em vários países europeus, assim como algumas organizações que dão apoio aos russos, têm a mesma convicção, mas as pessoas não contam o que lhes está a acontecer.
Há casos de enfermeiros, um dono de uma loja de brinquedos, um alpinista, um músico, um professor, tudo cidadãos anónimos. Há muitos casos conhecidos na Europa de Leste, mas também, por exemplo, casos na Alemanha, Grã-Bretanha, Itália ou França.
O objetivo, diz Lilia, é que as pessoas vivam assustadas, “eles querem criar medo. Penso que as autoridades russas sofrem de alguma paranoia que lhes pode ter ficado dos tempos da União Soviética, do KGB. Elas têm muito medo de qualquer dissidência à volta do mundo e gastam muitos recursos a vigiar, intimidar e perseguir estas pessoas”.
Lilia Yapparova diz que os países para onde estes russos fogem ou colaboram com Moscovo, ou dão pouca proteção a estes cidadãos. Destaca como positiva a ação da União Europeia, mas pede aos 27 que prestem mais atenção às operações que a Rússia realiza no estrangeiro, porque há agentes russos por todo o lado.
A própria Lilia foi avisada em 2022 para mudar alguns dos hábitos e rotinas. Hoje em dia, e depois de receber várias ameaças, tem muito cuidado com o que come ou onde come por causa dos envenenamentos, mas garante que se recusa a viver a olhar por cima do ombro.