"Ninguém vai recuar." Polícia lança gás lacrimogéneo para dispersar manifestação em Maputo
"A polícia está a fazer esta pouca vergonha, isto é mais um repúdio aos resultados eleitorais", afirma Armando Morona, que foi atingido pelo gás
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A Polícia moçambicana lançou esta segunda-feira gás lacrimogéneo para dispersar as pessoas que se começavam a juntar para participar nas marchas pacíficas convocadas pelo candidato presidencial Venâncio Mondlane repudiando o homicídio de dois apoiantes.
Às 08h20 locais (07h20 em Lisboa), a cerca de 50 metros do local do início da concentração, foi disparado um tiro de gás lacrimogéneo para dispersar um pequeno grupo de manifestantes, tendo a polícia levado dois deles.
Em declarações à TSF, Natália Bueno, investigadora do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, diz que apesar dos apelos, o histórico do país indica que a violência pode mesmo acontecer.
"O histórico que nós temos de protestos, muitas vezes têm sido de uma forma violentamente reprimida", afirma à TSF Natália Bueno. Questionada sobre se acredita na veracidade destas eleições, a investigadora afirma que, "ao longo dos anos, os observadores eleitorais têm apontado para as irregularidades".
"Têm-se tornado cada vez mais, na verdade, generalizadas e quase óbvias. É obviamente muito difícil que qualquer pessoa acredite que essas eleições estão livres de qualquer irregularidade", considera.
Natália Bueno explica que Venâncio Mondlane é um candidato que apela, acima de tudo, à população mais jovem, marcando uma rutura na política moçambicana.
"É produto de um acesso político extremamente limitado, em Moçambique, marcado obviamente pelo bipartidarismo Frelimo/Reinamo. Ele [Venâncio] traz uma rutura muito grande, vai trazer vozes, muitas vozes críticas, ele é altamente apoiado pela juventude", sublinha.
Em declarações à Lusa no local, Armando Morona disse que foi atingido pelo gás e que as autoridades não disseram nada: "Só estão a disparar para um lado e para o outro."
"Mas eles que nos aguardem, estamos aqui, ninguém vai recuar", disse o manifestante, referindo que a situação em Moçambique é "uma vergonha à escala mundial, onde se mata um advogado".
"A polícia está a fazer esta pouca vergonha, isto é mais um repúdio aos resultados eleitorais", referiu.
Maputo acordou esta segunda-feira praticamente sem movimento.
Numa ronda feita pela Lusa na capital moçambicana foi possível constatar uma cidade com trânsito anormalmente reduzido para o primeiro dia semana de trabalho, poucos transportes a funcionarem, embora algum movimento pedonal e cafés a funcionar.
Também era visível algum reforço policial, sobretudo na zona prevista para a saída da marcha, o local do duplo homicídio de sexta-feira, e igualmente junto à sede do município.
"Vai ser a primeira etapa, pacífica, em que nós vamos paralisar toda a atividade pública e privada. Vamos para a rua com os nossos cartazes, vamos manifestar o nosso repúdio", anunciou Venâncio Mondlane, no sábado, em Maputo, no local em que dois apoiantes foram assassinados.
Garantiu que a greve, no setor público e privado, que tinha pedido para hoje, em contestação aos resultados preliminares das eleições de 09 de outubro, é para manter, passando agora para a rua, e responsabilizou as Forças de Defesa e Segurança (FDS) pelo duplo homicídio.
A polícia moçambicana confirmou no sábado, à Lusa, que a viatura em que seguiam Elvino Dias, advogado de Venâncio Mondlane, e Paulo Guambe, mandatário do Podemos, partido que apoia Mondlane, mortos a tiro, foi "emboscada".
O crime aconteceu na avenida Joaquim Chissano, centro da capital, e segundo a polícia uma mulher que seguia nos bancos traseiros da viatura foi igualmente atingida a tiro, tendo sido transportada para o hospital.
Em Maputo, a marcha está convocada para sair às 10h00 do local do duplo homicídio.
A polícia moçambicana avisou, antes do duplo homicídio que levou à convocação da marcha, além da paralisação, que vai travar qualquer ato de violência e desordem pública que ocorra hoje.
As eleições gerais de 09 de outubro incluíram as sétimas presidenciais - às quais já não concorreu o atual chefe de Estado, Filipe Nyusi, que atingiu o limite de dois mandatos - em simultâneo com legislativas e para assembleias e governadores provinciais.
A CNE tem 15 dias para anunciar os resultados oficiais, data que se cumpre em 24 de outubro, cabendo depois ao Conselho Constitucional a proclamação dos resultados, após concluir a análise, também, de eventuais recursos, mas sem prazo definido para esse efeito.
Notícia atualizada às 08h57
