Conversa sobre a Catalunha, e não só, com o autor de "Política para Perplexos", um livro sobre o fim das certezas, a desregulação emocional, a democracia na era de Trump e aquilo que nos espera. Daniel Innerarity, um dos grandes filósofos do nosso tempo.
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Daniel Innerarity, perplexo perante o estado do mundo, cheio de incertezas quando tentamos calcular o futuro com base no que temos no horizonte, numa época em que o amanhã alterna brutalmente entre o previsível e o imprevisível. Para Innerarity, "chegou o momento de refletir com maior subtileza acerca de alguns movimentos tectónicos que estão a acontecer nas nossas sociedades e medir melhor essas tendências".
Considera fulcral a questão da entrada da inteligência artificial nas nossas vidas, cuja explosão parece inevitável, e como tal se vai conciliar com a necessidade de reconfigurar a democracia. Para o filósofo que o Nouvel Observateur considerou um dos 25 pensadores mais influentes do nosso tempo, "a democracia é o sistema mais inteligente mas precisa desenvolver essa inteligência coletiva para garantir os seus standards de legitimidade". Para Innerarity, mais importante do que o discurso sobre a pós verdade "é a incapacidade dos indivíduos para lidar com a complexidade informativa do mundo" e sendo a ignorância o "estado natural do indivíduo", a política andou "demasiado tempo a beneficiar dessa ignorância". Hoje todos podemos ser testemunhas de tudo. Innerarity defende que a política precisa de alguma discrição.
Como é que olha para a decisão do Supremo Tribunal espanhol e aquilo que está a acontecer na Catalunha?
Creio que era bastante previsível que quando um problema político, passa para a mão dos juízes, estes só o podem decidir com base no Código Penal. Mas não o podem decidir bem, porque não possuem instrumentos políticos. Sou também muito crítico com o conteúdo da sentença, mas repito: mais do que uma culpa dos juízes, a responsabilidade é daqueles que confiaram a resolução de um problema político no poder judicial, que não tem instrumentos para tal.
São injustas, desproporcionadas?
Eu creio que são completamente injustas. O delito de sedição é um delito muito criativo, por assim dizer, que não tem um enquadramento claro na jurisprudência, nos códigos que regem a lei em Espanha e vamos ver se é reconhecido pelo resto dos países europeus quando tramitar a ordem de detenção europeia para os que estão fora de Espanha, Puigdemont e o resto dos políticos que fugiram.
Em tempos, chegou a ser convidado para fazer um papel de mediação mas isso abortou. Quando e porquê?
Eu realmente inteirei-me que era a pessoa que estava a ser pensada para essa mediação, no dia em que a mediação foi abortada, portanto não passei essa angústia de pensar que tinha uma grande responsabilidade de o fazer. Fundamentalmente, eu creio que se improvisou, não se pensou bem o quadro, o conceito, os instrumentos, e depois foi havendo um certo assédio da direita mediática em Espanha para que a proposta fosse retirada e caminharam no sentido da confrontação.
Com eleições parlamentares daqui a menos de um mês e o PSOE de algum modo refém daquilo que tem sido o discurso mais à direita sobre a Catalunha, acredita que possa haver alguma solução nos tempos mais próximos?
Eu creio que no curto prazo não há nenhuma esperança porque as eleições a 10 de novembro não permitem esse tipo e iniciativas, principalmente quando o bloco de partidos espanhóis estão a jogar para ver quem é mais espanhol e estão a ameaçar com a aplicação do 155, que é o artigo da Constituição que suspende a autonomia. Quando se está a competir nesses termos e na Catalunha as forças independentistas também estão a competir para ver quem é mais radical, em momentos assim é impossível que se gerem outros espaços de transação. Teremos de ver qual vai valer o mandado de detenção europeu, mas entretanto, enquanto tudo isto não passar, não vai ser possível sequer um cenário de diálogo, mas um dia chegará.
E quando chegar, uma solução poderia ser aquilo que já defendeu... "uma síntese entre uma linha federal e uma de confederação"?
Eu creio que pode ser algo que poderíamos denominar de federalismo assimétrico, um federalismo que não tente colocar a Catalunha em pé de igualdade com outras regiões de Espanha, como já se tentou fazer muitas vezes. Deve antes reconhecer-se a especificidade da Catalunha, que é uma comunidade com uma personalidade e uma vontade de autogoverno muito forte como se pode provar pelo facto de metade dos deputados do parlamento catalão serem independentistas, o que indica que este é um tema sério.
Provavelmente não há uma quantidade suficiente para promover uma declaração unilateral, mas é uma quantidade suficientemente importante para que Espanha não considere que é um problema passageiro.
Receia o efeito dominó para o País Basco cujo fim de violência é recente, embora sem solução para o conflito?
Não, porque no País Basco é verdade que houve um processo análogo a este, mas o governo basco naqueles momentos sempre se manteve dentro da legalidade, não quis dar nenhum passo mais além, sabendo que o estado tem instrumentos para - como se viu agora - reprimir qualquer tentativa de saída da legalidade. Eu creio que o governo basco e o Partido Nacionalista Basco de uma forma geral, tem uma cultura incremental da política. As conquistas de autogoverno fazem-se pouco a pouco, com pequenos avanços, e não com uma espécie de Big-Bang constituinte que nunca funciona.
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