Taghi Rahmani, um ativista político iraniano, passou 14 anos na prisão. É marido da Nobel da Paz e atualmente presa Narges Mohammadi. A mulher não vê os filhos há nove anos e não os ouve ao telefone há dois. A pressão intensificou-se após a atribuição do mais prestigiado prémio do mundo
Corpo do artigo
Esta semana condenada por acusações adicionais, prolongando a prisão por mais um ano, o que perfaz um total de mais 11 anos de prisão. A pena total ascende a 36 anos e 3 meses, acompanhada de 145 chicotadas. Taghi Tahmani veio a Lisboa apresentar o livro Tortura Branca. Na próxima sexta-feira há eleições presidenciais na República Islâmica do Irão.
Que notícias tem da sua mulher nesta altura?
Neste momento ela está presa em condições desumanas na prisão Evin, juntamente com outras 70 mulheres, e sabemos que nos últimos dias foi sentenciada a mais um ano de prisão, o que totaliza 11 anos de prisão que ela ainda tem que cumprir.
Quando foi a última vez que conseguiu falar com ela?
Há 7 meses que eles não a autorizam a comunicar com ninguém, nem com os irmãos, e inclusive na altura da morte do pai, nem sequer permitiram que ela fosse assistir à cerimónia fúnebre do seu pai.
Então, as informações que têm, são através dos advogados, como é que sabe de tudo?
A prisão do Evin é uma prisão gigante, muito, muito grande, e existem meios, há outras pessoas que têm a possibilidade de contactar os familiares, e por outros meios que também não quero pronunciar-me, conseguimos saber; no Irão há um provérbio que diz que as paredes têm ratos e os ratos têm orelhas.
Queria saber como é que foi o seu tempo na prisão. Sei que também esteve na prisão durante 14 anos, como é que viveu esse tempo?
As condições de prisão de lá são extremamente difíceis, e quando as pessoas vão para prisão o objetivo é destruir a pessoa em si, para que após a prisão, possa conseguir continuar a fazer o que fazia ou dar seguimento à sua vida. Após o meu período da prisão, nunca mais consegui voltar a estudar ou voltar a ter um emprego digno, porque estava sempre limitado.
Quando é que saiu do Irão, quando é que decidiu ir viver para Paris?
Eu saí em 2012, e desde então não vejo a Narges. Se tivesse ficado lá, tinha que cumprir mais sete anos de prisão, e por esse motivo decidi sair do país.
E já saiu com os vossos dois filhos?
Não, eu fugi de uma forma ilegal para o Curdistão e norte do Iraque, e a partir daí consegui ir para Paris. Quanto aos filhos, a mãe é que me levou os filhos para Paris, porque as coisas começaram a ficar complicadas no Irão e estou a tomar conta dos filhos dos últimos nove anos.
Narges Mohammadi descreve este novo movimento revolucionário em defesa da mulher, da vida e da liberdade, como a continuação da resistência política atual no Irão, da luta para restabelecer uma vida social normal. A força do movimento está nas mulheres iranianas, pelo que sabemos. Mas é possível ter sucesso neste movimento, no tempo desta geração, quando tantas dessas mulheres estão presas?
Isto é mais um movimento cultural do povo, mais do que uma revolução das ruas, esta revolução é como se fosse uma maratona, não é uma corrida de 100 metros, como a própria Narges diz, a vitória é muito difícil, mas é alcançável.
É uma luta a médio e longo prazo em nome do futuro dos vossos filhos, acredita sinceramente que a Kiana e o Ali ainda viverão num Irão diferente?
A fé é o que nos move a seguir em frente e temos fé e esperança que isso venha a acontecer e que os filhos, eventualmente, um dia possam regressar, mas o essencial é fazer chegar ao mundo a voz do povo sobre as atrocidades que estão a ocorrer no país. Neste momento, toda a juventude iraniana está a fugir do país, o desejo do povo iraniano é ter um relacionamento normal com a comunidade internacional e o regime tem dificultado a vida do povo; o objetivo deste movimento é dar essa paz e essa vida normal ao povo.
Para um leitor ou ouvinte português que não sabe, o que é tortura branca?
Tortura branca é uma cela de três metros de comprimento e um metro e setenta de largura onde o prisioneiro não tem acesso nem a livros nem a comunicação com ninguém e que está preso 24 horas dentro daquela cela. É como se fosse uma sepultura em que a porta é pela frente e em que lá dentro não há nenhum morto, mas sim um ser humano. E o objetivo é destruir a pessoa para que possa chegar a confessar contra ele próprio e os seus amigos, para se conseguir ver livre mesmo que isso leve à pena de morte.
Mas tortura branca / white torture, para além da tortura propriamente dita, é também o projeto que a senhora Narges lançou em 2021, é o livro, é o documentário… o que é que esperam conseguir com isto no curto prazo?
Este movimento que se iniciou visa o afastamento do povo do regime. O regime iraniano está baseado em três grandes pilares. Um, para se ser um líder, para se ter algum cargo político, tem que se ser, sim, ayatollah, mulah, ok? Baseia-se também num outro pilar, em que a mulher é o ser mais fraco e, portanto, não tem direito a altos cargos, portanto, a vida é dominada pelos homens. E o terceiro, o direito à religião, portanto, se não se é muçulmano, não se chega a lado algum.
Li no livro que a senhora Narges é uma pessoa que une em vez de dividir, que tem contribuído para a convergência dos setores progressistas, não para a divisão ou para a polarização. Assim sendo, acredita que pessoas como ela ou como o senhor estão dispostos a contribuir para transformar o país no quadro e no âmbito da revolução islâmica, ou a mudança no país só é possível derrubando esse sistema criado em 1979?
É uma pergunta muito pertinente, mas qualquer reforma que venha a ser considerada para o regime islâmico, tem um problema: é que o líder religioso, o senhor Khamenei, tem que aceitar isso e ele não quer ir pelas reformas; ele é extremista. Durante 16 anos tentei promover essa voz de reforma, mas nunca tive qualquer resposta. O que eu desejo é que as pessoas que lideram o país sejam pessoas escolhidas pelo povo e atualmente é uma minoria do país que controla a maioria do país e com isso não podemos concordar. Queremos eleições livres para que as pessoas sejam eleitas de uma forma livre e de acordo com a vontade do povo.
Nas várias últimas eleições a participação eleitoral foi muito reduzida, a abstenção foi muito elevada…
As eleições no Irão não são livres, porque as pessoas são escolhidas pelo líder religioso e ele escolhe a meia dúzia de pessoas que não prejudiquem o regime e o povo só pode votar nas pessoas escolhidas por ele. Daí que o povo já sente que de nada serve ir lá votar. Por exemplo, neste momento existe um reformista candidato, mas para esse candidato, o senhor Massoud Pezeshkian, existe uma linha vermelha. E a linha vermelha para ele é pisar a palavra de Khamenei. Pezeskhian é uma pessoa bastante aceitável e boa pessoa. Mas a partir do momento que ele diz: ‘a minha linha vermelha é não ultrapassar a palavra do líder religioso’, então nada pode contribuir para a mudança.
Com tudo isso e com a sua mulher presa, ainda é possível conservar algum otimismo em relação ao futuro?
O Irão está numa localização muito complexa e difícil em termos geopolíticos. E a luta é muito difícil, mas é possível. O mundo ainda não entendeu que a democracia e a paz no Irão é benéfica para a Europa e para o resto do mundo, nomeadamente o Ocidente. O que espero do Ocidente é que não venham interferir nos nossos assuntos internos. Isto é um assunto dos iranianos para os iranianos resolverem. Mas precisamos da ajuda do Ocidente para quando os nossos refugiados ou exilados, quando saem de lá e fazem pedido de asilo que seja concedido esse pedido, que os meios de comunicação internacional falem sobre as atrocidades que se estão a passar dentro do país e que nos ajudem nesse aspeto: estamos a precisar de acesso a informação para divulgar aquilo que se passa dentro do país para fora. Necessitamos de acesso à internet rápida, coisa que nós não temos lá. Isto são as necessidades de que mais precisamos. A maior parte dos países desenvolvidos, europeus, americanos, ocidentais de uma forma geral, o maior interesse deles é terem acesso ao petróleo barato. O Irã tem a quarta maior reserva mundial de petróleo, tem a maior reserva de gás natural e que isso sempre é prejudicial para o povo iraniano.E mesmo em conflitos que existem hoje em dia, tanto na Ucrânia como na guerra de Israel contra a faixa de Gaza, os prejuízos dessas consequências caem sempre para o povo iraniano e, de certa forma, o atual regime vai beneficiando dessas situações.
De que forma é que o atual regime beneficia com a guerra em Gaza?
Veja, quando começou a guerra, o mundo transformou-se. Eu defendo o povo palestiniano. Ao matar o povo palestiniano, mudou toda a opinião do mundo sobre Israel. Portanto, foi criada uma imagem muito cinzenta sobre Israel. E o Khamenei recentemente enviou uma mensagem aos estudantes universitários americanos, quando o próprio Khamenei é um ditador nas guerras, tal e qual como o Netanyahu. Os iranianos também não estão felizes com aquilo que está a acontecer ao povo palestiniano, mas o regime acusa os presos políticos de serem apoiantes de Israel.