Nos 50 anos da morte de Franco, 20% dos jovens suspiram pela ditadura
Joana Rei
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As sondagens revelam que um em cada cinco jovens entre os 18 e os 24 anos consideram que o franquismo foi bom.
"Espanhóis, Franco morreu." Foi com esta frase que Arias Navarro, antigo presidente do Governo espanhol, anunciou a morte do ditador Francisco Franco, em 1975. O ditador governava o país há 36 anos, depois do golpe militar contra o Governo da Segunda República espanhola em 1936, que arrastaria o país para uma sangrenta guerra civil de três anos.
A guerra terminou com a vitória do Bando Nacional e mergulhou o país numa ditadura de 36 anos. Com a morte de Franco naquele 20 de novembro de 1975, Espanha deu entrada no período de Transição que terminaria em 1978, com a aprovação da Constituição e a consolidação da democracia.
Meio século depois, Franco saiu do Vale dos Caídos, o Governo trabalha para ilegalizar a fundação que ainda existe com o nome do ditador, mas o franquismo voltou a estar na moda. Ou, pelo menos, é o que indicam as últimas sondagens do Centro de Investigação Sociológica, que revelam que 20% dos jovens entre os 18 e os 24 anos consideram que o franquismo foi bom. E mais de 17% acham que a democracia atual é pior do que a ditadura franquista.
"Há um discurso que se entranhou de forma profunda nos jovens, o de que são a primeira geração que vai viver pior do que os seus pais. Há uma sensação de desassossego perante o presente e de falta de esperança no futuro que propicia esse olhar para o passado, onde parecia que as coisas estavam no sítio certo", explica Fernando Hernández, historiador e professor universitário.
Além das circunstâncias atuais, Hernández aponta o dedo também a um sistema educativo que nunca fez o suficiente para ensinar o que de verdade aconteceu.
"Eu sempre disse que Franco devia sair do Vale dos Caídos, mas para entrar nas aulas. O sistema educativo falhou no ensino da democracia."
A lei de memória histórica, instaurada pela primeira vez em 2007, no Governo de José Luís Rodríguez Zapatero, e reformulada em 2022, com o nome de memória democrática, estabelece que a guerra civil e o franquismo devem fazer parte, obrigatoriamente, do programa da disciplina de História. Ainda assim, muito poucas escolas do país chegam a abordar o tema durante o ano letivo.
Os conteúdos, demasiado extensos, e as escassas horas letivas dedicadas à disciplina explicam, em parte, o "buraco negro" construído à volta da guerra civil e do franquismo no sistema educativo. "Calculo que desde finais do século XX até aos nossos dias, cerca de nove milhões de cidadãos saíram da escola sem um conhecimento suficiente sobre o passado recente de Espanha."
A realidade da guerra civil e da ditadura sempre foi abordada de forma superficial e, apesar dos anos e das reformas educativas e políticas, a verdade é que nunca houve uma medida eficaz para incentivar o ensino daquele período. "Com a subida da extrema-direita foi ainda pior. Em determinadas regiões a influência da extrema-direita levou as autoridades educativas a claudicar e conseguiram impedir que se tratem os temas de memória democrática de uma forma rigorosa. Uma memória democrática que deveria ser uma memória comum - a das vítimas da ditadura e não uma determinada orientação política", lamenta.
Essa falta de acordo sobre o que é a história da ditadura espanhola permitiu a sobrevivência de uma série de mitos falsos até hoje. "Um dos mitos mais propagados é a história dos dois bandos, como se não houvesse um Governo legítimo que teve de se defender de um golpe de Estado. Ou que o número de vítimas é comparável. Quando sabemos que o lado franquista fez três vezes mais vítimas e que se prolongaram durante décadas", esclarece.
Foi para tentar desmentir estes mitos que Fernando Hernández publicou, este ano, Franco Facts, desmontando as mentiras do franquismo, uma novela gráfica e satírica que aborda a guerra civil e o franquismo de forma acessível e carregada de humor negro. "Estamos perante uma situação que foi definida como uma guerra cultural, e devemos envolver-nos e combatê-la com recursos semelhantes aos do lado oposto, de fácil leitura e muito visual. Se não, vamos perder o relato", explica.
Destinada a todos os que tiverem interesse em saber mais sobre o tema, Hernández diz que, se o livro ajudar a despertar consciências, já cumpriu o objetivo. "Sabemos que o Holocausto aconteceu porque havia três grupos de pessoas: as vítimas, que sofreram a violência, os verdugos, que executavam a violência e, depois, o grupo maioritário, os observadores passivos, que deixaram que tudo acontecesse sem fazerem nada. Queremos que alguns desses observadores se questionem algumas coisas", insiste.
Estes 20% de jovens que, sem a terem vivido, sentem uma espécie de nostalgia pela ditadura, foi, em parte, o que levou o Governo a assinalar o quinquagésimo aniversário da morte de Franco. Dentro das iniciativas programadas, estão conferências, exposições, colóquios e vários eventos educativos que pretendem levar o conhecimento do que foi a ditadura aos mais novos.
Franco morreu, mas, 50 anos depois, há uma herança pesada que ainda permanece. "Resta ainda uma tendência para a falta de envolvimento crítico com o poder. É um legado daquela época em que a ideia de que todos são iguais beneficiava, em última análise, aqueles que detinham o poder. Em segundo lugar, uma tolerância à corrupção dentro das nossas próprias fileiras. Ou seja, se a corrupção é perpetrada pelo partido que apoio, não tenho qualquer problema. O voto em Espanha está fossilizado em torno das principais opções ideológicas e, nesse sentido, não existe uma maturidade democrática que nos leve a mudar facilmente o nosso voto. E há ainda uma certa xenofobia latente", indica o historiador.
"Por outras palavras, até certo ponto, não somos uma democracia consolidada."
