"Nunca tivemos um presidente, nem Hollande nem Sarkozy, com um corte tão real com a população. Esta semana, ninguém viu Macron"
Hermano Sanches Ruivo, vereador na Câmara de Paris. É formado em Direito internacional, militou no movimento associativo. Presidiu a Associação Cap Magellan, a maior associação de jovens lusodescendentes na Europa. Preocupado com o futuro de França, mas esperando que a extrema-direita não consiga a maioria absoluta.
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Hermano Sanches Ruivo, o que é que pensa que pode acontecer este domingo?
Podemos evitar uma maioria absoluta da extrema-direita, e porque de facto estamos a falar de caso a caso, os que já foram eleitos deixam agora um espaço menor de uma certa forma para se chegar a essa maioria absoluta. Mas é preocupante porque sabemos que uma grande parte dos eleitores da direita republicana, apenas um terço, irão votar para um candidato de esquerda que pode fazer barragem à extrema-direita. Essa mesma percentagem sobe a 50% para os macronistas, os apoiantes do presidente Macron, e a esquerda já aumenta em 70% a 75% dos seus a aceitarem votar para a direita republicana, quando se trata de lutar contra a extrema-direita.
Pareceu-lhe suficiente o número dos 200 e poucos, que aceitaram retirar a candidatura?
Sim, porque é realmente consequente, é a única forma de nós nos afastarmos da maioria absoluta. É preocupante porque vê-se mesmo que a sociedade francesa está profundamente fraturada, e que de alguma forma, e pode parecer paradoxal, mas para um grande número da população, o partido que mostra futuro, ou que dá o sentimento de poder dar algum futuro, é a extrema direita. E nós aqui vemos que o deslize foi total, essa ausência dos partidos republicanos, o corte nessa ligação com a população, deixou a possibilidade, nessa política de normalização da União Nacional, deixou o sonho para o lado dos extremos.
E isso começa com a chegada, de certa forma, esse vazio de alguns partidos, começa com a chegada ao poder de Emmanuel Macron, que ocupa o centro, de alguma forma, sendo quase uma espécie de eucaliptal, quer para o centro-direita, quer para o centro-esquerda?
Claramente, em 2017, quem estava previsto ganhar as eleições era a direita republicana, uma espécie de alternância um tanto habitual. A estrela Macron rebentou, de facto, com todos esses preconceitos e deu a entender que seria possível, numa França que é geralmente e tradicionalmente, dirigida pelo centro-direito ou pelo centro-esquerda, deu o sentimento que esse centro podia ser realmente a força do futuro e trazer a si uma série de boas-vontades. Foi realmente o que aconteceu. Só que não teve as consequências que se podiam imaginar, e uma das primeiras foi enfraquecer a esquerda de forma muito forte; o Partido Socialista ia desaparecendo naquela altura, mas também, de alguma forma, começar a enfraquecer de forma duradoura o Partido Republicano, cujo trabalho era também, por exemplo, estancar com a extrema-direita. O facto desse Partido, pouco a pouco, ficar mais fraco fez com que, de facto, o Emmanuel Macron, tanto em 2017 como em 2022, acabou por utilizar a mesma fórmula: ‘eu tenho solução, eu tenho programa, e ainda por cima, eu sou quem pode travar o aumento da extrema-direita’. A certa altura, já só era isso. Aumentar o descontentamento e agora está a pagar essa fatura de forma muito clara. Nunca tivemos um presidente, nem o Hollande, nem o Sarkozy, com um corte tão real com a própria população. Nesta altura, vejamos, nesta semana, ninguém viu o presidente Macron. Isso já diz muito sobre um sentimento que é geral em França.
Enquanto na extrema-direita, na União Nacional, temos agora um rosto jovem de Jordan Bardellá e sabemos que Marine Le Pen está nos bastidores e também continua a mandar, e será provavelmente a candidata presidencial em 2027, temos no centro um presidente com uma grande crise de popularidade, no centro-direita não há propriamente um líder que se afirme forte, e à esquerda também não. Ou seja, Melenchon já não é, e tem sido de alguma forma, a própria Nova Frente Popular que tem tentado acantonar um pouco Melenchon, e se calhar pessoas como Rafael Glucksmann ainda não têm essa projeção…
Sim, claramente. Nós temos, primeiro, uma passagem de gerações, só que alguns dos mais novos chegaram demasiado cedo ao poder. É realmente uma das problemáticas e das fraquezas do Emmanuel Macron. Chega a presidente da República Francesa, com menos de 40 anos, nunca foi eleito em nenhum cargo, nunca teve essa experiência de terreno, esse confronto direto com a própria população. Ao mesmo tempo que, de facto, as camadas mais antigas, tanto o Melenchon, como o François Bayrou, por exemplo, ou os diferentes tenores da direita francesa, não houve essa passagem de testemunho e estamos agora nessa incoerência, de uma certa forma, de termos, por exemplo, o Rafael Glucksmann, que é uma das forças, mas que também não está somente ligado ao Partido Socialista e que é uma cara ligada à União Europeia, ao Parlamento Europeu. Portanto, a voz que ele pode ter junto da sociedade francesa está cada vez mais forte, mas não a ponto de ser considerado como um homem político francês, mas como um homem político francês dentro da realidade europeia. Portanto, não há solução. De facto, é um bocado essa a problemática. Cada vez mais há gente que pede que uma das resoluções possa ser o facto de Macron renunciar e sair mais cedo, anular essa presidência que ainda tem três anos pela frente. Mas o que ele pensa é: estamos num sistema presidencialista onde o presidente tem uma série de poderes, e vai procurar, junto de todos esses partidos, pessoas de boa vontade para formar um governo, uma espécie de união nacional republicana, para poder continuar a trabalhar. Mas é tudo menos seguro, porque, de facto, as consequências, tanto em termos internos como externos, tornam essa tarefa cada vez mais difícil.
É correto dizer-se que a comunidade portuguesa em França vota sobretudo na União Nacional?
A esmagadora maioria da comunidade portuguesa não vota na extrema-direita. Não vota. Agora, há muitos dos nossos, alguns até podiam dizer demasiados, que votam na extrema-direita, a pensarem que quando a imigração, a segurança, todas essas temáticas que cristalizam uma parte da decisão dos eleitores, quando se fala de imigração não se fala dos portugueses, não se está a falar dos portugueses. E está-se a falar do Magreb e de África, ou está-se a falar da Ásia. E aí é que há um erro, claramente, por parte dos nossos. O sentimento que eles têm é que nós respeitámos as regras, os nossos pais chegaram nos anos 70, participaram da sociedade francesa, numa altura em que outros não a respeitaram da mesma forma. O problema é que fala-se muito dos ideais da extrema-direita, não se fala das consequências da implementação de um programa em termos económicos, como em termos sociais. Uma parte dos nossos que pensam estar protegidos, vão encontrar-se na primeira linha, os binacionais.
Os portugueses pensam estar sob abrigo, mas estão a viver, como os restantes franceses, num país que está enfraquecido, em termos internos como em termos externos. E essa é toda a força da extrema-direita, que consegue fazer sonhar e nunca refletir sobre quais as consequências da implementação concreta de um programa. Portanto, estamos num processo em curso, em muitos aspectos, e é por isso que é preciso também ficar muito alerta sobre o que é que se pretende fazer. Relembro que o modelo da Marine Le Pen é o Victor Orbán. Portanto, é o mudar das instituições, é o atacar vários nichos de direitos para, supostamente, falar de deveres, mas acabamos todos por sofrer. É uma sociedade, na sua totalidade, que depois fica a ter que seguir as decisões que foram tomadas. E um dos riscos, por exemplo, é claramente o ataque ao Conselho Constitucional, porque uma grande parte das propostas da extrema-direita francesa nesta altura são, pura e simplesmente, anticonstitucionais.