O mundo ainda é um sítio perigoso. Os países onde os Direitos Humanos são uma miragem
Setenta anos depois da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o mapa está ainda cheio de países pintados a negro. São Estados onde há detenções arbitrárias, violações como arma de guerra, assassinatos de opositores e outros abusos.
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O nome de Jamal Kashoggi saltou para as primeiras páginas dos jornais quando, a 2 de outubro, entrou no consulado da Arábia Saudita em Istambul e nunca mais saiu. O jornalista saudita, exilado nos Estados Unidos, foi morto por operacionais do país de origem num caso que terá envolvido o príncipe herdeiro Mohammed Bin Salman.
Os detalhes da operação chocaram o mundo, mas, mesmo assim, a importância dos negócios com a Arábia Saudita fez com que a maioria dos países, que vemos como defensores dos direitos humanos, não tenha tomado qualquer medida contra Riade.
Também este ano, Razan al-Najjar, uma jovem médica palestiniana, foi morta a tiro por soldados israelitas. Ela estava como voluntária a acompanhar os protestos junto à fronteira entre Gaza e Israel e foi morta quando corria em direção à vedação para ajudar um ferido. Razan al-Najjar tinha 21 anos.
Na Ucrânia, Kateryna Handzyuk morreu três meses depois de ter sido atacada com ácido. Era uma ativista contra a corrupção e a favor da democratização do país, conhecida por ser muito frontal e não aceitar compromissos que colocassem em causa os valores que defendia.
Estes são apenas três exemplos mais mediáticos, mas, em 2018, centenas de ativistas foram mortos um pouco por todo o mundo. Se estes são casos isolados, há situações em que a dimensão da violação dos direitos humanos se torna ainda mais dramática.
A China é um dos nomes habituais nos relatórios sobre desrespeito pelas vidas dos cidadãos. Este ano, a minoria uigure voltou a ser notícia. Entre um a três milhões de pessoas estão presas em campos de reeducação apenas porque são muçulmanas. Para além dos que estão detidos, os uigures em liberdade estão sujeitos a um sistema de vigilância que inclui câmaras colocadas em casas e bairros, redes de espiões locais, recolha de dados biométricos e tecnologias de reconhecimento de voz e rosto.
No início do ano, as autoridades chinesas retiraram os passaportes à maioria dos membros desta etnia, proibiram-nos de dar nomes muçulmanos aos filhos e obrigaram-nos a instalar uma aplicação nos telemóveis que permite às forças de segurança saber que sites as pessoas visitam e ver o conteúdo das mensagens de SMS.
Recentemente, uma mulher que sobreviveu aos campos, testemunhou perante o congresso dos Estados Unidos. Contou que, no momento da detenção, a separaram dos três filhos e só soube que o mais novo tinha morrido quando foi libertada. Enquanto esteve detida foi torturada e obrigada a renunciar à religião muçulmana. Explicou ainda que, por exemplo, quem não consegue decorar o livro de ensinamentos e citações em 14 dias, fica sem comida e é alvo de espancamentos.
A campanha contra os uigures, que são muçulmanos, agravou-se desde que Xi Jinping chegou ao poder. O Presidente justifica a repressão com a necessidade de combater o terrorismo islâmico e o "vírus ideológico" do separatismo. Xi não quer nem as Nações Unidas, nem as organizações de defesa dos direitos humanos, envolvidas nesta causa que classifica como problema interno.
O mais recente país do mundo tem os primeiros anos de existência marcados por vários atropelos aos direitos humanos. No Sudão do Sul, a violência sexual está a ser usada como arma de guerra. Entre os dias 19 e 29 de novembro, mais de 150 mulheres e meninas foram violadas, chicoteadas, espancadas e roubadas por homens vestidos à civil e com uniformes. O grupo dirigia-se para um centro de distribuição de comida, numa zona controlada pelo Governo, quando foi atacado.
Infelizmente, este não é caso único. Recentemente um grupo de peritos das Nações Unidas publicou um relatório onde afirma que centenas de mulheres e raparigas, algumas com menos de 10 anos, têm sido raptadas e usadas como escravas sexuais tanto pelos soldados governamentais como pelos rebeldes.
Ainda em África, a situação na Eritreia é desconhecida por muitos. Conhecido como "a Coreia do Norte africana", o regime da Frente Popular por Democracia e Justiça não admite dissidências. Seis milhões de pessoas vivem num dos países mais pobres do mundo e é daqui que sai o maior número de refugiados do planeta.
No país nunca houve eleições, não existe imprensa livre, ninguém pode circular entre cidades sem um visto e as fronteiras com os países vizinhos estão totalmente encerradas. A Eritreia tem ainda um regime de participação forçada no serviço militar a partir dos 18 anos. A lei determina que esse serviço deve durar 18 meses, mas a maior parte das vezes vai mais além e em alguns casos é até ao final da vida. Um relatório da Human Rights Watch garante que muitas vezes esse serviço militar é acompanhado de abusos físicos e as mulheres são tratadas como empregadas domésticas e escravas sexuais dos comandantes.
Em 2012, a jovem Ciham Ali Ahmed, com 15 anos, decidiu fugir do país para escapar ao serviço militar. Foi detida e, seis anos depois, ninguém sabe dela. As autoridades nunca a acusaram de qualquer crime e não informaram a família do local onde está detida. Como muitos milhares de eritreus, Ciham pode estar viva ou morta. Ela é filha de um antigo ministro da Informação, um dos homens de confiança do presidente Isaias Afwerki, que fugiu do país quando o regime se tornou mais autoritário.
Sempre que a família tenta saber da jovem, hoje com 21 anos, a resposta é a mesma: o caso dela está entregue ao presidente e ninguém sabe de nada. Ciham apenas desapareceu.
Um nome menos habitual na lista de países que violam os direitos humanos é a Austrália, mas a forma como tem tratado os refugiados colocou-a na lista negra. Desde 2013, Camberra envia todos os homens, mulheres e crianças que pedem asilo para a ilha de Nauru, no Pacifico. As condições nos centros de acolhimento são deploráveis e, em 2018, surgiram noticias de tentativas de suicídio entre as crianças.
Os refugiados e requerentes de asilo queixam-se de que a população local os trata mal e, muitas vezes, são roubados. A assistência médica nos centros de acolhimento não é adequada e não há qualquer apoio psicológico para pessoas que sofrem de stress pós traumático, depressão e ansiedade.
Este ano, um rapaz de 11 anos foi internado depois de ter estado em greve de fome durante duas semanas. Este menino iraniano, detido com a família há cinco anos, tentou matar-se em janeiro com uma overdose de medicamentos, depois, enquanto esteve no hospital, tentou enforcar-se numa cortina. Este e outros casos desencadearam uma campanha internacional que levou a Austrália a aceitar transferir as crianças para território nacional. Quase a chegar ao final de 2018, ainda há, no entanto, menores nos campos de Nauru.