"O Paquistão nunca aceitará ser dominado qualquer potência regional; queremos viver em paz, mas com dignidade."
O Paquistão garante estar interessado em manter o cessar-fogo com a Índia, mas não acredita que o vizinho o queira. E sobre o recente conflito entre os dois países nucleares, o embaixador em Lisboa não tem dúvidas: "somos um país mais pequeno e com exército menor, mas saímos vitoriosos", afirma Muhammad Khalid Ejaz.
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Embaixador Mohammed Khalid Ejaz, obrigado por nos receber. O Fundo Monetário Internacional reviu em baixa a previsão de crescimento do PIB do Paquistão para o ano fiscal de 24-25 para 2,6% em comparação com a projeção anterior de crescimento de 3,2. A revisão ocorre no meio de uma atividade económica mais fraca no primeiro semestre do ano fiscal e da atual situação global. Mas a minha pergunta vai além disso: o que é que está mal na economia do seu país?
Na verdade, o Paquistão enfrentou problemas tremendos, por causa da escassez de energia e da dívida circular. O Paquistão tentou produzir, fez certos contratos com produtores internacionais de energia, e então isso acumulou-se e ficámos presos numa dívida circular; então, o fornecimento de energia foi gravemente prejudicado. O Paquistão teve inundações devido às mudanças climáticas, o país não estava tão preparado para tais calamidades, então as inundações também afetaram a escassez de água. E essas mudanças climáticas, é por isso que o Paquistão está a defendender a mitigação e... alguma compensação para os países que não são os verdadeiros emissores de gases de carbono. O Paquistão é um desses países. Em terceiro lugar, também temos uma alta taxa de crescimento. A população está a crescer muito depressa. Além disso, como sabe, devido ao pós-COVID, a economia do Paquistão enfrentou certos desafios devido a múltiplos fatores e à arena internacional. No último ano, o Paquistão embarcou em reformas estruturais.
E agora pode ver que as taxas de juros caíram drasticamente nos últimos 3 ou 4 meses. A inflação também caiu e a taxa de desemprego também. Portanto, estamos numa trajetória ascendente, vamos no bom caminho. E isso deve-se em parte às reformas económicas levadas a cabo pelo governo do Paquistão.
O vice-primeiro-ministro e ministro dos Negócios Estrangeiros do Paquistão, Mohammad Ishaq, estão de visita à China. Ele está lá para pedir apoio militar da China para que o Paquistão esteja mais preparado para enfrentar outra crise noutro confronto com a Índia?
Como você sabe, o Paquistão tem uma amizade duradoura com a China, temos uma relação estratégica com a China. Somos vizinhos e, além de parceiros económicos, também temos uma relação estratégica. Portanto, num plano mais amplo, sempre queremos paz e estabilidade na região. Queremos discutir com os nossos amigos, países da região, não apenas com a China, mas também com a Turquia, o Irão, a Arábia Saudita e o Qatar. Portanto, continuamos profundamente engajados com os países da região, mesmo com o Bangladesh temos uma relação ótima. Essas consultas fazem parte do nosso relacionamento contínuo com a comunidade internacional, especialmente com os nossos vizinhos e com o que chamamos de "Irmãos de Ferro", e a China também é um nosso irmão de ferro.
A China diz que a China e o Paquistão são parceiros cooperativos estratégicos para todas as condições climáticas. O que isso significa? Parceria cooperativa estratégica para todas as condições climáticas?
Sabe, existem alguns relacionamentos que são transacionais, ou seja, se algum problema surgir no mundo, se houver alguma guerra, alguns países aproximam-se com base em realidades específicas, como quando aconteceu o 11 de Setembro. O Paquistão voltou a ser o queridinho do Ocidente porque os países ocidentais queriam entrar no Afeganistão. Durante a era da Guerra Fria, o Paquistão era o aliado mais forte do mundo ocidental. Como sabe, para lutar contra o comunismo, o Paquistão foi considerado um baluarte. Mas, com o fim da União Soviética, o relacionamento com alguns dos países, como os EUA, não se conseguiu manter no mais alto nível naquela época. Mas, como vemos com a China, independentemente da mudança de governo no Paquistão, da mudança de regime, a amizade continua e é uma visão de longo prazo dos dois países, de uma região pacífica e amiga. E do bem-estar dos povos de ambos os países. Portanto, essas relações baseiam-se nisso. É por isso que dizemos que o nosso relacionamento é para todas as condições climáticas; esta amizade significa que, se o clima mudar, nós não mudamos.
Ao mesmo tempo, a China é, de alguma forma, um seguro de vida para o Paquistão, no caso de uma guerra total com a Índia?
Na verdade, seguro de vida, eu discordo. É a nossa determinação nacional, a nossa nação e a nossa fé em Alá, que nos dá a garantia. Sabe, por exemplo, com o melhor da tecnologia que tínhamos. Mesmo na atual agressão da Índia contra o Paquistão, mesmo com o melhor da tecnologia que eles tinham o melhor da tecnologia, mas o treinamento, a preparação, as manobras, o planeamento e a força da nossa nação provam que saímos vitoriosos. Nós saímos vitoriosos. Como um país vitorioso, apesar dos nossos menos recursos humanos, apesar dos nossos exércitos, a nossa Força Aérea e a marinha serem menores que as do nosso vizinho, e eles tinham mais arsenais do que nós, eles tinham mais aviões e jatos. Mas sim, os amigos são importantes. Também contamos com os nossos amigos nos EUA e o presidente Trump desempenhou um papel importante em desviar a sua atenção para aquela região e trazer o cessar-fogo. Então, nós, como país, gostaríamos de ter parcerias com países europeus, com a União Europeia, bem como com Portugal, porque também temos, sabe, amizade com Portugal “all weather”, portanto em todas as condições climáticas.
Acredita num cessar-fogo duradouro, senhor Embaixador?
Gostaríamos que houvesse um cessar-fogo duradouro na região e que fosse abordada a questão central que leva os dois países à beira da guerra. As causas principais são o diferendo de Caxemira, no qual já travámos várias guerras entre nós. Mais uma vez, o incidente ocorreu em Jammu-e-Caxemira, ocupada ilegalmente pela Índia. Agora aconteceu outra vez. A Índia tornou-se seu próprio promotor, juiz, júri e carrasco e decidiu unilateralmente, atacar o Paquistão. Mesmo assim, a Índia não conseguiu apresentar qualquer prova ao organismo internacional que pudesse satisfazer, não aceitou a nossa oferta de investigação neutra por agências neutras, países neutros, peritos neutros. Por isso, apesar da nossa oferta, a Índia decidiu atacar o Paquistão e, quando atacou, esperámos algum tempo e, depois, a Índia foi ainda mais além. Quando os civis foram atacados, as crianças e as mulheres foram atacadas e os locais de culto foram atacados pela Índia, chegou um momento em que os avisámos de que daríamos uma resposta adequada. E quando a resposta adequada do Paquistão chegou, abatemos 6 caças, incluindo o Rafal, e provocámos muitos outros danos; o que sentimos é que queremos um cessar-fogo permanente e uma solução regional e paz na região.
Mas como se pode ver, ainda hoje, em Portugal, se quiser ver, há uma faixa na Embaixada da Índia em Lisboa que diz que a Operação Sindoor continua. Isso significa que eles não acreditam no cessar-fogo. Sindoor foi o nome dado por eles, que eles utilizaram para atacar o Paquistão. Portanto, domingo houve um protesto de alguns grupos caxemirenses à porta da Embaixada da Índia. Quando os manifestantes saíram, a embaixada indiana apressou-se a colocar 2 ou cartazes que diziam que as operações Sindoor continuavam. Significa que não acreditam que haja um cessar-fogo e que esse cessar-fogo pode ser quebrado, é assim que o posso interpretar, mas você pode interpretar à sua maneira quando sair do meu gabinete, pode ir ver o que dizem as faixas, para que possa ajuizar por si próprio. Queremos que as pessoas de Portugal julguem. E vejam quem acredita no cessar-fogo e quem diz que a guerra continua.
De facto, já vi esses cartazes. Mas não falou com o seu colega da embaixada indiana, o seu homólogo, Puneet Kundal?
Na verdade, não tive oportunidade porque a temperatura estava um pouco elevada, penso que porque os caxemires tinham trazido alguns cartazes e faixas e fizeram alguns discursos à porta da embaixada indiana, aos quais assisti mais tarde e depois a informação foi-me chegando. Ontem à noite fui convidado por alguns dos imigrantes de Caxemira para um restaurante. Então disse-lhes isso. Graças a Deus, mostraram a máxima contenção apesar das provocações de certos elementos. Eles disseram-me, eu não tenho conhecimento verificado, mas disseram-me que algumas pessoas do lado indiano tinham entrado no protesto e estavam a tentar sabotar o protesto e entregaram-nos. Essas pessoas, ou talvez uma delas, foram entregues à polícia. E eu digo que sim, isso é bom. Não devem tomar a lei, sabem, nas vossas mãos; a lei deve prevalecer e devem manter as vossas actividades dentro dos limites. Eu não fazia ideia se eles estavam a fazer isso. Mas descobri através dos tweets de certos grupos e canais noticiosos da Índia que houve alguns protestos e agora querem continuar com esta Operação Sindoor. Por isso, fiquei muito preocupado. Falei com os meus colegas aqui para manter a temperatura baixa. Estou a tentar acalmar as pessoas, a minha comunidade e a comunidade de Caxemira, para que não se deixem provocar por este tipo de slogans. E sei que os nossos amigos portugueses são muito sábios. Eles dar-lhes-iam bons conselhos, com base na sua opinião, sobre se estas acções devem continuar ou parar. Cabe ao Governo português dizer.
Mas conhece, pessoalmente, o embaixador indiano…
Sim, eu sei que ele é uma pessoa maravilhosa. É um bom homem. É um bom amigo, encontramo-nos e concordámos que, a nível pessoal, devíamos continuar a falar um com o outro. Devemos, por vezes, na linguagem diplomática, encontrarmo-nos, cumprimentarmo-nos. Nós, sabe, como seres humanos, como companheiros embaixadores, tenho uma óptima relação com ele e ele próprio é um tipo maravilhoso, é realmente uma boa pessoa.
Referiu-se a este caso da manifestação no passado domingo à porta da Embaixada da Índia. Segundo se vê numa página do Facebook, alguns dos promotores desse protesto estiveram aqui na embaixada consigo na noite anterior. Por isso, dizem que o protesto foi organizado pela embaixada do Paquistão...
Na verdade, vim a saber deste protesto apenas no domingo e durante todo o dia fiquei na minha residência a descansar um pouco; e aos sábados também estamos desligados; nós não abrimos a nossa embaixada e não fazemos negócios públicos ao sábado. Por isso, se fizerem esta avaliação de que no sábado vieram algumas pessoas, posso garantir-vos que eu ou os funcionários da minha embaixada não nos encontrámos, porque a embaixada está oficialmente fechada. Diariamente, mesmo quando terminar consigo esta entrevista, as pessoas da minha comunidade vêm para resolver os seus problemas, alguns deles com várias autoridades, alguns assuntos pessoais, outros para fins educativos. Por isso, encontramo-nos com eles. Mas estes promotores, os caxemires, têm uma longa história e organizam-se à sua maneira. Nós não temos nada a ver com isso e, como embaixada, mantemo-nos afastados de todas essas actividades.
Acabei de ler no jornal Pakistan Today que o tenente-general Hamid Sharif Chaudhary, diretor-geral das relações públicas dos Inter-serviços afirma que o Paquistão não aceitará qualquer forma de domínio regional. Diz que o Paquistão é um país amante da paz, mas qualquer ato de agressão indiana será objeto de uma resposta rápida e decisiva. A minha pergunta é: porque será que o Paquistão faz este tipo de coisas? Parece-lhe que esta linguagem ressoa como linguagem de paz ou como uma atitude de paz, ou é uma linguagem destinada mais para prosseguir o confronto?
Muito obrigado por ter trazido esta questão tão importante. Para os que acompanham os media internacionais, podem ver esta questão da manifestação em Portugal por 200 ou 300 ou 400 paquistaneses e da diáspora de Caxemira, para a qual fui reencaminhado por pessoas que me ligaram aos canais Hindi, porque o Hindi eu consigo entender bem, porque é muito próximo da minha língua materna, a nossa língua nacional, o Urdu. Por isso, fiquei espantado ao ver que se tratava de uma questão muito pequena. Uma pequena manifestação no exterior da embaixada foi, sabe, exagerada para fora das suas proporções em Portugal. Isto também mostra que estas questões muito pequenas podem crescer se forem alimentadas pelas pessoas.
Voltando à sua pergunta inicial, o Paquistão é um país mais pequeno do que a Índia. A nossa população, as nossas dimensões militares, a nossa economia, somos uma nação pequena e, mais uma vez, apenas defendemos a nossa soberania. Porque encontrámos uma agressão, mas eles afirmam que atacaram 9 locais, não só em Caxemira, mas também dentro das fronteiras internacionais de um país soberano que, assim, foi atacado. E eles foram o próprio promotor de justiça. Fizeram algumas alegações contra o Paquistão. Eles foram o juiz e o júri, e foram também o carrasco. Por isso, como é que um país que quer dominar uma região pode ser aceite? Por isso, enquanto nação, rejeitamos a afirmação da Índia de que quer dominar esta região. E isto tornou-se muito claro para a comunidade internacional: o Paquistão nunca aceitará o domínio de qualquer potência regional ou de qualquer potência. Queremos viver em paz, mas também queremos viver com dignidade. A dignidade é a nossa alma. Por isso continuaremos a levar essa dignidade a toda a nação de 240 milhões de paquistaneses, apoiando-os na sua união. Todas as divisões políticas foram abolidas e todas as pessoas se juntaram e apoiaram o nosso exército, a nossa Força Aérea, a nossa Marinha. E nós, como nação, o que eu disse anteriormente é que a determinação nacional e a fé em Alá é mais importante do que qualquer outra coisa. Caso contrário, conhecem a tecnologia. Se virem as tecnologias, não há muita diferença entre os dois exércitos ou a Força Aérea. Mas se o Paquistão abateu 6 aviões ou caças da Índia, não houve perdas para nós, isso mostra claramente que o nosso exército é bem treinado e engenhoso e que tem uma boa gestão. Mas aceitámos o cessar-fogo mediado pelo Presidente Trump e por outros intervenientes internacionais e queremos manter esse cessar-fogo. Não queremos dominar a região, queremos viver em paz com todos os nossos vizinhos.
Existe uma doutrina nuclear no Paquistão. Por isso, pergunto-lhe se o seu país exclui a utilização de armas nucleares tácticas para responder a um eventual ataque militar convencional forte da Índia?
Como Estado responsável pela posse de armas nucleares, o Paquistão mantém os seus acordos bilaterais com a Índia nos domínios nuclear e estratégico, como prova a notificação prévia emitida à Índia antes do teste de mísseis de 3 de maio de 2025. Testámos um míssil não nuclear e para estes testes de mísseis, avisámos a Índia com antecedência. Não se tratava de mísseis nucleares, mas de mísseis. Por isso, avisámo-los de que estávamos a testar o míssil. Porquê? Porque entre a Índia e o Paquistão existe um acordo de notificação prévia de testes de mísseis balísticos. Então, nós mantemos todos os acordos que temos com a comunidade internacional e com a Índia. E o Paquistão não deseja entrar numa competição nuclear com a Índia. Ou qualquer outro país. O Paquistão foi o primeiro país a desenvolver armas nucleares no Sul da Ásia. Foi depois de 1974, quando a Índia, em 1974, efectuou testes nucleares. Por isso, o Paquistão apresentou várias propostas para manter o Sul da Ásia livre de armas nucleares e de mísseis. Como todas essas propostas foram rejeitadas pela Índia, o Paquistão viu-se obrigado a desenvolver a sua capacidade nuclear, que se destina apenas à auto-defesa. As capacidades estratégicas do Paquistão destinam-se a defender a sua soberania, bem como a preservar a paz e a estabilidade no Sul da Ásia.
Pode garantir que, por exemplo, o ISI (serviços secretos paquistaneses) não tinha conhecimento prévio do ataque que estava a ser preparado a Pahalgam, em Caxemira?
O Paquistão afirmou categoricamente que as instituições estatais paquistanesas ou o Paquistão não estavam envolvidos em nada disso. Se a Índia tem alguma prova, deve fornecê-la ao Paquistão. Se a Índia tiver alguma prova, deve fornecê-la ao Paquistão, se não estiver disposta a fornecê-la à comunidade internacional ou aos investigadores internacionais. Só então o Paquistão pode responder. Estes são os nossos pontos de vista. Por isso, não devemos basear-nos apenas em conjecturas: “Oh, descobrimos algo parecido com o que aconteceu no passado ou supomos que sim’. Como é que se pode atacar um país soberano com base nisso? Se isto se tornasse uma norma, se o país soberano fosse atacado e a agressão fosse feita com base em conjecturas baseada em conhecimento a priori, baseado em suposições, então acha que haveria paz no mundo? Não haveria paz no mundo com isso. Por isso, a Índia tem de exercer contenção em todas estas questões. Porque é que há protestos dentro da Índia contra a política hindu que tornou a vida das minorias miserável em toda a Índia, bem como a vida dos muçulmanos e de Caxemira, por causa deste castigo coletivo. Porquê esta perseguição aos muçulmanos em Caxemira, as suas casas estão a ser demolidas. Porquê? É suposto eles receberem o castigo coletivo? Porque é que as suas mesquitas estão a ser queimadas? Porque é que as suas mulheres estão a ser molestadas na Caxemira ocupada pela Índia depois do incidente de Pahalgam, e porque é que tantas pessoas estão desaparecidas pelas forças de segurança na Caxemira ocupada pela Índia depois do atentado. Estas acções dizem que a Índia merece um lugar no Conselho de Segurança da ONU? Não! Têm de se comportar de forma responsável. É por isso que exorto todos os intervenientes internacionais a estarem atentos a qualquer tipo de reforma no Conselho de Segurança, ao comportamento dos indianos, não apenas ao seu comportamento anterior e ao seu historial em matéria de direitos humanos. Deve ser discutido por todos. Não é a minha versão. A Índia tem de permitir que observadores internacionais vão ver e relatar o que se passa na Caxemira ocupada, tal como jornalistas como o senhor devem ir ver como estão a aplicar castigos colectivos aos muçulmanos da Caxemira com base na sua fé.
Poderia fazer reportagem de ambos os lados?
Sim, autorizamos abertamente todos os jornalistas e damos-lhes segurança e dizemos-lhes para irem ver o nosso lado. Os territórios do Paquistão em Caxemira (Pakistan Azad Kashmir) estão totalmente acessíveis aos meios de comunicação social para verem e reportarem. Se quiserem ir, eu posso tratar disso, vocês ou qualquer outro meio de jornalista de Portugal. Se quiserem ir, nós podemos facilitar-lhes o acesso e vocês vão ver onde querem ir. Nós levamo-los, porque não temos medo. Por outro lado, há um grupo de observadores militares das Nações Unidas entre a Índia e o Paquistão. Têm acesso total ao interior do Paquistão e ao lado paquistanês de Caxemira mas enfrentam muitas dificuldades na Caxemira ocupada pela Índia. O governo indiano chegou mesmo a criar problemas. Eles têm um mandato para trabalhar lá há mais de 70 anos. O governo indiano não permite o acesso total à Caxemira ocupada porque receia que estes abusos e violações dos direitos humanos sejam denunciados.
Mas como é que comenta as actividades e as acções levadas a cabo por grupos como o Lashkar-e-Taiba e do Jaish-e-Mohammed? Qual é o papel das autoridades paquistanesas relativamente a esses grupos?
O Paquistão tomou medidas contra todas as organizações proscritas. Achamos que o terrorismo e os terroristas não têm religião. Nós acreditamos na humanidade, por isso somos as vítimas; o Paquistão é a maior vítima do terrorismo. Nos últimos 10 anos, mais de 75 mil pessoas foram mortas no Paquistão devido a actividades terroristas orquestradas e apoiadas pela Índia e por outros grupos. Somos, portanto, vítimas do terrorismo e, por isso, cooperamos com a comunidade internacional e queremos continuar a cooperar com a comunidade internacional para nos livrarmos do flagelo do terrorismo na região. Esta a nossa política declarada.
Não seria a primeira vez que o Paquistão abrigaria um grupo terrorista, como aconteceu com a Al-Qaeda…
Nós não damos guarida a grupos terroristas. A Al Qaeda foi apoiada, como sabe muito bem, na altura, devido à necessidade de lutar contra a União Soviética. E não é só o Paquistão. O Paquistão nunca os apoiou de forma tão clara, pelo contrário, fizemos parte de uma coligação internacional liderada pelos EUA. Provavelmente, era essa a estratégia da altura. Temos cooperado com os EUA e com todos os países ocidentais para prender muitos dos terroristas ou dos chamados terroristas e para que possam ser levados à justiça e a responder perante o estado de direito.
Devido ao fim da presença americana no Afeganistão, os EUA não perderam o interesse no Paquistão?
Na verdade, a Europa tem uma longa história de amizade com o Paquistão e os EUA também. E continuamos a ter muitos interesses comuns na arena internacional. O maior parceiro comercial do Paquistão são os EUA. Exportamos muito para os EUA. A nossa balança comercial também é positiva com os EUA e, como sabem, temos uma enorme diáspora. A diáspora paquistanesa é de 1,8 milhões de paquistaneses vivem nos EUA e muitas pessoas vão para os EUA para fins de formação académica. Eu também tirei o meu curso nos EUA. Por isso, a maioria dos paquistaneses que podem pagar, gostariam de ir para frequentar uma universidade americana. Temos uma enorme cooperação com os EUA. Por isso, queremos continuar a nossa relação e queremos mesmo reforçá-la. É por isso que, quando o Presidente Trump disse que mediou o cessar-fogo, deve ter visto isso, mencionou especialmente que ele quer ter mais comércio com o Paquistão. Também quer ter mais comércio com a Índia. Por isso, estamos muito satisfeitos com essa política e a sua oferta de mediação sobre Caxemira é uma excelente opção. A Índia tem de a aceitar, para que a paz regional seja assegurada.
Acha que isso pode haver uma solução política entre os vossos dois países para evitar outra crise?
Definitivamente, as soluções são sempre políticas. Os diálogos são sempre necessários. Ou se dialoga antes da guerra, durante a guerra ou depois da guerra. Eu sou um diplomata. Acreditamos no diálogo e no diálogo pacífico. Mas há uma coisa muito importante que quero sublinhar. Temos um tratado internacional com a Índia sobre as nossas águas que se chama Tratado da Água do Indo. Foi mediado pelo Banco Mundial nos anos 60, pelo que o tratado funcionou muito bem desde 1961 até hoje, e dispomos de um mecanismo para resolver as diferenças. Existem comissões intergovernamentais e tudo o mais. E assim foi. Portanto, todo o tratado funcionou bem durante as nossas guerras activas em 1965, 1971 e outras, mas a Índia decidiu agora manter unilateralmente este tratado internacional sobre a água em suspenso.
Qual é o impacto disso no Paquistão?
Estamos a avaliar o impacto porque, como sabem, vocês também são um país ribeirinho inferior. A vossa água também vem de outro país, como nós. Nós também somos um país ribeirinho inferior. O Bangladesh também é um país ribeirinho inferior. Por isso, os países ribeirinhos inferiores são mais vulneráveis. Se a água for retida durante algum tempo e a água for lançada de repente, haverá inundações. Uma das nossas instalações de água também foi danificada nesta agressão da Índia. Por isso, somos muito vulneráveis. Mas, mesmo assim, respeitamos as nacionalidades e queremos que a Índia respeite todos os instrumentos e tratados relacionados com a água. E se tiver algum problema, pode recorrer ao mecanismo já especificado nesses tratados. Mas colocar em suspenso, unilateralmente, um tratado sobre a água entre dois países soberanos é inaceitável.
Então, na sua opinião, a Índia está a usar a sua posição natural em relação a estes recursos como uma arma de guerra?
A utilização da água como arma é, na minha opinião, um crime. Ou seja, usar como ameaça a água da qual 241 milhões de pessoas no Paquistão dependem para viver. Também temos uma agricultura enorme e a nossa agricultura depende da água. Por isso, as pessoas estão muito nervosas e muito preocupadas com o que poderá acontecer se a água for desviada ou se houver inundações. Por isso, como vizinhos, devemos conhecer os limites. Isto é, de facto, usar a água como arma de guerra. A Índia está, sabe, está a ultrapassar o limite. E acho que… insisto para que países como Portugal, os vossos peritos, os vossos cidadãos, vão ver quais são as implicações mais amplas desta espécie de ação unilateral da Índia. Portugal tem uma boa influência nos nossos países, pelo que pode utilizar os seus bons ofícios para nos aconselhar e julgar por si próprio quem está a fazer mal ou quem não está a agir mal.
Como são actualmente as relações do Paquistão com Portugal?
Sim, o Paquistão e Portugal sempre tiveram uma relação maravilhosa. Em 7 de novembro de 1949, o Paquistão estabeleceu as suas relações diplomáticas com Portugal. Desde então, não houve qualquer rutura de relações diplomáticas.
Se nos lembrarmos da vossa história com a Índia, houve uma rutura de tantas décadas de relações diplomáticas com a Índia, toda a geração mais velha sabe, a geração mais nova pode ter-se esquecido. Vamos ler essa história também. Nós temos uma relação maravilhosa com Portugal. Sempre considerámos ambos os países como amigos e devemos continuar a fazê-lo. Estamos a cultivá-la como embaixadores. Estou a esforçar-me por promover o nosso entendimento. Realizei conferências internacionais. Fui parceiro de uma conferência internacional. Na semana passada, na Universidade de Lisboa, tentámos mostrar como a comunidade paquistanesa pode ser muito bem integrada em Portugal, estamos a trabalhar com organizações sociais...
Qual é a dimensão dessa comunidade paquistanesa atualmente? Quantas pessoas são?
Oficialmente, são cerca de 31.000, mas algumas pessoas estão a tratar de obter documentos. Estimamos que sejam cerca de 50.000. Por isso, estou a falar com a minha comunidade e a dizer-lhes que devem integrar-se nesta comunidade, ser bons cidadãos deste país que vos deu a oportunidade de viverem bem. Portanto, o Paquistão e Portugal gozam de uma relação maravilhosa. Temos um bom comércio e existem muitas oportunidades porque, como sabem, o Paquistão é um país de jovens. É um país de gente jovem. 60% da nossa população tem menos de 30 anos de idade. Por isso, estes homens e mulheres podem, sentados nas suas próprias casas, podem ser bons trabalhadores de IT para Portugal e podemos estabelecer parcerias. Através da vossa rádio, gostaria de exortar as empresas de IT em especial, a analisarem estas possibilidades de colaboração com o Paquistão. Planeamos melhorar o nosso comércio bilateral e convidamos as empresas portuguesas a visitarem o Paquistão para explorarem essas possibilidades. Podemos facilitar-lhes a vida. Há tantos sectores diferentes em que podemos ensinar e aprender uns com os outros, por isso é uma boa oportunidade para fomentar mais relações. Os portugueses são muito bons e as pessoas são muito calorosas. Acho que são muito sensíveis a tantas normas culturais. Também conhecem os nossos países. Por isso, estamos prontos para sermos os melhores amigos e para progredirmos ainda mais na nossa relação com os portugueses.
É um motivo para preocupação a ascensão de um partido anti-imigração como o Chega em Portugal?
Não estou preocupado com nada, sabe, é um mandato dado pelo povo e o meu dever como embaixador é falar com eles, apresentar o caso. É relatado nos meios de comunicação social, nos principais meios de comunicação social regionais, que sempre apreciei a tolerância do povo português. Essa tolerância é exercida durante os nossos festivais, durante o mês do Ramadão, durante o Eid, e durante todos os dias; as senhoras usando véu, as pessoas usando túnicas e turbantes muçulmanos, mas não há qualquer distância entre as pessoas em relação à nossa cultura, os portugueses aceitam, temos as nossas normas culturais e podemos mantê-las. Praticamos a fé da nossa própria família aqui, por isso aprecio-vos e, uma vez que apreciamos e nos dirigimos ao nosso povo, é por isso que estamos a abordar as pessoas através de várias organizações, ou seja, através dos meios de comunicação social, para falarmos uns com os outros e fazer alguma coisa para nos entendermos melhor uns aos outros. Por isso, temos de desempenhar um papel complementar. Vocês têm menos população jovem. Nós temos mais jovens disponíveis. Eles podem ser trabalhadores nas vossas fábricas. Podem ser trabalhadores agrícolas, podem ser trabalhadores do sector tecnológico a partir do Paquistão.
E já provámos no mundo da investigação, da ciência e da tecnologia que, mesmo que a nossa tecnologia, a nossa compreensão e a nossa ciência se revelem superiores a algumas das melhores tecnologias produzidas pelo Ocidente ou pela Europa em termos de lucro, podemos abatê-las para que o mundo possa aprender com o Paquistão. Podemos trabalhar no desenvolvimento da ciência e da tecnologia entre os dois países, e o Paquistão já se ofereceu várias vezes através de canais diplomáticos. O Paquistão ofereceu-se para desenvolver as nossas relações nos domínios da ciência, da tecnologia e da medicina, e mais de 15.000 médicos paquistaneses estão registados nos EUA. Temos bons investigadores, bons médicos e cirurgiões. Por isso, queremos desenvolver as nossas relações nestes diversos domínios, o que criaria laços profundos e aprendizagens. Se for caso disso, gostaria de me encontrar com todos os partidos políticos e respectivos líderes, seria igualmente bom.