Hiroshima assinala o octogésimo aniversário da bomba atómica que destruiu a cidade com uma Declaração de Paz. Sobreviventes temem que o perigo nuclear não seja coisa do passado. Há oitenta anos, naquela manhã de 6 de agosto, morreram perto de 80 mil pessoas. Mais 74 mil em Nagasaki, dias depois
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Ao jornal South China Morning Post, a sobrevivente de Hiroshima Harune Kitano, 88 anos, conta como foi o momento da explosão: houve um clarão, e logo depois ouviu-se um som. Então, todos disseram: “é um raide aéreo, é um raide aéreo”, e entraram no prédio da escola. Depois, viu uma montanha de corpos, empilhados… tudo em monte, uns em cima dos outros: “Era como se estivessem a queimar lixo, agora que penso nisso. Empilharam os corpos das vítimas e queimaram tudo”.
Tanaka Toshiko, outra sobrevivente, no serviço em inglês da televisão NHK, fala na razão de muita gente estar hoje no parque memorial de Hiroshima: “Penso que é um sinal de que muitas pessoas sentem que estamos perto de uma crise e que as armas nucleares podem voltar a ser utilizadas. Neste momento, temos a invasão da Ucrânia e a situação no Médio Oriente. Muitos podem pensar que os horrores da bomba atómica não são uma coisa do passado, mas sim uma questão atual e futura”.
Eram 8h15 do dia 6 de agosto, menus oito horas no continente português, o avião Enola Gay, um bombardeiro americano B-29, lançou uma bomba nuclear sobre Hiroshima, no Japão. A bomba atómica detonou a cerca de 600 metros do solo, com uma força equivalente a 15 mil toneladas de TNT.
Entre 60 mil e 80 mil pessoas morreram instantaneamente, mas o número de mortos subiu para 140 mil no final do ano, à medida que muita gente foi morrendo pelas queimaduras e doenças provocadas pela exposição às radiações.
Três dias depois, os EUA lançaram uma bomba de plutónio sobre Nagasaki. Nessa outra cidade japonesa, morreram mais 74 mil pessoas.
A 15 de agosto, um Japão desmoralizado rendeu-se; acabava assim a Segunda Guerra Mundial.
Oitenta anos depois da destruição de Hiroshima e Nagasaki, o número de pessoas ainda vivas e que sofreram a explosão - conhecidos como hibakusha - desceu para menos de 100 000. São os sobreviventes. A associação que os representa foi galardoada com o Nobel da Paz em 2024.
Rebum Kayo perdeu vários familiares… é investigador universitário e tem como missão descobrir os restos humanos na ilha de Minoshima, a cerca de quatro quilómetros de Hiroshima: “Os ossos aqui não foram tratados com humanidade nos últimos 80 anos. Foram Enterrados na terra, como se fossem coisas ou objetos, basicamente. Normalmente, nós humanos, quando morremos, somos enterrados respeitosamente em locais como um templo ou uma igreja e vamos para o céu depois de uma cerimónia de despedida, um funeral. É a forma humana de fazer as coisas. O investigador Rebum Kayo ouvido pela reportagem do South China Morning Post:“As pessoas de hoje, que não sabem da guerra, estão focadas só na reconstrução de Hiroshima. Elas esquecem-se das pessoas daqui e continuam com a conversa. Afinal, é como se dissessem ‘mesmo que atirem uma bomba atómica, a reconstrução vai acontecer’. Por isso, Vão aparecer sempre pessoas que dizem que não há problema em fazê-lo. Pessoas que pensam da maneira que lhes convém”.
E Shun Sasaki, de 12 anos, bisneto de uma sobrevivente, faz visitas guiadas gratuitas ao Parque Memorial da Paz de Hiroshima e falou assim com a repórter do jornal publicado em Hong Kong. Uma criança preocupada com o futuro: “A coisa mais perigosa é esquecer o que aconteceu há muito tempo, por isso penso que Devemos passar a história à geração seguinte e nunca mais a esquecer, nunca!
Bem, eu quero que eles saibam como a guerra é má e como a paz é boa. Por exemplo, em vez de lutarmos, devíamos falar uns com os outros sobre as coisas boas de cada um”.
De acordo com o Ministério da Saúde, o número de sobreviventes registados de ambos os ataques caiu para pouco menos de 100 mil este ano com uma idade média de 86 anos.
Segundo o The Guardian, apenas uma das 78 pessoas confirmadas como tendo estado a menos de 500 metros do hipocentro da explosão em Hiroshima ainda está viva: é um homem de 89 anos. O referido diário britânico apurou que na véspera do aniversário da explosão, o Ministério da Saúde japonês anunciou que deixaria de realizar um inquérito que tem feito de 10 em 10 anos para avaliar as condições de vida e de saúde dos hibakusha, afirmando que pretendia “diminuir o fardo” sobre os sobreviventes idosos.