ONU aclamou Guterres há seis anos: os momentos, os desafios e o que está por fazer
Um dos coautores da biografia de António Guterres defende que o secretário-geral "ainda não conseguiu deixar a sua grande marca na agenda internacional", mas há três momentos que já marcam o seu exercício.
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Há seis anos, um português era aclamado secretário-geral das Nações Unidas. António Guterres, então com 67 anos, foi confirmado pelas 193 nações que compõem a Assembleia-Geral e trazia no currículo, entre outros, o Alto-Comissariado para os Refugiados e a liderança de dois Governos em Portugal.
Desafiado a escolher os momentos que marcam, até agora, o mandato do português na ONU, o coautor de "O mundo não tem de ser assim", a biografia oficial de Guterres, escolhe três: a eleição de Trump, a Covid-19 - "a primeira pandemia que a ONU enfrentou" - e a guerra "ilegal" na Ucrânia iniciada por dos membros com assento permanente no Conselho de Segurança, a Rússia.
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Pedro Latoeiro, que é também assessor político embaixada da Argentina em Portugal, refere mesmo que se Donald Trump - "cuja administração praticamente coincide com o primeiro mandato de António Guterres" - tivesse sido reeleito, a possibilidade de um segundo mandato do português na ONU lhe levanta "muitas dúvidas". Em causa estão as decisões do ex-líder norte-americano que constituíram "afrontas", como a mudança da embaixada dos EUA para Jerusalém e a saída do Acordo de Paris.
Já a guerra na Ucrânia, um conflito que deve ser visto "através de duas lentes" e que "produziu em tempo recorde 7,6 milhões de refugiados e 6,2 milhões de pessoas internamente deslocadas", marca também naturalmente o mandato de alguém que já foi Alto-Comissário para os Refugiados. Apesar de a ONU parecer ter "aprendido" face a crises humanitárias anteriores "onde a intervenção não tinha corrido bem" - expressão que Pedro Latoeiro assume ser um eufemismo -, para tal terão "contado a liderança e experiência de António Guterres".
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Mas os seis anos à frente da ONU não deixam de ser alvo de crítica, em especial pelas ações do secretário-geral antes da invasão russa. "Enquanto vários líderes europeus viajavam até Moscovo e Ucrânia para tentar fazer tudo o que se podia e dar sinais públicos disso para evitar o conflito armado", Guterres fê-lo apenas "depois do início do conflito armado".
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Ainda assim, condenou com rapidez a invasão, "tratando inclusivamente o presidente Putin pelo nome, o que é bastante invulgar", visitou Rússia, Ucrânia e Turquia e "foi um dos promotores do acordo que permitiu a exportação de cereais ucranianos". Mais recentemente, voltou a condenar a anexação de regiões ucranianas por Moscovo, o que gerou "duras críticas do Kremlin".
Mas há mais mundo além do mundo, e Pedro Latoeiro identifica desafios internos com que Guterres também se depara. Um deles é o de modernizar a comunicação da ONU e há uma pista na sede da organização.
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"António Guterres trabalha no piso 38, que é o do secretário-geral, e o porta-voz trabalha no piso 2. Seria importante a ONU e o secretário-geral comunicarem de outra forma", explica.
E o desafio maior ainda está por ultrapassar, identifica Pedro Latoeiro, porque "Guterres ainda não conseguiu deixar a sua grande marca na agenda internacional". Já Vítor Ângelo, antigo representante especial do secretário-geral da ONU, considera que será a História a ditar essa mesma marca.
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Até agora, Guterres viveu momentos complicados com um presidente dos EUA "antagónico e que não considerava importante trabalhar com as Nações Unidas". Findo esse desafio, acabou por surgir "uma crise provocada pela Rússia".
"Esta invasão tem certamente um impacto muito negativo e torna muito difícil a atuação das Nações Unidas e, em particular, do secretário-geral tendo em conta que a Rússia tem poder de veto", sublinha.
Uma palavra a dizer tem também a Assembleia-Geral, que continua a ter um "valor político e simbólico" bastante importante por dar voz ao "sentimento geral" internacional. Exemplo disso foi a votação, esta quarta-feira, contra a anexação pela Rússia dos territórios ucranianos, que mostra que foi uma ação "ilegal e inaceitável".
Embora sem caráter vinculativo, a decisão é "politicamente bastante importante", permitindo perceber que países respeitam a ordem internacional e quais os que "alinharam com a Rússia nessa violação": Coreia do Norte, Síria, Bielorrússia e Nicarágua.
No que respeita à conduta de Guterres sobre o conflito, Vítor Ângelo defende que o secretário-geral tem sido "relativamente claro em relação ao que está a passar-se na Ucrânia e ao caráter absolutamente ilegal e agressivo da Federação russa".