Orçamento Europeu. Parlamento disponível para negociar mas "não há cheques em branco à Comissão”, avisa relatora do quadro financeiro
Eurodeputada Carla Tavares alerta para riscos com “a fusão” de fundos e diminuição do papel do Parlamento como autoridade orçamental
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A relatora do Quadro Financeiro Plurianual, a eurodeputada Carla Tavares (PS), tece duras críticas à Comissão Europeia, pela forma como conduziu a apresentação da proposta do orçamento de longo prazo da União Europeia. Carla Tavares nota mesmo uma certa “sobranceria” na forma como a Comissão tratou o Parlamento, ao apresentar a proposta orçamental “sem documentos, apenas com um PowerPoint”.
Entrevistada no programa Fontes Europeias, da TSF, a eurodeputada avisa que os eurodeputados “não estão disponíveis para cheques em branco”. Ainda assim, manifestou a expectativa de que as negociações possam ser concluídas atempadamente para permitir a entrada em vigor do novo orçamento a 1 de janeiro de 2028.
“O Parlamento quer trabalhar com a Comissão, nós temos que ser uma equipa”, sublinhou, deixando o aviso de que o Parlamento “nunca estará disponível” para propostas unilaterais da Comissão Europeia. “Tudo tem de ser negociado”, defende, lembrando o papel do Parlamento “enquanto autoridade orçamental”.
"Sem o voto do Parlamento, não há orçamento europeu", alerta Carla Tavares. A eurodeputada portuguesa garante que esta não é uma ameaça, mas um lembrete claro: o Parlamento Europeu tem de ser respeitado enquanto autoridade orçamental. E, para isso, a Comissão tem de o ouvir.
Foi neste ambiente tenso que a Comissão Europeia apresentou ontem a sua proposta para o próximo Quadro Financeiro Plurianual (QFP), que define o orçamento da União Europeia para os anos de 2028 a 2034.
O plano de Bruxelas aponta para um montante total de 1,717 biliões de euros (a preços de 2025) e traduz uma reorientação profunda das prioridades políticas da União, com a defesa, a inovação e a competitividade a assumirem agora um papel central. Já os pilares tradicionais da integração europeia, como a Coesão e a Agricultura, apesar de conservarem a maior fatia orçamental, perdem peso em relação a outras rubricas.
Incomparável
A proposta que exige unanimidade dos 27 Estados-membros e consentimento do Parlamento Europeu para ser aprovada, representa um aumento em termos quantitativos em relação ao atual quadro financeiro que está atualmente em vigor, até 2027, que ascende a cerca de 1,2 biliões de euros.
No entanto, a relatora salienta que esta é uma comparação “impossível de fazer”, tendo em conta a variação de preços entretanto registada, e um contexto económico e estrutural que “mudou muito”.
Entre as principais novidades está a intenção de reduzir o peso relativo da Política Agrícola Comum e da Política de Coesão, que historicamente absorveram dois terços do orçamento comunitários. Parte dos montante serão canalizados para para áreas como segurança, defesa, inovação e competitividade.
A proposta prevê, por exemplo, 522 mil milhões de euros para estas novas prioridades e 88 mil milhões num fundo separado para apoio à Ucrânia. Por outro lado, cerca de 946 mil milhões continuam a ser atribuídos ao que a Comissão designa como “modelo social europeu e qualidade de vida”, abrangendo genericamente as políticas regionais e agrícolas.
Sobranceria
A apresentação da proposta decorreu em moldes absolutamente inéditos, num procedimento pouco habitual em Bruxelas, para a formalidade que a apresentação de um Quadro Financeiro Plurianual exigiria. A divulgação chegou com quatro horas de atraso, num ambiente caótico, que deixou os eurodeputados furiosos por não conhecerem antecipadamente os cortes ou aumentos previstos.
“Não me surpreendo que a proposta tenha sido esta, que vá neste caminho, mas surpreende-me que não nos tenha sido distribuído nada. Nós sabemos que vamos ter um processo muito difícil -, mas o Parlamento é uma entidade que merece ser respeitada”, afirmou a eurodeputada, considerando que está em causa “uma atitude de sobranceria da Comissão face ao Parlamento”, que a instituição com sede em Estrasburgo "também não pode aceitar". A apresentação em vésperas do início das férias parlamentares também foi criticada e “não parece inocente”, afirmou Carla Tavares.
Poder
A eurodeputada alertou para um novo modelo orçamental que reduz o papel do Parlamento Europeu. “Cada vez mais a Comissão tem poderes, retirando ao Parlamento a possibilidade de exercer as suas competências enquanto autoridade orçamental”, advertiu, apontando para um sistema baseado em planos nacionais negociados diretamente entre cada Estado-membro e a Comissão.
“Faz-nos quase lembrar que parece que está a voltar a troika”, comentou, referindo-se também à introdução da chamada macrocondicionalidade, em que o apoio financeiro é condicionado a reformas estruturais.
Fusão
Um ponto sensível é a “fusão de fundos estruturais”, nomeadamente coesão, agricultura e fundo social europeu, sob um “grande chapéu orçamental”, admite a eurodeputada, mas avisa que “o Parlamento sempre foi muito claro”, advertindo que “quer a coesão, quer a agricultura se mantivessem autónomos, não debaixo de um grande chapéu de um fundo”.
Questionada sobre os argumentos da Comissão relativos à simplificação e melhor coordenação entre fundos, a eurodeputada contraria, dizendo que “juntar tudo não é sinónimo muitas vezes da maior eficiência”, pois “obriga a um controlo muito maior”.
Defesa
A Comissão propõe um reforço dos investimentos em defesa e espaço, com um envelope de 139 mil milhões de euros, que é cinco vezes mais do que no orçamento anterior. Carla Tavares reconhece a necessidade de reforçar a segurança europeia, mas alerta que “o Parlamento também sempre disse, e é unânime no Parlamento, é que não pode ser à custa da coesão, da política agrícola, por exemplo.”
Por outro lado, a eurodeputada considera “importante” o novo instrumento Catalyst Europe, que prevê empréstimos até 150 mil milhões de euros para áreas estratégicas.