Os homens que prometeram a Mussolini matar ou morrer pela Itália. Nascia assim o fascismo
Há 100 anos estava um dia chuvoso em Milão. Tentando esgueirar-se da chuva, algumas dezenas de homens entraram a correr num edifício da cidade. Depois de horas de discussões prometeram matar ou morrer pela Itália. Nascia assim o primeiro movimento fascista da história.
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Os homens reunidos em Milão escolheram para os identificar um símbolo de origem etrusca, usado pelo Império Romano, associado ao poder e à autoridade. O nome latino deste símbolo é Fasces. O manifesto que aprovaram nesse dia tinha apenas 54 nomes, e nas eleições realizadas no outono passaram praticamente despercebidos mas, foram só precisos dois ou três anos para que o movimento fascista crescesse e escolhesse Mussolini como líder.
A popularidade dos fascistas foi possível porque milhões de italianos estavam descontentes com a situação no país e preocupados com o que o mundo estava a aprender sobre os bolcheviques. Em cada discurso que fazia, Benito Mussolini apresentava alternativas. Pedia aos cidadãos que recusassem o capitalismo que os queria explorar, os socialistas que iriam acabar com o modo de vida a que estavam habituados e os políticos que muito falavam mas nada faziam.
Em vez de defender a luta entre classes, Il Duce, como era conhecido, pedia aos italianos que se unissem e criassem uma frente unida contra o mundo. Ele queria que no futuro todos os que pertencessem ao "Partito Nazionale Fascista" se protegessem enquanto os outros, os parasitas, como lhes chamava, ficariam entregues a si próprios. Entre estes últimos incluíam-se os estrangeiros, os fracos e os que não eram leais politicamente. Mussolini queria que os apoiantes acreditassem que a Itália voltaria a ser próspera porque seria autossuficiente, e respeitada porque seria temida.
Foi assim que nasceu o fascismo. Em Itália com um líder popular que explorava os descontentamentos e fazia todas as promessas possíveis.
Nos meses que se seguiram à reunião de Milão e perante a superioridade dos socialistas e comunistas, no parlamento e no país, os fascistas começaram a mobilizar os milhares de italianos que estavam no desemprego para formarem grupos armados. Os camisas negras, como ficaram conhecidos, foram criados para assassinarem lideres laborais, destruírem as instalações de jornais e espancarem operários e camponeses.
Estes grupos gozavam de grande simpatia entre as forças policiais e por isso puderam crescer sem grande oposição. Os socialistas e comunistas eram mais numerosos mas os fascistas estavam muito motivados e não tinham qualquer problema em recorrer à violência de forma brutal. Aos poucos, os que se opunham a Mussolini foram sendo expulsos de aldeias e cidades, em especial no norte de Itália.
Apesar do crescimento, o Fascismo era uma insurreição sem um roteiro definido, uns queriam salvar o capitalismo e o catolicismo romano dos apoiantes de Lenine, outros queriam defender as tradições e a monarquia, alguns estavam nas milícias apenas para serem pagos e poderem partir cabeças e por fim a maioria tinha o sonho de recuperar a grandeza de Itália.
Por essa altura perguntaram a Mussolini qual era o programa do partido, a resposta foi clara "partir os ossos aos democratas o mais depressa possível". Em 1922, numa conferência do partido, ele ameaçou que se não o deixassem governar assumiria o poder marchando sobre Roma. Uns dias depois mobilizou os apoiantes e iniciaram a Marcha para a capital. À medida que dezenas de milhares de pessoas convergiam para Roma, o governo demitiu-se.
O rei Victor Emmanuel tinha o dever constitucional de nomear um novo primeiro-ministro. Com os camisas negras e outros partidários a avançarem, Mussolini exigiu que o rei o nomeasse chefe de governo. Victor Emmanuel cedeu e, aos 39 anos, a 29 de outubro de 1922, Mussolini tornou-se o mais jovem primeiro-ministro de Itália. Os fascistas chegavam ao poder sem ganharem eleições ou violarem a constituição. 2 dias depois a marcha sobre Roma acabou por ser mais uma parada de celebração do que o golpe inicialmente programado.
Sabendo que o povo estava cansado da burocracia e da ineficácia do serviço publico, Mussolini estabeleceu como primeira prioridade a boa governação. Diariamente ligava para o gabinete dos ministros para saber em que estavam a trabalhar, controlava os funcionários públicos e acabou por despedir cerca de 35 mil pessoas por incumprimento de horários, incompetência e outras razões. Ele dizia querer "drenar o pântano".
Mussolini queria criar um sistema económico que proporcionasse uma "terceira via" entre o capitalismo e o socialismo. Durante a década de 1930, organizou a indústria, a agricultura e os serviços económicos em sindicatos controlados pelo Estado e associações de empregadores. Os funcionários do governo nomeavam os chefes de cada corporação sindical e patronal que negociavam salários e condições de trabalho entre si. Houve uma tentativa de unificar os trabalhadores e os patrões exigindo que eles deixassem de lado os interesses privados a favor dos interesses do Estado fascista. Na prática, porém, os patrões tinham mais benefícios do que os trabalhadores.
Nos primeiros anos, à frente do governo, o primeiro-ministro aumentou os benefícios para idosos e deficientes, financiou os cuidados pré-natais e criou 700 campos de férias para as crianças. Por outro lado acabou com os júris nos tribunal fazendo com que o sistema judicial ficasse mais dócil, aboliu os partidos políticos, eliminou a liberdade de imprensa, proibiu os sindicatos e as greves, assumiu o controlo da policia e passou a nomear os responsáveis municipais.
Mussolini não acabou com a monarquia mas chamou a ele próprio a competência de escolher o sucessor do rei. Para evitar a oposição do Vaticano decidiu fechar bordeis, aumentou o salário dos padres mas também exigiu passar a nomear todos os bispos.
Tentando cumprir a promessa de recuperar a grandeza de Itália, mas também para manter a população mobilizada, invadiu a Etiópia, o ultimo reino independente de África, e atacou a Albânia tornando o país num protetorado italiano. Para conseguir as verbas necessárias para estas aventuras mobilizou a sociedade, por exemplo as mulheres foram "convidadas" a doar as alianças de casamento para serem transformadas em ouro e vendidas.
Antes da Segunda Guerra Mundial, o apoio popular ao estado fascista era bastante grande. O estilo carismático com que Mussolini assumia a liderança convenceu muitos de que o país estava de regresso à glória. Quando a Grande Depressão atingiu a Itália, Il Duce agiu rápida e ousadamente com um programa de projetos de construção pública, que permitiu dar trabalho a muitos desempregados. Durante toda a governação, no entanto, o governo fascista não conseguiu recuperar a economia do país.
O líder italiano inspirou outros a tentarem adotar formas próprias de fascismo. Hitler, na Alemanha, Franco, em Espanha e Salazar, em Portugal, são exemplo disso.
Os especialistas tendem a discordar quanto à definição precisa do fascismo, mas concordam que há algumas características a que tem de obedecer: a oposição violenta a todas as formas de marxismo, a oposição à democracia parlamentar, a oposição ao liberalismo cultural e económico, as ambições totalitárias, o nacionalismo extremo, as ambições imperialistas, o militarismo, a subordinação do indivíduo à vontade da nação, a mobilização em massa da população, a crença num líder forte com poder absoluto, a educação para a obediência inquestionável, desencorajamento do pensamento crítico, o uso da violência para repressão política, a demonização de alguns grupos sociais, o populismo, o sexismo e a misoginia.