País Basco em "processo rápido de esquecimento" do terrorismo cinco anos após fim da ETA
A Euskadi Ta Askatasuna anunciou a dissolução em 3 de maio de 2018, mas já havia anunciado que cessava a violência em 2011.
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Cinco anos após a dissolução do grupo terrorista ETA, instituições e associações de vítimas lutam contra o "processo rápido de esquecimento" na sociedade do País Basco espanhol, desejosa de passar uma página "tão daninha" da história.
"O terrorismo desapareceu, mas a memória do terrorismo ainda está presente. Mas continua mais presente nos meios de comunicação social e em certos círculos sociais do que na vida comum da sociedade. Aqui houve um processo muito rápido - excessivamente rápido, provavelmente - de esquecimento", diz José Luis Zubizarreta, nascido no País Basco em 1938, formado em Filosofia e Letras nas universidades de Granada e Oxford e hoje colunista e analista político na imprensa regional.
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"A verdade é que há uma tendência para o esquecimento bastante generalizada porque foi um tema muito, muito importante, mas em simultâneo foi um tempo tão obscuro, tão daninho em todos os termos que, no final, como estamos numa sociedade bastante confortável - em Espanha, o País Basco tem dos melhores indicadores em termos de qualidade de vida, de esperança de vida, de educação, de saúde e salários -, preferimos ficar com isso, com o bom, e dizer: 'o terrorismo já está no passado'", considera também o historiador Raúl López Romo, nascido igualmente no País Basco, em 1982, e hoje responsável pela área de educação e exposições do Centro Memorial das Vítimas do Terrorismo, inaugurado em julho de 2021, em Vitoria.
A Euskadi Ta Askatasuna (ETA, Pátria Basca e Liberdade, em português) anunciou a dissolução em 03 de maio de 2018, mas já havia anunciado que cessava a violência em 2011.
Ao longo de mais de 40 anos de atividade, a ETA, que justificava os atentados com a luta pela independência do País Basco, matou 853 pessoas.
"A principal questão pendente depois de mais de 40 anos de assassinatos, ou neste caso, cinco anos depois do desaparecimento da ETA, é a das vítimas", afirma Raúl López Romo, que, além de trabalhar no Centro Memorial das Vítimas do Terrorismo, tem dedicado a carreira académica à história do terrorismo, à transição espanhola para a democracia e aos "movimentos sociais" no País Basco. O último livro que escreveu, publicado há poucas semanas, tem como título "Sobre o esquecido terrorismo basco".
O memorial em que trabalha, uma fundação pública de que faz parte o Estado espanhol, o governo basco e associações de vítimas, recebeu em quase dois anos 51 mil visitantes, parte deles estudantes, e formou mais de 500 professores de toda a Espanha sobre a forma de abordar o terrorismo nas salas de aula.
"Estamos a trabalhar o tema do terrorismo colocando as vítimas no centro do relato, que penso que é o que nos compete fazer agora, neste tempo de pós-terrorismo. As vítimas continuam connosco, os sobreviventes, os feridos, os familiares dos assassinados", afirma Raul López Romo.
O historiador chama a atenção para um "dado preocupante": segundo estudos recentes, um em cada quatro ou um em cada cinco jovens do País Basco e da região vizinha de Navarra pensam que se pode justificar a utilização de violência na política, como justificava a ETA.
"Temos de continuar a trabalhar nessa deslegitimação do terrorismo que ainda está pendente em certos setores porque, entre outras coisas, [os elementos da ETA] não deixaram as armas por motivos éticos ou morais, mas por um cálculo instrumental, porque pensavam que já não lhes era útil, restavam-lhes muito poucos membros em liberdade e eram detidos inclusivamente antes de começarem a atentar", defende.
Para Raul López Romo, "a dimensão educativa" é fundamental e sublinha que o memorial de vítimas no terrorismo de Vitoria é menos visitado por estudantes do que acontece com memoriais do holocausto, por exemplo.
"Na Alemanha, na Bélgica, em França têm-no mais integrado no sistema de educação e aqui, no entanto, ainda custa", afirma.
"Notamos também que [os jovens] estão bastante 'verdes', sabem muito pouco sobre este tema apesar de ter sido tão importante para os seus pais e os seus avós. Sabem tão pouco porque não se está a tratar o suficiente nas escolas e, além disso, porque também ninguém lho contou em casa", acrescenta, insistindo sempre na necessidade de "deslegitimar o terrorismo" em todos os setores onde essa ideia permanece.
Raul López Romo diz que "a curto prazo, o terrorismo não vai voltar, não têm força nem organização para isso", mas "outra coisa é o discurso do ódio que alimentou, num certo momento, a ETA e que não desapareceu", um "fanatismo anti-espanhol, que está muito instalado em certos setores muito nacionalistas, sobretudo no País Basco e em Navarra".
"A memória do terrorismo, e bem, em vez de girar em torno do terrorismo, gira agora em torno das vítimas", sublinha o analista José Luis Zubizarreta.
Já o terrorismo, acrescenta o analista, continua presente no debate político, mas em torno "da política que devem seguir os partidos" em relação à esquerda independentista basca considerada a herdeira dos braços civis da ETA.
Em causa está a coligação EH Bildu, que viabilizou o atual governo regional navarro e o próprio executivo espanhol de Pedro Sánchez, ambos socialistas.
Esta "esquerda abertzale", como é designada em Espanha, condena hoje a violência com fins políticos, mas não condenou ainda a violência da ETA nem reconheceu, nas palavras de José Luis Zubizarreta, "o apoio que prestou" ao grupo terrorista.
"Que políticas devem seguir os partidos políticos em relação aos herdeiros do Bildu? Isso é que se erigiu como objeto de discórdia", explica José Luis Zubizarreta, que nos anos de 1980 foi assessor do presidente do governo regional José Antonio Ardanza (no cargo entre 1985 e 1999, pelo Partido Nacionalista Basco).
"O Bildu não conseguiu ainda um estatuto de absoluta normalidade, é um partido a que ainda falta alguma coisa para a sua presença nas instituições não ser já objeto de debate. Falta-lhe reconhecer o seu passado, no fundo", afirma Zubizarreta.
Para o analista, no entanto, "em Espanha, em Euskadi [País Basco] e em Navarra, a aritmética vai ser mais forte do que a ética política" e sempre que a chegada ao poder dependa de deputados e pactos com o EH Bildu, seja qual for a opção política, "todos os escrúpulos éticos passarão a segundo plano" e "a aritmética do poder" vai ganhar.
Além disso, acrescenta, a sociedade basca "não está com grande disposição de levantar este assunto numa causa que obstaculize a convivência, prevaleceu o esquecimento, os esforços de memória são todos institucionais, com grupos sociais muito minoritários, que tentam manter a chama de que a 'esquerda abertzale' ainda não fez aquilo que deveria fazer".
"Foram anos muito tensos em Euskadi, de muita divisão, de muita ansiedade, de nos sentirmos muito envergonhados até por entre nós ter surgido uma coisa tão persistente, que exportava a nossa imagem ao exterior, que nos dividia familiarmente e entre grupos de amigos. E, claro, quando desapareceu, foi um alívio", conclui.