O chefe da Igreja Católica convidou os artistas a fugir da "falsa beleza cosmética", que disse ser "muitas vezes cúmplice dos mecanismos económicos que geram desigualdades".
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O papa Francisco apelou esta sexta-feira aos artistas para que interpretem o "grito silencioso" dos pobres durante um encontro com duas centenas de autores de todo o mundo, incluindo sete portugueses, na Cidade do Vaticano.
"Não se esqueçam dos pobres, que são os preferidos de Cristo, em todas as formas em que se é pobre hoje. Também os pobres necessitam de arte e de beleza", afirmou Francisco.
O pedido foi feito no final de um encontro na Capela Sistina em que participaram os artistas portugueses Pedro Abrunhosa, Joana Vasconcelos, Vhils, Rui Chafes, José Luís Peixoto, Gonçalo M. Tavares e Marta Braga Rodrigues.
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O papa disse que muitos pobres "experimentam formas muito duras de privação da vida", pelo que necessitam ainda mais de arte.
"Normalmente, não têm voz e vocês podem ser intérpretes do seu grito silencioso", afirmou, citado pela agência espanhola EFE.
Francisco convidou os artistas a fugir da "falsa beleza cosmética", que disse ser "muitas vezes cúmplice dos mecanismos económicos que geram desigualdades".
Ainda, agradeceu aos artistas por serem "também sentinelas do verdadeiro sentido religioso, por vezes banalizado ou comercializado".
"Sinto que sois aliados de tantas coisas que me são caras, como a defesa da vida humana, a justiça social para os últimos, o cuidado da nossa casa comum, o sentimento de que somos todos irmãos e irmãs", afirmou.
O chefe da Igreja Católica defendeu que a arte não anestesia consciências e que os artistas recordam muitas vezes que não há sempre luz quando exploram o submundo da condição humana.
"Ajudai-nos a vislumbrar a luz, a beleza que salva", pediu.
Numa época que descreveu como "uma era de colonização ideológica pelos meios de comunicação social e de conflitos dilacerantes", Francisco apelou ainda aos artistas para que cultivem "o princípio da harmonia".
Encontro "intenso"
À TSF, o escritor José Luís Peixoto, um dos portugueses presentes no encontro, descreve o momento como "intenso". "Foi intenso logo à partida, porque era uma sala de artistas, muitos deles que há bastante tempo admiro e ao mesmo tempo com o Papa Francisco, nesta ocasião depois da cirurgia."
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O escritor defende que a arte é "uma área em que é necessária reflexão permanente, em que é preciso uma busca de consciência permanente, em que é necessário pensar nas grandes questões de forma a construir uma proposta artística que tenha coerência."
José Luís Peixoto assume ainda que "são momentos como este", que teve com o Papa, "que marcam uma vida". "Ter oportunidade de apertar a mão, trocar duas palavras com uma figura desta grandeza é algo que realmente nos faz tremer um pouco", assume.
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O encontro com pintores, escultores, arquitetos, escritores, poetas, músicos, realizadores e atores assinalou o 50.º aniversário da inauguração da Coleção de Arte Moderna e Contemporânea dos Museus do Vaticano.
O primeiro encontro deste género remonta a 1964, quando Paulo Vi apelou para uma renovada amizade entre a Igreja e os artistas.
Além dos portugueses, participaram, entre outros, os cantores brasileiro Caetano Veloso e angolano Pulo Flores, o escritor espanhol Javier Cercas, o artista plástico indo-britânico Anish Kapoor, o pianista italiano Ludovico Einaudi e o realizador norte-americano Abel Ferrara.