Sive Thompson faz parte de um grupo restrito de funcionários que veem o seus postos de trabalho extintos pela saída do Reino Unido da União Europeia. Há 67 assistentes de eurodeputados do Reino Unido que, independentemente da nacionalidade, vão sofrer diretamente as consequências do Brexit.
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Sive Thompson apaixonou-se pelo Porto "há dez ou 12 anos", quando chegou à cidade, para completar os estudos, vinda da Universidade de Cork, República da Irlanda. É no Porto que "ainda tem muitos amigos", e é da "invicta" que espera poder "matar saudades", a partir de 31 de Janeiro, quando finalmente o Brexit se concretizar.
A partir de sexta-feira estará desempregada. "Ainda não sei bem o que é que vai acontecer, o que é que vou fazer a seguir", confessa à TSF, em Bruxelas, admitindo "pelo menos, tirar umas semanas para fazer uma pequena pausa", pois "tem sido um ano e um mês intenso".
Estes são dias para encerrar gabinetes, arrumar papéis, num procedimento inédito, agitado e também burocrático. "Estamos a limpar tudo e a arrumar", afirma durante um momento menos agitado, em que suspendeu a correria, aproveitando para recapitular o que ainda tem para fazer até ao fim desta semana. "São questões de administração, questões práticas, como entregar as chaves", exemplifica.
Com alívio, saúda um dos domínios em que a União Europeia mais tem sido capaz de avançar, o ambiente. E, até por isso, há aspetos do Brexit que se tornam mais simples, como encerrar o gabinete de um eurodeputado.
"Não temos tantos papéis, porque tentamos imprimir muito menos e fazer as coisas por computador, eletronicamente, no iPad, por isso espero que quando chegarmos a sexta-feira não venhamos a descobrir uma tonelada de papelada que temos que arrumar", afirma com ironia, sem conter uma gargalhada, que mal oculta o nervosismo destes dias "estranhos".
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Sive Thompson faz parte de um grupo restrito de funcionários que veem o seus postos de trabalho extintos pela saída do Reino Unido da União Europeia. É verdade que os funcionários britânicos vão poder continuar a trabalhar nas instituições.
Porém, há 67 assistentes de eurodeputados do Reino Unido que, independentemente da nacionalidade, vão sofrer diretamente as consequências do Brexit. Sive, por exemplo, é natural da República da Irlanda. Está a trabalhar, há um ano, como assistente do eurodeputado britânico do partido Trabalhista, opositor do Brexit, John Howarth.
"Estamos a perder o nosso lugar de trabalho", lamenta, confessando que "do lado pessoal", é um momento "muito estranho", porque "estamos a perder colegas excelentes e sobretudo estamos a perder os deputados que - alguns - estão aqui a trabalhar há 20 anos por princípios muito importantes dos direitos dos cidadãos".
Podia ser apenas um tema. Mas, até no contexto do Brexit, os direitos dos cidadãos são questão sensível. Afinal, foi a primeira matéria de consenso e um dos pilares do acordo que regula a saída do Reino Unido da União Europeia.
Era ainda Theresa May quem liderava o Governo que havia de se desfazer e refazer uma e outra vez, quando o compromisso foi assumido: "O Reino Unido e a União Europeia partilham os mesmos objetivos de salvaguarda dos direitos dos europeus que vivem no Reino Unido e dos britânicos que vivem na Europa."
"Os cidadãos europeus têm dado uma enorme contribuição para o nosso país e, deixem-me ser clara: o que quer que aconteça, queremos que eles e as respetivas famílias fiquem", assumiu a primeira-ministra, sobre um acordo que conseguiu ver celebrado tecnicamente, mas que nunca conseguiria erguer politicamente.
"Passamos do Brexit no dia 31 de março, até às eleições, até ao dia 31 de outubro, e agora 31 de janeiro", lembra Sive, referindo-se aos meses de incerteza por que passou, a pensar, uma vez mais, dos direitos dos cidadãos, tendo passado pelos mesmos tempos de ambiguidade em relação ao futuro, "nada lhes garante" que os seus direitos vão prevalecer. Refere-se aos europeus que vivem no Reino Unido.
Enquanto irlandesa, a trabalhar com um eurodeputado britânico, admite que tem uma perspetiva muito particular sobre o Brexit. "Se calhar sinto esta tristeza que os meus vizinhos estão a ir embora", afirma, receando que na Ilha da Irlanda possa sofrer consequências da separação.
"Pode criar muitos problemas nas [mesmas] aldeias pequenas que há 20 anos os tiveram problemas", afirma, referindo-se ao conflito entre a minoria católica a favor da unificação da Irlanda e a maioria protestante, favorável à manutenção do estatuto administrativo da Irlanda do Norte, no Reino Unido.
O conflito que ao longo de 30 anos ceifou perto de 3500 vidas foi sanado, quase no virar do milénio, com influência determinante da União Europeia, pelos acordos de Sexta-feira Santa. "Nas últimas duas décadas não tiveram estas situações [de violência]", salienta Sive Thompson, apontando como um dos receios que "estas comunidades possam entrar em conflito novamente".
Os eurodeputados votam esta quarta-feira o acordo que regula a saída do Reino Unido da União Europeia. O documento que levou dois anos para ser alcançado, e precisou de três revisões, para passar em Londres vai agora ser posto a votação no Parlamento Europeu. O mandato de 73 deputados britânicos extingue-se com o Brexit. E com ele extinguem-se as funções dos assistentes e membros dos gabinetes.