"Para ter mais força na Frelimo": Chapo tem de dialogar com Mondlane, capaz de "ligar e desligar" Moçambique
O especialista em assuntos africanos Fernando Jorge Cardoso garante, no Fórum TSF, que o "líder com que as pessoas se identificam não é Daniel Chapo. É Venâncio Mondlane"
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Entre aqueles que preferem "pensar no que vai acontecer daqui em diante" e os que refletem sobre o que ficou por dizer no discurso do Presidente moçambicano, empossado esta quarta-feira, parece haver um consenso: "A sociedade moçambicana precisa, não de ver, mas de sentir a mudança." Para isso, consideram, Daniel Chapo tem de dialogar com Venâncio Mondlane, candidato derrotado, que tem o poder "de ligar e desligar o país". Só assim é possível ter "mais força dentro da Frelimo".
No primeiro discurso enquanto chefe de Estado de Moçambique, logo após a cerimónia de investidura, em Maputo, Daniel Chapo, do partido Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), prometeu ser "não um Presidente distante, mas um filho da nação" e garantiu que "a estabilidade social e política é a prioridade das prioridades". O ato de investidura, salientou, "marca o início de uma nova fase de consolidação da construção da nação soberana e próspera".
João Feijó, investigador do Observatório do Meio Rural, faz uma reflexão sobre o que ficou por dizer no discurso do chefe de Estado eleito. Ouvido no Fórum TSF, lamenta que Daniel Chapo tenha sido "omisso" em relação a alguns aspetos "centrais" para o futuro do país.
"É preciso pensar na descentralização. Um país tão grande como Moçambique é gerido a partir de Maputo, do extremo sul. E, quem acede ao Estado central, acede a todos os recursos do Estado. Segundo, tinha de ter falado na despartidarização, porque sobre isto nada fala. Aqueles que acedem aos recursos do Estado, acedem por via da facilitação de estarem no partido Frelimo, que é um partido de Estado, sociedade, que controla o país", alerta.
Mas o Presidente moçambicano deixou também outras questões de fora, nomeadamente sobre as minas, as terras e as reformas fiscais. João Feijó apresenta por isso uma justificação que acredita ser capaz de explicar a ausência destas temáticas no discurso do Presidente moçambicano: "Existem várias famílias empresariais muito próximas ao governo central do bureau político da Frelimo, que tem acesso às minas, aos recursos do Estado, às terras, às licenças mineiras e florestais, aos contratos, aos empregos e aos subsídios."
O investigador denuncia ainda que existem benefícios fiscais "exagerados" para algumas empresas que exploram recursos naturais no país e, por isso, critica a ausência da referência do chefe de Estado às questões de transparência da indústria extrativa, bem como da reforma fiscal.
"[Daniel Chapo] também não explica como é que vai financiar aquele Estado social que ele pretende criar, melhorando as condições da saúde da educação", sublinha.
Ainda assim, João Feijó reconhece vontade de mudar ao Presidente moçambicano. Mas, para que isso seja possível, assegura que tem de haver diálogo com o candidato da oposição Venâncio Mondlane, que na ausência da atribuição do poder formal, "tem o poder informal de conseguir ligar e desligar o país através de uma live no Facebook". A questão está agora em saber como é que o derrotado eleitoral vai reagir às possíveis negociações, sendo que "não pode trair a sua base social de apoio".
"Tudo aquilo que [Mondlane] for negociar com o partido Frelimo será sempre procurando não dar uma imagem de que se vendeu ao partido", explica.
A mesma visão é partilhada pelo especialista em assuntos africanos Fernando Jorge Cardoso, que entende que o mais importante não é o que afirmou Daniel Chapo esta quarta-feira, até porque não controla a Frelimo. Aliás, para ter força no partido, diz, o novo Presidente de Moçambique tem de dialogar com Mondlane.
"O grande líder com que as pessoas se identificam não é Daniel Chapo. É Venâncio Mondlane. O que Daniel Chapo tem de fazer o mais rapidamente possível é sentar-se com Mondlane para ver de que maneira é que estaria disponível para deixar de fazer oposição nas ruas e passar a fazer a oposição através de instituições partidárias e de toda uma ação mais formal. Contraditoriamente ou talvez não, a forma que Daniel Chapo tem de ganhar mais força dentro da Frelimo é ser capaz de fazer uma aproximação com Venâncio Mondlane", assegura.
Ouvido também no Fórum TSF, João Lobão, jornalista do Diário de Moçambique, fala num país "politicamente dividido", mas garantiu que o povo moçambicano quer paz. Acredita, por isso, que o país vai voltar à normalidade e, contrariando o que foi dito, considera que as palavras de Chapo, um "estratega", podem acalmar os ânimos, porque "foram ao encontro das pessoas".
"Eu prefiro pensar no que vai acontecer daqui em diante: queremos Moçambique em paz e Moçambique já mostrou que é possível viver em paz. Eu sei que o bom senso vai imperar e que Venâncio Mondlane vai conviver com o novo regime dirigido por Daniel Chapo. Acredito que tudo vai voltar à normalidade e o sinal disso foi o regresso de Mondlane ao país. Na verdade, o regresso de Venâncio Mondlane sinaliza o momento de paz que se aproxima", argumenta.
Já Ricardo Machava, jornalista do grupo Soico, tem a crença de que Chapo "traz uma certa esperança" ao país. Alega ainda que a "sociedade moçambicana precisa, não de ver, mas sentir a mudança: sentir no seu prato, na mesa, e sentir na via pública, em termos de segurança".
Chapo foi investido esta quarta-feira, em Maputo, como quinto Presidente da República de Moçambique, o primeiro nascido já depois da independência do país, numa cerimónia com cerca de 2500 convidados e a presença de dois chefes de Estado.
Atual secretário-geral da Frelimo, Daniel Chapo era governador da província de Inhambane quando, em maio de 2024, foi escolhido pelo Comité Central para ser candidato do partido no poder à sucessão de Filipe Nyusi, que cumpriu dois mandatos como Presidente da República.
Em 23 de dezembro, Daniel Chapo, 48 anos, foi proclamado pelo Conselho Constitucional como vencedor da eleição presidencial, com 65,17% dos votos, nas eleições gerais de 9 de outubro, que incluíram legislativas e para as assembleias provinciais, que a Frelimo também venceu.
A eleição de Daniel Chapo tem sido contestada nas ruas desde outubro, com manifestantes pró-Venâncio Mondlane – candidato presidencial que, segundo o Conselho Constitucional, obteve apenas 24% dos votos, mas que reclama vitória – a exigirem a “reposição da verdade eleitoral", com barricadas, pilhagens e confrontos com a polícia, que já provocaram 300 mortos e mais de 600 pessoas feridas a tiro, segundo organizações da sociedade civil que acompanham o processo.
