Entre dezembro de 2023 e janeiro deste ano surgiram quatro milhões de novos pobres, uma subida inédita na história do país.
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O aumento da pobreza na Argentina por causa da elevada inflação e dos salários estagnados deve bater um recorde histórico de 60% em fevereiro, depois de ter atingido 57,4% em janeiro, segundo o Observatório da Dívida Social.
"O aumento generalizado de preços continua, permitindo-nos estimar que, neste mês de fevereiro, a pobreza possa chegar a 60%. Mesmo depois, o processo inflacionário não desacelerará tão rapidamente" e poderá aumentar mais, previu em declarações à Lusa o investigador Eduardo Donza, do Observatório da Dívida Social da Universidade Católica Argentina.
Entre dezembro de 2023 e janeiro deste ano surgiram quatro milhões de novos pobres, uma subida inédita na história do país.
"Esse aumento da pobreza foi consequência da forte desvalorização da moeda, ponto de partida da política de choque do novo governo", argumentou, sublinhando que se não fossem planos de assistência social, a situação seria ainda pior.
"Sem os programas de ajuda social, tranquilamente a pobreza estaria seis ou sete pontos percentuais maior e a indigência duplicaria para 30% da população", calculou.
Ao assumir o cargo em 10 de dezembro, Milei iniciou um veloz processo de descongelamento de preços, apesar dos 211,4% de inflação em 2023 e aos 930% acumulados nos últimos quatro anos do seu antecessor, o ex-Presidente Alberto Fernández.
Um dos preços atualizados foi da própria moeda, artificialmente valorizada. O peso argentino perdeu 120% do seu valor em dezembro, levando os preços em geral a ter esse parâmetro.
Assim, a pobreza, que estava 44,7% em setembro e 49,5% em dezembro, passou a 57,4% em janeiro, atingindo 27 milhões de argentinos, o nível mais alto dos últimos 20 anos. No mesmo período, a indigência subiu de 10% para 15% da população.
"Agora, sou uma integrante desses 57% que hoje come na rua, do que as pessoas doam na rua", lamentou à Lusa a empregada doméstica Norma Calizaya, de 53 anos.
Norma já estava no limiar da pobreza quando, em janeiro, o Governo Milei deixou de entregar gratuitamente os medicamentos de que o seu filho precisa.
Primeiro, Norma endividou-se. Depois, precisou de optar entre os remédios e a comida e passou a comer graças às doações.
"Tudo subiu. Os alimentos, os medicamentos, a renda. Não há salário que aguente. Esta nova política é diferente. Acho que a minha situação vai durar muito porque a mudança é brusca", estimou.
O caso de Alberto Martínez, de 69 anos, é ainda mais drástico, porque vive na rua e sobrevive graças a trabalhos esporádicos como pintor e eletricista e da reforma mínima, que perdeu 40% de poder de compra só em 2023.
"Não estou acostumado a pedir porque sempre trabalhei. Não sei pedir. Se eu tiver de pedir, não sei como será", admitiu à Lusa.
Alberto usou a reforma apenas para pagar um quarto numa pensão e também passou a comer graças a doações. Em janeiro, o dinheiro já não foi suficiente nem para a pensão e Alberto passou a morar na rua.
"Se melhorar um pouquinho, para mim é muito porque a situação em que estou é difícil. É difícil ficar na rua", desabesabafou.
Para recuperar a inflação acumulada entre dezembro e fevereiro, os sindicatos pediram um reajuste de 85% no salário mínimo. O Governo só concedeu 30% a partir de março, a ser pago em abril.
Nos setores do Estado, os aumentos são ainda inferiores. Os trabalhadores da companhia área estatal Aerolíneas Argentinas pediram 70% de aumento. Receberam como resposta apenas 12%.
O resultado dessa disputa salarial tem sido uma onda de greves pelo país que ameaça continuar.
"Podem adotar as medidas de força que quiserem. O Presidente não vai dar um passo para trás. Não vai sair um centímetro do que entende ser o seu mandato popular no qual as pessoas votaram", disse o porta-voz da Presidência, Manuel Adorni.
O Fundo Monetário Internacional (FMI), cuja subdiretora, Gita Gopinath, visitou Buenos Aires, defendeu que "é essencial apoiar os segmentos vulneráveis da população e preservar o valor real da assistência social e das reformas".
