Polícia angolana acusada de desrespeitar direito à manifestação e matar civis inocentes. Amnistia reforça apelo ao Governo português
No relatório "Promessas quebradas: Manifestantes entre gás lacrimogéneo, balas e bastões em Angola" é documentado que a polícia angolana "matou crianças a tiro, disparou granadas de gás lacrimogéneo contra multidões, "queimando braços e pernas" e espancou "brutalmente pessoas sob a sua custódia"
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A Amnistia Internacional (AI) acusa a polícia angolana de ter matado crianças a tiro, ter disparado granadas de gás lacrimogéneo contra multidões, "queimando braços e pernas", e espancado "brutalmente pessoas sob sua custódia, provocando profundas cicatrizes físicas e emocionais".
Num relatório divulgado esta quarta-feira, em que analisou o abuso policial e consequente desrespeito pelos direitos humanos em 11 manifestações em Angola, entre novembro de 2020 e junho de 2023, a AI concluiu que os agentes da autoridade atacaram os manifestantes com balas reais e gás lacrimogéneo, matando pelo menos 17 pessoas, e espancaram e detiveram arbitrariamente outras, em violação da legislação angolana e do direito internacional, mas nenhum dos agentes, ou dos seus superiores foram levados à justiça.
Em declarações à TSF, Inês Subtil, coordenadora da investigação, explica que as conclusões do relatório mostram um padrão de comportamento da polícia angolana.
"Infelizmente, as forças de segurança de Angola têm um longo e bem documentado historial de repressão de manifestações pacíficas. O que nós temos verificado - e este relatório analisa manifestações entre novembro de 2020 e junho de 2023 - é que este historial mantém-se e até após esta data, ou seja, a data que é analisada neste relatório, nós temos continuado a verificar que estas violações continuam a existir e há também falhas das autoridades angolanas para responsabilizar quem está a cometer estes crimes e a impedir o acesso das vítimas e das suas famílias à justiça e à reparação", afirma à TSF Inês Subtil, reforçando o apelo ao Governo português.
"Tentar evitar que violações continuem a acontecer." Amnistia reforça apelo ao Governo português
"Já em julho tínhamos feito um apelo, no caso, ao Governo português no âmbito de uma visita oficial a Angola, para que esta questão dos direitos humanos, concretamente, a questão do direito de reunião pacífica fosse colocada na agenda para que houvesse também uma pressão da comunidade internacional, com vista a que estas violações parem de acontecer. Reforçamos agora esse apelo ao Governo português para que, tendo em conta o peso e o facto de ter relações bilaterais tão fortes com Angola, possa também tentar evitar que estas violações continuem a acontecer", sublinha.
No relatório "Promessas quebradas: Manifestantes entre gás lacrimogéneo, balas e bastões em Angola" é documentado que a polícia angolana "matou crianças a tiro, disparou granadas de gás lacrimogéneo contra multidões, queimando braços e pernas, e espancou brutalmente pessoas sob a sua custódia, provocando profundas cicatrizes físicas e emocionais".
A Organização Não-Governamental (ONG) salienta que, contudo, as autoridades angolanas não responsabilizaram ainda ninguém por estas violações de direitos humanos, e defende que as vítimas e as suas famílias "merecem justiça agora", afirmou o diretor regional adjunto da AI para a África Oriental e Austral, Khanyo Farisè, citado no comunicado.
Angola ratificou os principais instrumentos de direitos humanos dos quais podem ser extraídas normas para o policiamento de manifestações, incluindo o Protocolo sobre Direitos Civis e Políticos, e é um Estado signatário da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, recordou.
"A Constituição do país e a sua Lei da Polícia garantem o direito à liberdade de manifestação pacífica e de expressão, especialmente no contexto de manifestações", prosseguiu.
"Nos termos do direito internacional em matéria de direitos humanos, os Estados têm a obrigação de respeitar e garantir o direito de manifestação pacífica", reiterou.
A Procuradoria-Geral da República deve iniciar imediatamente investigações sobre as mortes de manifestantes e transeuntes pela polícia e garantir que os autores, quer sejam agentes ou oficiais superiores, sejam levados à justiça em julgamentos justos, aconselhou.
Segundo a AI, as forças de segurança angolanas têm um longo e bem documentado historial de repressão de manifestações pacíficas com recurso à força excessiva ou desnecessária, conduzindo, em alguns casos, a homicídios ilegais, intimidação, espancamentos e prisão ou detenção arbitrária.
"Embora a justificação para o uso da força tenha variado, os métodos utilizados para reprimir as manifestações, como balas reais, gás lacrimogéneo, cães e bastões, são os mesmos", acrescentou.
Um dos episódios de abuso policial citados no relatório passou-se no Huambo, no dia 05 de junho de 2023, quando agentes da Polícia de Intervenção Rápida (PIR) dispararam balas reais contra uma multidão que tinha saído à rua para protestar contra o aumento do preço dos combustíveis.
"Pelo menos quatro pessoas foram mortas e entre as vítimas estava Cristiano Luis Pambasangue Tchiuta, um menino de 12 anos que passava pelo local, a caminho da escola", salientou.
Outro episódio foi durante uma manifestação em Luanda, em 17 de junho de 2023, em que Isabel Guedes foi atingida por uma granada de gás lacrimogéneo e sofreu queimaduras de segundo grau nas pernas, tendo necessitado de cirurgia e enxertos de pele.
Nos termos da legislação angolana, os organizadores de manifestações são obrigados a notificar as autoridades pelo menos três dias úteis antes de uma manifestação planeada, explicou.
Por sua vez, as autoridades devem apresentar uma justificação razoável para proibir uma manifestação e responder no prazo de 24 horas após a receção de uma notificação. Todavia, existem casos em que as autoridades ignoraram estes requisitos legais e restringiram as manifestações, sem fornecer um motivo aceitável, concluiu.
Notícia atualizada às 09h22
