Portugal pressiona Bruxelas para travar cortes de 7,6 mil milhões de euros em fundos da Agricultura e da Coesão
Em entrevista à TSF, José Manuel Fernandes alerta para o risco de “renacionalização” da Política Agrícola Comum
Corpo do artigo
Portugal pressiona Bruxelas para evitar potenciais cortes de 7,6 mil milhões de euros nas verbas da Política Agrícola Comum (PAC) e da Coesão no próximo Quadro Financeiro Plurianual da União Europeia. Em entrevista à TSF, o ministro da Agricultura, José Manuel Fernandes, alerta para o risco de distorção no mercado interno.
José Manuel Fernandes recorda que a proposta da Comissão prevê “um montante global de 31,6 mil milhões de euros”. Porém, aplicando o deflator de 2% ao valor do atual quadro 2021-2027, “o envelope justo para Portugal deveria ascender a 39,2 mil milhões”, sustenta.
“Falamos de 7,6 mil milhões de diferença”, enfatiza o ministro, frisando que a negociação ainda está numa fase preliminar e “a procissão ainda nem saiu do adro”.
Renacionalização
O ministro é particularmente crítico sobre a forma como Bruxelas propõe juntar num único envelope as verbas da Coesão e da Agricultura, considerando que representa uma mudança de fundo que pode abrir a porta à “renacionalização” da PAC.
“Se os orçamentos nacionais puderem complementar os fundos europeus, os países mais ricos esmagam os mais pobres. Perde-se solidariedade e põe-se em causa o mercado interno”, vinca, admitindo que a França ou a Alemanha poderiam reforçar apoios internos, criando “desigualdade” face a países com menos margem orçamental, como seria o caso de Portugal.
Alianças
José Manuel Fernandes garante, porém, que Lisboa não está isolada. “Há uma frente alargada de Estados-membros, incluindo países tradicionalmente frugais como a Áustria, mas também a Alemanha, França, Espanha e Itália, que defendem uma PAC forte, estruturante e com dois pilares”, afirma, acrescentando que a prioridade é assegurar “segurança alimentar, rendimento para os agricultores e renovação geracional”.
Ultraperiféricas
Outro ponto que o ministro classifica como “sensível” é o das regiões ultraperiféricas, considerando que foram “esquecidas na chave de repartição” da proposta. No entanto, José Manuel Fernandes afirma que Portugal juntou-se a França e a Espanha na exigência de correções “que garantam um tratamento equitativo” para agricultores das ilhas e territórios ultramarinos.
Recursos
Apesar dos alertas, o ministro salienta que as negociações estão agora a iniciar-se e admite que há margem para reforçar os recursos. A este propósito, o ministro dá como exemplo a experiência como eurodeputado nas negociações do último quadro financeiro, quando “se conseguiu acrescentar 16 mil milhões de euros a programas europeus”, apesar de posições de bloqueio iniciais.
José Manuel Fernandes alerta ainda que na execução dos orçamentos, na União Europeia, “perdem-se sempre 50 a 60 mil milhões de euros por quadro [financeiro]”, considerando que estes montantes poderiam transitar para o quadro financeiro seguinte. Outra via para reforçar as verbas disponíveis poderia passar pela “afetação das multas aplicadas pelo Tribunal de Justiça da União Europeia a multinacionais, que rondam os 2,5 mil milhões de euros anuais”, frisa.
“Há muito trabalho a fazer, mas Portugal tem aliados e soluções para reforçar o orçamento. A agricultura não pode ser secundarizada quando está em causa a segurança alimentar e a coesão europeia”, sublinha.
Duplo uso
Questionado sobre a possibilidade de destinar a projetos agrícolas verbas ligadas a projetos de defesa, através do financiamento de tecnologias de duplo uso, o ministro admite que essa via está a ser equacionada, por exemplo, através da utilização de drones.
A utilização de drones na agricultura está, porém, limitada pela legislação europeia, que trata a pulverização aérea como uma prática geralmente proibida, salvo exceções específicas.
Essa rigidez tem travado a aplicação de produtos fitofarmacêuticos por veículos não tripulados, mesmo quando a tecnologia permite maior precisão e menor impacto ambiental. No entanto, a Comissão Europeia já assumiu que vai rever o quadro legal até ao final do ano, na sequência de propostas de Estados-membros, incluindo Portugal, para permitir o uso generalizado de drones agrícolas em condições seguras.
“É um disparate não podermos usar drones [na agricultura]. Eles ajudam a aplicar produtos de forma mais precisa, evitam a exposição dos trabalhadores e reduzem impacto ambiental”, afirma o ministro, salientando que a Comissão Europeia comprometeu-se a apresentar até ao final do ano uma proposta legislativa para abrir caminho à utilização plena desta tecnologia, que também pode ter dupla utilização em contextos civis e de defesa.
A alteração em preparação deverá clarificar regras, integrar salvaguardas ambientais e ajustar categorias de risco operacional, sinalizando um avanço concreto na modernização das práticas agrícolas na União.
Segurança
José Manuel Fernandes liga ainda a agricultura e segurança, lembrando que “a segurança alimentar é absolutamente essencial” num contexto de instabilidade geopolítica e de alterações climáticas. “A agricultura é comida no prato, mas também economia, coesão territorial, investigação e defesa”, enfatiza, considerando que “sem apoio aos agricultores, a Europa expõe-se a importações de países terceiros com padrões ambientais mais baixos e põe em causa a sua própria resiliência”.