Primeira-dama ucraniana lamenta "inação" da comunidade internacional em relação à "deportação sistemática de crianças"
"Nenhum crime está demasiado distante para nos preocupar a todos e cada ato de violência representa uma ameaça à nossa humanidade partilhada", diz Olena Zelenska
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A primeira-dama da Ucrânia criticou esta quinta-feira a inação da comunidade internacional, avaliando criticamente a eficácia das organizações internacionais e as suas respostas no conflito ucraniano, sobretudo no que diz receito ao futuro das crianças e do país.
Numa intervenção na 9.ª edição das Conferências do Estoril, no Campus de Carcavelos da Universidade Nova de Lisboa, no concelho de Cascais, distrito de Lisboa, Olena Zelenska salientou que a "constatação mais dolorosa do conflito", desencadeado com a invasão russa a 22 de fevereiro de 2022 (e com a anexação da Crimeia, em 2014) "talvez seja a deportação sistemática de crianças ucranianas".
"Mais de 19 mil foram levadas para a Rússia, um ato testemunhado pelo mundo, mas que recebeu ação insuficiente. Ao envolvermo-nos nessas discussões hoje, devemos avaliar criticamente a eficácia das organizações internacionais e as suas respostas, ou melhor, a sua inação", sublinhou ao falar sobre o tema "Como manter vivo o espírito de uma nação em tempo de guerra perante quase 1.000 dias de conflito contínuo?"
"À medida que nos envolvemos em discussões significativas hoje, concentremo-nos em resultados tangíveis. Não se trata apenas da Ucrânia. Trata-se da segurança eclética da nossa comunidade global. Nenhum crime está demasiado distante para nos preocupar a todos e cada ato de violência representa uma ameaça à nossa humanidade partilhada", acrescentou a mulher do Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky.
Para Zelenska, encontros internacionais como o que decorre quinta e sexta-feira em Portugal, "são um microcosmo do mundo", pelo que as ações que hoje se escolherem tomar "moldarão o futuro coletivo".
"Se nos comprometermos com a ação, podemos aproximar a paz e defender os princípios da coexistência face à adversidade. A Hora de Repensar [lema das Conferência do Estoril] ressoa profundamente no nosso contexto atual. A guerra obriga-nos a reavaliar não apenas as nossas prioridades, mas também a própria essência do tempo", sustentou.
Segundo Zelenska, na Ucrânia atual também se reavalia a importância de coisas muito simples e quotidianas que agora se tornaram indisponíveis por causa da invasão russa, exemplificando com a simplicidade de chamar um táxi para o aeroporto, entrar num avião e chegar a Portugal em apenas quatro horas.
"Em total contraste, um míssil russo pode atingir um lar pacífico em Kharkiv em apenas 30 segundos. Comprimir as vidas de civis inocentes é um momento insuportável de terror. Além disso, geralmente não são dados mais de dois minutos para estancar o sangramento de uma pessoa ferida por bombardeamento. A urgência da guerra remodela a nossa compreensão do tempo. Decisões críticas devem ser tomadas em segundos, enquanto a agonia de suportar a guerra estende o tempo para uma provação sem fim", lamentou.
Para refletir sobre a importância do tema, Zelenska frisou que o "tempo tem um preço profundo, o preço da vida". "Embora repensar seja crucial, a reflexão prolongada pode levar ao perigo. Quando o agressor é tolerado, ele ganha tempo para propagar as suas narrativas e cometer mais atos de violência. A deliberação sobre como ajudar os necessitados pode levar à tragédia se a ação for adiada", sustentou.
Para a "primeira-dama" ucraniana, o tempo gasto na discussão deve traduzir-se em "ação decisiva". "A Ucrânia tem lições valiosas para compartilhar sobre a resistência às ameaças que enfrentamos na última década de agressão da Rússia. Redefinimos a abordagem à segurança. Se alguém a ameaça, a humilha por anos, diz que não tem o direito de existir, tudo isso deve ser encarado como um ato hostil, não apenas uma manobra retórica", avisou.
"A guerra na Ucrânia também assumiu um novo significado. Ela não é mais definida pelo heroísmo individual, mas pela determinação diária de viver num país devastado pela guerra, equilibrando esperança com incerteza", argumentou.
No seu entender, deve-se usar o pensamento para catalisar ações globalmente, garantindo que mais ninguém tenha de suportar o mesmo sofrimento.
"Na recente cimeira das Primeiras Damas e Cavalheiros em Kiev, declaramos o nosso compromisso em proteger a infância e garantir um futuro seguro. Uma declaração conjunta dos participantes sobre a segurança das crianças durante os conflitos foi preparada para este evento, e um documento especializado relevante foi desenvolvido e apresentado por mim à margem da cúpula da ONU", lembrou.
A declaração, prosseguiu, mostra que "os melhores interesses das crianças podem ser levados em consideração, mesmo durante as hostilidades", agradecendo aos presidentes português, Marcelo Rebelo de Sousa, e timorense, José Ramos-Horta, pela "participação pessoal" na primeira cimeira global da paz.
