Produtores de petróleo "capturaram" negociações da ONU e atrasam investimento em renováveis
O ambientalista Filipe Duarte Santos destaca, em declarações à TSF, o facto de a próxima Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (COP) ser presidida por um CEO de uma grande empresa petrolífera.
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O presidente do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável, Filipe Duarte Santos, elogia a resiliência de António Guterres, que esta segunda-feira voltou a definir o clima como prioridade. Ainda assim, o ambientalista sublinha que estes apelos urgentes são insuficientes e acusa os países produtores de petróleo de terem "capturado" as negociações da ONU.
Numa comparação homóloga, o consumo de energia em 2022 aumentou, assim como as emissões de gases com efeitos estufa, resultantes do consumo de energias fósseis e da indústria.
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Filipe Duarte Santos explica que a guerra na Ucrânia aumentou muito os preços da energia, em particular do gás natural, petróleo e do carvão, com lucros excecionais para as companhias de energias fósseis.
"Sem que as emissões decresçam de uma forma muito significativa e se atinja a neutralidade carbónica, só depois disso é que a concentração vai começar a baixar, mas lentamente. Tudo isto é uma coisa que vai levar na ordem de um século, porque o clima é sensível à concentração de gases com efeitos de estufa e não às emissões. Temos um longo processo à nossa frente para evitar que estes novos fenómenos extremos, cada vez mais frequentes e intensos, atinjam populações em todo o mundo", defende o especialista, em declarações à TSF.
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O professor da Universidade Nova de Lisboa aponta, assim, a ambição dos investidores, que querem manter os lucros, como "uma parte importante do problema" e que contribuem para que os apelos não estejam a produzir efeitos.
"Os acionistas chegam à conclusão de que se investirem em combustíveis fósseis, em energias renováveis, têm maior retorno, têm mais lucro. Eles podiam notificar o seu portfólio de investimento e investir mais em energias renováveis, mas sabe-se que isso não traz os lucros que traz o petróleo e o gás natural. Isto é parte do problema, uma parte importante do problema, pela qual não tem sido possível diminuir o consumo de combustíveis fósseis e, portanto, baixar as emissões e depois todo o processo que se segue: fazer a transição energética", explica, adiantado que as companhias te petróleo e gás natural têm vindo a "aumentar os investimentos para encontrar novos jazigos", um acréscimo de 11%, que corresponde a um "investimento na ordem dos 500 milhares de milhões de dólares", um valor que não era atingido desde 2015.
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Filipe Duarte Santos acusa ainda os países produtores de petróleo de "capturarem" as negociações das Nações Unidas. No ano passado a Cimeira do Clima, a COP27, decorreu no Egito e, este ano, a COP 28 vai ser nos Emirados Árabes Unidos e presidida por um CEO de uma grande empresa petrolífera.
"O presidente da COP [Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas] é também um dos presidentes de uma companhia que tem investimentos em energias renováveis, mas também tem em gás natural e petróleo. É de certo modo surpreendente", conta, antes de acrescentar que isto "significa que os países produtores capturaram estas negociações". Ainda assim, o especialista alerta que esta situação é "impossível de evitar", até porque "são os próprios países que decidem onde é que é a COP e depois quem vai ser o presidente".
"É uma coisa que está fora do controlo das Nações Unidas, mas o facto é que este processo das negociações da COP foi capturado pelos interesses dos combustíveis fósseis e isso evidentemente que tem reflexos", insiste, afirmando, contudo, que isto "não quer dizer que não se avance".
"As COP são sempre muito importantes, são um espaço de debate, de troca de informações sobre boas práticas. De qualquer modo, em termos de avanço, em termos de compromissos para reduzir as emissões, para fazer o fading out do uso dos combustíveis fósseis, tem deixado muito a desejar", considera.
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Apesar do cenário desanimador, o ambientalista sublinha que nem tudo é negativo e destaca algumas "notícias positivas".
"Há notícia de que no G20 se vai triplicar o investimento em energias renováveis, portanto, isso é uma coisa que é bastante positiva e provavelmente será algo que também será aprovado na COP 28, no Dubai. Simplesmente não foi possível chegar a acordo no G20 - o G20 representa 80% das emissões globais dos gases com efeitos de estufa - sobre a necessidade de fazer o fading out, ou seja, a descontinuação do consumo, do uso dos combustíveis fósseis e isso é algo essencial para conseguirmos controlar esta situação da mudança climática", conclui.