Programa Alimentar Mundial "obrigado a escolher entre os que passam fome e os que estão a morrer de fome"
A diretora do Programa Alimentar Mundial no Afeganistão alerta que "resta apenas uma pequena janela de oportunidade para evitar uma catástrofe".
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A ONU foi forçada a cortar a assistência alimentar a mais dois milhões de pessoas no Afeganistão, elevando para 10 milhões o número de pessoas que este ano deixaram de receber apoio no país.
Devido a "um enorme défice de financiamento", o Programa Alimentar Mundial (PAM) só poderá prestar assistência de emergência a três milhões de pessoas por mês.
"No meio de níveis já preocupantes de fome e subnutrição, somos obrigados a escolher entre os que passam fome e os que estão a morrer de fome", deixando milhões de famílias a lutar pela sua próxima refeição", afirmou Hsiao-Wei Lee, diretora e representante do PAM no Afeganistão. "Com os poucos recursos que nos restam, não podemos ajudar todas as pessoas que se encontram à beira da miséria total", afirma, num comunicado enviado às redações.
Philipe Kropf, responsável pela comunicação do PAM no Afeganistão, vinca a mesma premissa e insiste que a organização é "forçada" a cortar o financiamento "por falta de fundos".
"Nós não queremos fazer isto. Ainda este ano, nós já deixamos oito milhões de pessoas sem assistência e agora em setembro temos de deixar mais dois milhões. Isso significa que dez milhões de pessoas não vão receber a comida, que lhes podia salvar a vida, à medida que o inverno chega. O impacto será sentido por milhões de famílias no país, que vão entrar no pior período do ano, sem saber quando terão a próxima refeição e sem poder contar com o apoio do PAM", lamenta, em declarações à TSF.
Em março, o PAM foi forçado a cortar as rações de 75% para 50% para as comunidades do Afeganistão que enfrentavam níveis de fome de emergência e, em maio, foi forçado a cortar os alimentos para oito milhões de pessoas, ou 66% daqueles que estava a ajudar.
Estas reduções significam que 1,4 milhões de grávidas, mães recentes e os seus filhos já não estão a receber alimentos especialmente destinados a prevenir a subnutrição.
O PAM teme assistir a um aumento acentuado do número de admissões nos centros de nutrição nos próximos meses, à medida que as crianças sofrem cada vez mais com a fome.
Para os próximos seis meses, o PAM precisa de mil milhões de dólares (929.750 mil milhões de euros) para assistir 21 milhões de pessoas com alimentos e ajuda nutricional, bem como apoio aos meios de subsistência. Este montante já inclui o financiamento para salvaguardar alimentos para as comunidades que ficarão isoladas durante o inverno rigoroso no Afeganistão.
"O maior problema nesta altura é o financiamento. Precisamos de reconhecer - e queremos de reconhecer - a generosidade de todos os nossos parceiros ao longo dos últimos dois anos, que nos permitiram ajudar um número recorde de pessoas. Em 2022, o PAM apoiou 23 milhões de pessoas em todo o Afeganistão, isto é mais de metade da população. Agora, apelamos à solidariedade internacional para que continue o financiamento, para que não se abandonem as meninas e mulheres, os rapazes e os homens", alerta Philipe Kropf.
A diretora do PAM no Afeganistão alerta, por isso mesmo, que, sem mais fundos, poderá haver uma "catástrofe" no país com a aproximação do inverno.
"Resta apenas uma pequena janela de oportunidade para evitar uma catástrofe no Afeganistão, mas estamos a ficar sem tempo", afirmou Lee. "O custo da inação será pago pelas mulheres e crianças mais vulneráveis que estão a sofrer o impacto de 40 anos de conflito, de uma economia debilitada e de uma crise climática cada vez mais grave."
O anúncio surge antes da 78.ª Assembleia Geral anual da ONU, em Nova Iorque, onde os líderes mundiais se vão reunir para debater os principais desafios globais ao desenvolvimento, incluindo a fome. Dado que as necessidades aumentam a nível mundial, o PAM está a pedir aos governos prioridade para o financiamento das operações humanitárias.
O PAM encontra-se no meio de uma crise de financiamento incapacitante que está a forçar a organização a reduzir a assistência que salva vidas, numa altura em que a fome aguda atinge níveis recorde. Quase metade das operações do PAM nos países já cortaram - ou planeiam cortar em breve - a dimensão e o âmbito dos programas de assistência alimentar, monetária e nutricional.
"A nível mundial, nunca houve tantas pessoas a precisarem de assistência humanitária para conseguirem sobreviver. No Afeganistão, todos os parceiros humanitários estão a passar pela mesma crise a nível de falta de financiamento. Mas, em qualquer resposta humanitária, a comida está no centro de tudo porque precisamos de comer todos os dias. Todos têm o direito a comer todos os dias, desse ponto de vista, esperamos que os nossos parceiros consigam mobilizar os fundos necessários para ajudarmos as pessoas a passarem o inverno", apela o responsável pela comunicação.
O PAM tinha um orçamento de 14 mil milhões de dólares que foi reduzido para 10 mil milhões, enquanto as necessidades aumentaram para 23 mil milhões.