O lado mais negro dos bastidores da administração Trump foi revelado sob anonimato nas páginas de um jornal. O que tem o jornalismo a dizer sobre isto? E o que diz isto sobre o jornalismo?
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Quando o The New York Times decidiu desafiar os cânones do jornalismo e publicar um artigo de opinião sem identificar o autor do mesmo - referindo apenas que se trata de um alto funcionário da administração Trump - não foi só a América que entrou em alvoroço.
O texto que denuncia a existência de um grupo de oficiais dentro da Casa Branca que "tenta frustrar partes da agenda" e os "piores impulsos" do presidente dos Estados Unidos levantou questões jornalísticas e deontológicas que agitaram as redações e a opinião pública.
Deve um jornal publicar uma opinião sem identificar o autor? Está o interesse público acima da transparência? Depois da polémica instalada, deve o The New York Times (NYT) revelar a fonte?
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A presidente do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas é perentória: "Não há opinião anónima".
Em entrevista à TSF, São José Almeida defende que a decisão de publicar um texto opinativo sem assinatura é injustificável e abre precedentes para que se confunda o trabalho jornalístico com o tipo de acusações, muitas vezes anónimas, veiculadas no mundo digital.
"Há um mundo de diferenças entre o jornalismo e as redes sociais. Um artigo de opinião anónimo é uma coisa que não existe nos jornais."
Ainda que não concorde com a posição do NYT por considerá-la "jornalisticamente e deontologicamente errada", a jornalista considera que o jornal não deve revelar a fonte por ter assumido um compromisso de anonimato com o autor.
"A denúncia da fonte só é justificável e aconselhável se a fonte tiver enganado deliberadamente o jornalista e isso se vier a comprovar. A partir do momento em que o The New York Times decide publicar um texto de opinião sob anonimato não deve, sob pressão nenhuma, vir denunciar quem é o autor do artigo, nem mesmo em tribunal."
A mesma opinião é partilhada pelo diretor do jornal Público que acredita ainda que nenhuma pressão vai levar o The New York Times a revelar o autor do artigo: "Parece-me que os checks and balances (sistemas de equilíbrio) que existem na democracia norte-americana ainda são suficientemente fortes para proteger o segredo das fontes", adianta Manuel Carvalho.
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Já no que diz respeito à publicação do artigo de opinião anónimo, Manuel Carvalho não é tão radical. Apesar de sublinhar que não o faria no jornal que dirige, por não gostar de ver confundidos os termos "opinião" e "informação", o diretor deste diário sublinha que o interesse público pode justificar a decisão do Times.
"Não me escandaliza que a direção do The New York Times tenha optado por esta solução, porque aquilo que está acima de todas as discussões é a avaliação que eles fizeram sobre a importância para o interesse público e para a opinião pública de se saber que há uma corrente de resistência dentro da administração Trump."
Ainda assim, Manuel Carvalho defende que, se estivesse na posição dos diretores do Times, optaria por mudar "a forma" e não "o conteúdo".
"Aquilo que se podia ter feito era haver uma notícia assumida por um jornalista ou pelo próprio jornal em que ouvia todas as informações que esse alto funcionário tinha para dizer e escrevia uma notícia com o mesmo título, com o mesmo tipo de teor e com o mesmo tipo de informação."
Caça ao homem e meia América à procura da toupeira
Ainda que o The New York Times se recuse a revelar o autor do artigo, não faltam palpites sobre quem poderá ter escrito o polémico texto. Trump já avisou que vai "drenar o pântano" para descobrir a fonte do jornal e a imprensa já avançou com vários possíveis autores.
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Um dos primeiros nomes apontados foi o de Mike Pence e tudo por causa de uma simples palavra: "lodestar" (em português, estrela polar). O termo pouco usual aparece no texto do The New York Times e é utilizado com frequência pelo vice-presidente dos EUA, o que alimentou a suspeita. O político já veio, no entanto, desmentir a acusação.
Entretanto, a CNN publicou uma análise com uma lista de 13 possíveis autores do artigo, entre os quais vários protagonistas políticos, mas também nomes mais inusitados, como a mulher, a filha e o genro de Donald Trump.