“Quando o Chega chama traidor ao Presidente da República está a humilhar Portugal na praça internacional"
Sebastião Bugalho, 28 anos, estudou ciência política, foi comentador na CNN Portugal e depois na SIC até há pouco tempo, foi colunista no Expresso e no DN, assinou artigos no Observador, foi jornalista alguns anos, nomeadamente no jornal i. Leia aqui a entrevista no TSF Europa
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A avaliar pelas considerações do cabeça de lista do Chega de que o partido pode ir para a família do ECR, dos conservadores e reformistas, e isso pode mesmo acontecer se após 9 de junho essa família política tiver mais peso do que o Identidade e Democracia, porque a pertença às famílias depois é negociada; mas colocando em cima da mesa, também, as declarações da vossa candidata, Ursula Von Der Leyen, do Partido Popular Europeu, que admite acordos precisamente com o ECR, com os conservadores e reformistas, isso colocaria a AD próxima do Chega, e lá se vai, em Bruxelas, aquilo que não aconteceu em Portugal, o não é não de Luís Montenegro.
Bem, aquilo que lhe posso dizer é que não vou fazer nenhuma geringonça no Parlamento Europeu, nem para a direita, nem para a esquerda.
Mas isso incomoda-o ou fica, eventualmente, até satisfeito com aquilo que no último debate o João Oliveira disse que era a sã convivência com a extrema-direita?
Eu acho que o Ricardo fez duas perguntas, portanto, se me permita, vou dar duas respostas. Pode ser?
Rápido por favor, tanto quanto possível.
Eu sou candidato independente e cabeça de lista da Aliança Democrática, a Aliança Democrática inclui o PSD, o CDS e o PPM, portanto, eu estar aqui a falar sobre a gestão das famílias europeias do Chega é uma coisa que, confesso, com respeito pela sua pergunta, acho que não é o meu papel. Além disso, o candidato Tânger Corrêa não me pareceu ter sido claro no debate sobre essa matéria, porque condenou o cabeça de lista alemão que disse que ter feito parte das SS, que não era um crime, demarcou-se disso.
Que disse que nem todos os SS eram criminosos...
Exatamente. Depois condenou essa afirmação e depois acabou o debate a defender uma fusão entre entre o ECR e o Grupo de Identidade e Democracia. Portanto, eu não percebo, se eles querem mudar de grupo, se querem fundir o grupo, se vão ficar no mesmo grupo, eu não percebo a posição deles.
Portanto, eu confesso: com toda a boa vontade, eu não lhe posso responder a uma pergunta quando eu não consigo perceber qual é a posição do partido sobre o qual me está a fazer a pergunta. Mas sobre a conivência com extremistas, a Aliança Democrática, desde o seu governo nacional até à sua candidatura europeia, não tem qualquer tipo de complacência com extremismos, nem de esquerda nem de direita, mesmo quando eles não são iguais. E deixe-me dizer-lhe que nós não hesitaremos sobre isso e que a Ursula von der Leyen já deixou muito claro, mais do que uma vez, que tem três limites, tem três linhas vermelhas na sua relação com todas as forças políticas: o respeito pelo Estado de direito, o europeísmo e o apoio à Ucrânia. Nós também temos essas linhas vermelhas.
Mas, por outro lado, não tem medo de que os votos combinados ou o peso combinado dessas duas famílias políticas, onde há partidos conotados com a extrema-direita ou com a direita radical populista, e as intenções de voto nos estudos de opinião têm apontado para isso, possam chegar aos mesmos níveis que o PPE?
Eu não tenho esse receio, mas posso dizer-lhe que estou muito confiante no bom resultado do PPE porque estou muito confiante no resultado da nossa lista. Agora, nem os conservadores e reformistas dentro da sua própria família são todos iguais, e se nós formos ver Estado a Estado, eles têm políticas muito diferentes, e muitas vezes divergentes, e a identidade e a democracia, como se vê, é um partido que tem cabeças de lista, que defendem, ou pelo menos que são apologistas, dos crimes do nazismo. Portanto, eu não posso tomar a direita toda por igual, porque senão qualquer dia estão a dizer de mim que sou cabeça de lista de uma equipa social-democrata, democrata-cristã e independente, que também sou de extrema-direita, que é uma coisa que obviamente nós não somos. As linhas vermelhas de Ursula Von Der leyen são as nossas: estado de direito, europeismo, defesa da Ucrânia. Dessas linhas nós nunca prescinderemos. Mas deixa-me, só mesmo para responder à sua pergunta que também tinha, sobre o resultado: eu não tenho nenhum medo do resultado, porque sei que nós estamos todos os dias a trabalhar para ter o melhor resultado possível.
É o tal dos 29%, mais um que a sua idade, há uma sondagem que já aponta para 31%... Mas vamos ter um Parlamento Europeu certamente mais fragmentado do que o que está em funções. Isso vai implicar mais diálogos. Está disposto a dialogar com todos, sem exceções?
Mas esse diálogo já existe. A Comissão Europeia já tem comissários que não são só socialistas, como eles dizem, sociais-democratas de centro-esquerda, nem comissários só do PPE. Já há comissários verdes, já há comissários liberais, até já há comissários do ECR. Em Europa, do ponto de vista de quem governa, não é um governo europeu, mas de quem está à frente da governação europeia na Comissão, esse diálogo já existe todos os dias. A Comissão Europeia já é uma grande coligação dessas famílias. Portanto, se esse diálogo é possível na Comissão, onde se tomam as decisões, porque é que não há-de ser possível no Parlamento Europeu, desde que sempre em respeito pelos direitos humanos, pela democracia, pelo europeísmo e pela defesa da Ucrânia?
Sebastião Bugalho, educado num contexto de diversidade, incluindo étnico, racial, se quiser, na sua família, nos seus natais de família, como é que vê o aumento de situações que configuram um discurso de ódio na sociedade portuguesa e em escolas portuguesas?
Olhe, eu confesso que não estava a contar com essa pergunta. Não que a pergunta tenha mal, mas não estava a contar com ela. É verdade que eu, desse ponto de vista, fui um privilegiado, porque cresci rodeado de diversidade. Cresci até em natais em que as pessoas falavam línguas diferentes, porque o meu tio Zé casou com uma norte-americana de ascendência japonesa, que é a tia Julie.
Portanto, tem todo um contexto, todo um caldo familiar, se quiser, que o faz sentir como prioridade a luta contra o discurso de ódio e a xenofobia no Parlamento Europeu?
Não faz sentir como prioridade; ou seja, eu não vou a um quadro de giz e vou pôr como prioridade o combate ao racismo. É um instinto, está a ver? Eu também não me quero estar a pendurar na minha família para fazer política, até porque como é relativamente público, nem toda a minha família está na minha área política. Mas sim, eu tive a sorte de crescer rodeado de diversidade.
E para responder à sua pergunta, para mim é muito fácil, é muito instintivo falar contra o discurso de ódio. Nós fomos os primeiros a condenar as declarações antissemitas, fomos os primeiros, ou pelo menos fomos dos primeiros a condenar o ataque ao menino nepalês. Cada vez que há um ataque de natureza étnica, quando foi o ataque no Porto, também obviamente condenámos. Quando foi o ataque de natureza política ao candidato social-democrata na Alemanha, enquanto colavam o cartaz, também condenámos logo. Não interessa quem é o primeiro, o que interessa é condenar, como é óbvio. Mas o meu ponto é, isso não é bem o nosso programa, isso é o nosso instinto.
E o que aconteceu a semana passada na Assembleia da República, da parte do deputado e líder do Chega, André Ventura, é um crime de ódio ou foi apenas liberdade de expressão?
Eu confesso, eu não ouvi a sessão plenária porque estava em campanha eleitoral, mas se o Ricardo tiver aí a frase, eu posso comentá-la.
A frase foi: “os turcos não são conhecidos propriamente por serem muito trabalhadores”.
É porque conhece mal a Turquia! É uma frase que, além de ser deselegante, é uma frase que é desinformada. Mas olhe, eu não sou candidato a presidente do Parlamento Europeu e certamente com 28 anos não vou falar em nome da segunda figura do Estado. Eu acho que o bom senso impera e imperou na Assembleia da República porque se procura um equilíbrio entre a liberdade de expressão, que é fundamental numa democracia parlamentar, e o respeito pelas minorias.
Uma coisa é não querer falar e refugiar-se até na questão da idade para não falar da segunda figura do Estado. Outra coisa é perceber, se é a sua opinião, que o presidente da Assembleia da República devia ter feito mais ou se esteve irrepreensível…
Eu, como lhe digo, se for a ver a minha agenda de campanha, eu julgo que estava em Castelo Branco, mas eu não ouvi a sessão plenária e eu não estou a fugir à sua pergunta. Eu quando ouvi o líder do Chega tratar um primeiro-ministro eleito por tu, não gostei. Quando ouvi um ataque a minorias no Parlamento, não gostei. Quando ouvi um deputado dizer a outra deputada que era afrodescendente, ‘volta para a tua terra’, não gostei. Está a ver? Portanto, o meu instinto é estar ao lado da defesa daqueles que são mais visados, sejam eles mulheres, sejam eles racializados, sejam eles da comunidade LGBT, quer dizer, o ataque às minorias merece condenação. Mas sabe que a maneira mais fácil de combatermos e condenarmos aqueles que preferem discurso de ódio é respondermos.
E o André Ventura não ficou sem resposta.
No Parlamento Europeu, qual vai ser o seu posicionamento sobre algo que tem já algum lastro noutros países, um debate que já está mais amadurecido, a compensação das vítimas do colonialismo na escravatura, a restituição de obras de arte? Ou seja, o que é que pensa que pode levar à discussão, além da esfera portuguesa e da discussão da suposta traição à pátria que foi trazida para cima da mesa pelo Chega? Além disso, do tema em si, o que é que a sua sensibilidade lhe diz que pode trazer para a discussão?
Eu, sobre a última questão que o Ricardo elencou, lamento que um partido que se diz alegadamente patriota e patriótico, acuse um chefe de Estado eleito duas vezes por sufrágio direto universal de traição à pátria. Quando o Partido Chega chama traidor ao Presidente da República, está a humilhar Portugal na praça internacional. Está a humilhar Portugal aos olhos dos nossos aliados e parceiros. Obviamente que condenamos e que nos demarcamos dessa atitude. Sobre a sua primeira pergunta, que também tem o seu interesse, eu acho que o diálogo entre culturas, civilizações e países é fundamental. A Europa também se faz disso. A Europa não se faz só na Europa, a Europa faz-se no mundo inteiro e nós também queremos ser uma voz na Europa, mas uma voz numa Europa que é global. Eu não quero ter somente pelas simplificações ou generalizações nessa discussão. Ou seja, entrar na ideia de reparações históricas parece-me abrir feridas que estão fechadas. Hoje em dia, esses problemas estão muito melhor resolvidos do que muitas pessoas que falam sobre eles acham e que muitas vezes só querem abrir feridas elo interesse em abri-las politicamente. Mas agora, eu acho que se o debate sobre as nossas culturas, sobre os nossos patrimónios históricos e culturais for feito de forma séria, construtiva, com académicos, com investigadores, com diálogo, com diplomacia, porque não? Porque é que não nos havemos de sentar na mesma sala e ter esse debate? Eu vou dar um exemplo: eu sou uma pessoa crente, eu sou católico. Podemos supor que num museu em Bruxelas há um determinado artefacto religioso que tem um valor espiritual brutal para uma determinada comunidade, vamos dizer, na Oceania. Se os dois países se juntarem na mesma sala e por respeito ao valor espiritual e cultural daquele objeto, daquele artefacto, conseguir-se diplomaticamente que esse artefacto volte ao seu sítio de culto, onde certamente fará feliz e fará mais realizada essa comunidade, porque não? Eu tenho a certeza que a Europa está disponível para esse diálogo. E, sobretudo, eu sei que a Europa é o palco privilegiado para esse diálogo diplomático e cultural ser feito.
Uma política migratória que se tem baseado na terciarização dos processos dos requerentes de asilo e isso continua a estar contemplado no Pacto Europeu de Migrações e Asilo que foi recentemente aprovado, que é um pouco,’fiquem aí na Líbia a tratar dos papéis que já vemos se podem embarcar ou não'. Isto não é um descartado de responsabilidades por parte da União Europeia?
Eu não tenho essa perspetiva e acho que nós não podemos, como disse, terceirizar os nossos problemas, sejam eles migratórios, sejam as nossas transições. Nós não podemos querer fazer uma transição verde na Europa para, por exemplo, ir produzir os carros que são verdes mas são produzidos na China e a poluição ser feita na China quando o planeta é o mesmo. Portanto, a questão da terceirização dos problemas ou da exportação dos problemas, se quisermos pôr as coisas assim, é complexa e acho que não deve ser generalizada para todos os temas. Mas para falar de migrações e asilo, que tem sido um tema da nossa campanha e é um tema muito presente no nosso programa.
Nós, o PPE, o Partido Popular Europeu, fez parte da discussão e da aprovação do Pacto da União Europeia de Migrações e Asilo e não temos medo dos problemas, nós queremos levar os problemas a sério porque achamos que é a única forma de conseguir boas soluções para eles. O que é que é preciso concretamente melhorar? Era aí que eu queria chegar, obrigado. Eu acho que, no fundo, há duas limitações. Uma mais geral e uma mais concreta que nós podemos melhorar já no Parlamento Europeu nos nossos primeiros 18 meses de mandato. A primeira é que, se reparar, o pacto prevê que, por exemplo, no acolhimento de refugiados, que um país que não queira acolher refugiados pode financiar ou pagar uma compensação ao outro país que vai acolher esses refugiados. Isso, obviamente, é uma solução que tem os seus limites no tempo, porque se um país for muito rico, pode pagar a um eterno para não acolher refugiado nenhum. Acaba por ser uma solução que é desigual do ponto de vista da riqueza dos Estados e desigual do ponto de vista do acolhimento dos refugiados. Tem essa limitação e é uma limitação lógica à que nós estamos atentos e que somos críticos.
Mas falamos de soluções concretas. Nós, obviamente, somos uma candidatura comprometida com o combate à imigração ilegal e com o combate ao tráfico urbano. Como é que se reforça o combate à imigração ilegal? De uma forma simples, reforçando os mecanismos de imigração legal.
E no pacto, no nosso entender, os mecanismos de imigração legal são insuficientes e demasiado humildes, demasiado modestos. Porquê? Porque só contam com a diretiva Blue Card, que, como o chamado cartão azul, que, como o Ricardo sabe, prevê a vinda de um imigrante económico com contrato de trabalho, mas só acima dos três mil euros de salário mensal. Se pensarmos nisso para a realidade portuguesa, onde o salário médio é menos de metade do que esses três mil euros...
É um pacto pensado para os países do Norte da Europa, provavelmente.
Significa que este é um pacto que não pensou em todos os países da União Europeia. Nós não queremos uma imigração legal, democratizada, liberalizada, regrada e humana e que tenha em conta que é possível ter uma imigração legal que conte com emprego, mas conte com emprego que seja mais justo.
Já está em campanha, já andou por aí aos domingos...
Fizemos 2300 quilómetros no último fim de semana. Salvo erro, fomos a oito distritos.
Já se sente o Sebastião das Feiras?
Ah, não, não sinto nada disso, até porque fazemos mais do que feiras. Mas sim, posso lhe dizer que sinto que a nossa candidatura é uma candidatura de pessoas.
Diz que ser livre é a sua maior arma. Não se sente agora em diante preso a esta casa - estamos na sede do PSD - e ao líder do partido Luís Montenegro?
Não me sinto de forma alguma preso. E devo dizer-lhe que desde o momento em que fui convidado para o Parlamento Europeu, ao momento em que estamos aqui os dois sentados, que o Primeiro-Ministro esteve concentrado a governar o país e que eu estive concentrado na minha campanha às Europeias. Eu sou independente e estou a ser sincero consigo. Não me sinto agrilhoado, mas sinto-me orgulhoso. Sinto-me orgulhoso porque, no fundo, com 28 anos, tenho a responsabilidade de encabeçar uma equipa de pessoas válidas, experientes. A Lídia Pereira entrou no Parlamento Europeu mais nova do que eu, mas já tem um percurso fantástico, é a Presidenta da Juventude do IEP (o ramo jovem do PPE) na Europa, com autarcas experientes, com trabalho feito e reconhecido. É mais fácil fazer campanha junto das comunidades quando estamos ao lado de gente que trabalhou e conhece a política local. Então, eu não me sinto nada preso. Sinto-me orgulhoso, confiante e otimista.
Por que é que tem pena de não poder fazer um debate a dois com a Marta Temido nas televisões ou na rádio?
Porque acho que seria positivo os debates frente a frente. Nós tentámos ter um debate frente a frente com a doutora Marta Temido, que é uma pessoa que eu estimo, atenção, mas tentámos ter um debate frente a frente na televisão, o PS recusou.Tentámos ter um debate frente a frente na rádio, o PS recusou. Eu não percebo porque é que o Partido Socialista, no fundo, foge ao escrotínio democrático de uma conversa que até agora tem sido sobre a Europa. Quer dizer, porque é que haveríamos de ter medo de discutir a Europa?
Qual é o seu sonho europeu?
O meu sonho europeu é que os portugueses tenham uma voz forte na Europa e que a Europa esteja defendida, protegida e segura no mundo do século XXI. Esse é o meu sonho e vamos cumpri-lo.
Muito obrigado.
Obrigado, Ricardo.