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Os cortes na Voz da América (VOA), anunciados pela Administração Trump, não surpreenderam os trabalhadores da rádio, mas a “rapidez” com que tudo está a acontecer causa revolta. Sob anonimato e com a voz distorcida, um funcionário conta à TSF que as cartas de despedimento não explicam os motivos de toda esta situação e confessa que agora o medo é o silêncio definitivo. O fim da rádio pode implicar o regresso de jornalistas aos países de origem, empurrados pela deportação, e muitos podem acabar presos.
Os Estados Unidos começaram no sábado a fazer cortes na VOA e noutros órgãos de comunicação social geridos pelo Governo norte-americano. No caso daquela rádio, todos os trabalhadores foram colocados em licença administrativa, mas, como conta o funcionário que pediu o anonimato à TSF, não houve qualquer “aviso interno de que isto poderia acontecer”.
"Estamos a falar de cerca de 1400 pessoas que receberam um e-mail a dizer que estariam em licença, sem qualquer indicação sobre quanto tempo duraria. Um dia depois, são os contractors [trabalhadores independentes dedicados a projetos pontuais], que são cerca de 550, a receberem um e-mail a dizer que tinham sido terminados, sem que, como estabelecido por lei, seja indicada a razão do término do contrato", explica.
A VOA integra jornalistas de quase todo o mundo que “não são vistos como cidadãos permanentes” nos Estados Unidos. Vários trabalhadores “chegaram aos EUA de países ditatoriais, aos quais se regressassem podem ir presos”. Na prática, “estão alicerçados num contrato” que, se tudo correr como previsto pela Administração Trump, está perto de chegar ao fim.
Falamos de pessoas que trouxeram as suas famílias e estão aqui instaladas há décadas. Agora não sabem exatamente o que lhes pode acontecer e estão obviamente assustadas, a recorrer a advogados que estão a trabalhar pro bono para este caso, a fim de encontrarem soluções imigratórias para eles.
A suspensão da rádio pode tornar-se definitiva? Esta é a pergunta que se impõe, mesmo que não exista indicação no momento para isso. Ainda assim, a maioria dos trabalhadores da VOA também acredita que “a ideia passa por transformar a VOA no canal televisivo de Trump, numa máquina de propaganda política para os países que lhe convém”.
“A propagação de valores democráticos, que fizeram com que a VOA nascesse após a Segunda Guerra Mundial e que se instaurou durante estes últimos 80 anos, estão agora a ser convertidos numa outra coisa”, considera o funcionário da rádio que falou com a TSF, sublinhando que os Estados Unidos podem estar a caminhar para uma autocracia.
Os norte-americanos estão obviamente preocupados. Isto não afeta apenas os trabalhadores da VOA. (...) Estão todos preocupados com o seu garante de liberdade de expressão e de movimentos.
Esta terça-feira assinala-se o quarto dia de silêncio na VOA. O Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, quer acabar com a agência norte-americana para a Media Global, que financiava a VOA, a Rádio Europa Livre e a Rádio Ásia Livre.
Todos estes meios de comunicação social transmitiam em várias línguas, e, em muitos casos, eram os únicos que forneciam informações livres, em países sem liberdade de expressão.
“Retrocesso gravíssimo” em Moçambique, onde VOA era farol de liberdade
A rádio moçambicana ChuaboFM já sente os efeitos dos cortes na VOA. Ouvido pela TSF, Zito do Rosário Ossumane, do conselho de administração da Prometheus S.A, empresa que é proprietária da rádio, sublinha que a informação que agora deixa de chegar à rádio tornava a democracia mais forte.
É um retrocesso gravíssimo para a própria comunidade moçambicana. (...) A VOA dava-nos uma forma de visualizar o mundo diferente.
Zito do Rosário Ossumane lembra que “Moçambique tem sido um campo bastante hostil para uma imprensa livre e independente, por isso, a VOA era uma espécie de defesa que permitia que as pessoas olhassem para Moçambique noutra perspetiva, sem autocensura”.
Sem farol de liberdade, a ChuaboFm tem agora de se “reinventar”. Além das histórias que já contam, os jornalistas querem manter outras formas de ver o mundo.
