Um curso de cozinha tenta ajudar refugiados e imigrantes a construírem uma nova vida. As aulas práticas começaram esta semana.
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Todos de máscara e avental, os alunos têm à frente facas e tábuas de cortar.
Elas usam quase todas hijab, o véu islâmico que lhes cobre o cabelo e as orelhas.
São cerca de 15 refugiados e imigrantes no primeiro curso de cozinha promovido pela Associação Pão a Pão, com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian e da Escola de Hotelaria e Turismo de Lisboa.
Os alunos vêm do Afeganistão, Eritreia, Etiópia, Líbia, Somália, Serra Leoa, Índia, Roménia e Iraque.
As aulas práticas começaram esta semana, com técnicas básicas de cozinha.
  
O professor Manuel Barreto ensina "primeiras preparações" como cortes de legumes, batatas, frango, outro tipo carne e peixe, além de confecções básicas.
Para um dos alunos, Ika, cortar o frango não traz dificuldades. Já trabalhou numa churrasqueira, depois de passar um ano a fugir da repressão. "No meu país, a Eritreia, há uma ditadura", conta o refugiado de 32 anos.
Passou pela Etiópia, Sudão, Líbia, Mediterrâneo e depois Itália, de onde foi recolocado para Portugal. Ika teve medo, "arrisquei a minha vida para vir para aqui. Não foi apenas uma viagem, não vim de avião. Fugi ilegalmente para cada um dos países". Na Eritreia, deixou o filho, que hoje tem 14 anos, mas não pensa em regressar. "Não é que não queira, não posso mesmo", enfatiza, "fugi ilegalmente. Se voltar, é arriscado, porque não sei o que me podem fazer".
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Mastibo também fugiu sozinha, da Somália. "O meu país tem uma guerra há 30 anos", relata já em português. Está há dois anos e três meses no nosso país, depois de ter vivido quatro anos no Egipto. Ainda trabalhou como tradutora e empregada de limpeza, mas sem trabalho, inscreveu-se para o curso de cozinha e sonha ser pasteleira, porque "quero fazer muitos doces", confessa gulosa.
Longe de amargos de boca, a líbia Emi veio com o marido para Portugal, há cinco anos. Confessa o "amor" pelo curso de cozinha e sonha abrir o "Emi sem açúcar café", virado para os doces e salgados destinados aos casamentos.
A presidente da Escola de Hotelaria e Turismo de Lisboa, Ana Moreira, nota em todos os alunos um "interesse, nalguns a paixão", pela área da cozinha e contacto com as pessoas, mas salienta que estão ainda "numa fase embrionária de exploração do que vai ser o seu futuro".
O curso de cozinha divide-se em duas fases: os primeiros três meses com aulas na Escola e uma segunda parte no restaurante Mezze, da Associação Pão a Pão, que ajudará também os refugiados a encontrarem estágios profissionais.
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A presidente da Associação, Francisca Gorjão Henriques, explica que os alunos recebem ajudas de custo, porque "é muito difícil para pessoas imigrantes disponibilizarem o seu tempo para formação, em vez de estarem a trabalhar". Por isso, é atribuído um subsídio de refeição e um apoio para os transportes.
Nota do editor: a autora escreve ao abrigo do antigo acordo ortográfico