Regime de al-Assad caiu há um mês na Síria. "Situação das famílias deslocadas está a piorar"
Os Médicos Sem Fronteiras falam numa "situação muito preocupante". Em declarações à TSF, Matthew Cowling refere que as escolas, que servem de abrigo para as famílias deslocadas, têm poucas ou nenhumas condições. Faltam aquecedores e as doenças sazonais estão a aumentar
Corpo do artigo
A situação dos deslocados no nordeste da Síria está a agravar-se. O regime de Bashar al-Assad caiu há precisamente um mês, mas, no nordeste do país, os Médicos Sem Fronteiras (MSF) não notam grandes mudanças. As escolas, que servem de abrigo para as famílias deslocadas, têm poucas ou nenhumas condições. Com a chegada do inverno, faltam aquecedores e aumentam as doenças sazonais.
O retrato é feito à TSF por Matthew Cowling, responsável pelos assuntos humanitários dos MSF no norte da Síria: "Estando aqui no dia em que Assad partiu, foi um dia monumental. Obviamente, houve celebrações e uma mistura de emoções. No nordeste da Síria, a liderança da estrutura política não mudou. Assistimos a conflitos, mas não notamos qualquer mudança. Há tensão na comunidade, não sabemos o que vai acontecer no futuro enquanto o Governo de transição em Damasco e na Síria está a ser formado. O que isso significa para o nordeste da Síria é desconhecido e nós, como Médicos Sem Fronteiras, estamos focados em prestar cuidados médicos, seja qual for a filiação partidária, e vamos continuar a trabalhar nas comunidades onde estamos enquanto as pessoas precisarem de cuidados médicos."
No que toca a cuidados médicos, o responsável indica que os MSF estão a "prestar cuidados básicos a famílias deslocadas". "Atualmente, as doenças que temos são sazonais: constipações, problemas de estômago, doenças de pele, mas também vemos grandes barreiras no acesso para doenças não transmissíveis, como medicamentos para a diabetes e hipertensão", adianta.
Matthew Cowling fala também "numa situação muito preocupante" relativamente ao "apoio à saúde mental e problemas psiquiátricos".
Questionado sobre se o cenário tem vindo a piorar, Cowling considera que "a situação para as famílias que vivem nas escolas está certamente a piorar, apesar do aumento na distribuição de cobertores e colchões". "Há clínicas móveis a dar assistência médica, mas as pessoas continuam a viver em abrigos completamente desadequados. A cada dia que passa aumenta o trauma para muitas pessoas que foram deslocadas. A violência no nordeste da Síria também está a impedir o acesso humanitário a certas áreas e o inverno está a chegar agora. Está muito frio", sublinha.
O responsável dos MSF reforça que a maioria das escolas "não está equipada para receber famílias", havendo "falhas significativas no aquecimento". "São necessários aquecedores a gasóleo", assinala. Cowling refere ainda que "houve uma mobilização, coordenação e resposta rápida de outras organizações,
apesar da insegurança". À exceção de algumas áreas, "os acessos foram abertos e é mais seguro".
"Algumas organizações tiveram de reduzir as equipas, retirar pessoal internacional, mas as equipas locais continuam a trabalhar de forma incansável. Há milhares de pessoas a precisar de certos produtos e cuidados médicos. O que pedimos, como Médicos Sem Fronteiras, é uma abordagem abrangente e coordenada para tentarmos chegar a todos os que precisam de assistência no nordeste da Síria", apela.
Lançada a 27 de novembro, uma ofensiva relâmpago derrubou em 12 dias o regime do Presidente Bashar al-Assad, há 24 anos no poder na Síria, obrigando-o a abandonar o país com a família a 08 de dezembro e a pedir asilo político na Rússia.
A ofensiva, que na realidade eram duas combinadas – “Dissuadir a Agressão”, lançada pela Organização Islâmica de Libertação do Levante (Hayat Tahrir al-Sham, HTS, em árabe) que inclui o antigo ramo sírio da Al-Qaeda, e “Amanhecer da Liberdade”, liderada pelos rebeldes sírios - foi a primeira em grande escala em que as forças da oposição conquistaram território em Alepo desde 2016, quebrando o impasse de uma guerra civil iniciada em 2011, que matou mais de 300.000 pessoas e fez sair do país quase seis milhões de refugiados e que, formalmente, nunca terminou.
Os Presidentes turco e russo, Recep Tayyip Erdogan e Vladimir Putin, respetivamente, acordaram, em 2020, um cessar-fogo, após meses de combates em Idlib.
O reacendimento do conflito fez-se com esta ofensiva que partiu da cidade de Idlib, um bastião da oposição, em que os rebeldes conseguiram expulsar em poucos dias o Exército de Bashar al-Assad, apoiado pela Rússia e pelo Irão, das capitais provinciais de Alepo, Hama e Homs, abrindo caminho para Damasco, a capital do país, e pondo fim ao regime do clã Assad, iniciado em 1971, ano em que o pai de Bashar, Hafez al-Assad, tomou o poder através de um golpe de Estado.