Reportagem TSF. Ucrânia quer aumentar exportação de cereais. "Estamos preparados para carregar 10 navios por dia"
O trigo dos campos de Kherson e Mykolayiv sustentou a Ucrânia durante séculos e agora gera acusações ucranianas e russas no meio da guerra.
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Chernozem. É este o segredo para a prosperidade de Odessa. A palavra significa solo negro, numa tradução livre do russo. À cor, junta-se a natureza argilosa desta terra, um exclusivo da Ucrânia. Vários especialistas asseguram que são os solos mais férteis do planeta. É de lá que vêm os cereais que durante séculos alimentaram a Europa, originaram guerras e fizeram fervilhar a economia da pérola do Mar Negro.
Até há alguns meses, Catarina, a Grande, contemplava o porto comercial que criou para financiar a expansão do império russo. O trigo dos campos de Kherson e Mykolayiv pagou a Ópera da cidade. E não será coincidência que junto ao edifício histórico fique a sede da Autoridade Portuária Ucraniana (APU).
Dimitri Barinov é o número dois da instituição que gere as exportações ucranianas ao abrigo do Acordo de Cereais. Conta, em entrevista à TSF, que o começo foi um pouco difícil, "ninguém sabia o que fazer, que documentos eram necessários, como trabalhar". Depois, com o passar do tempo, o funcionamento ficou mais oleado, assegura o chefe-adjunto da APU.
Mas, com o aproximar da data da primeira prorrogação, em novembro, Rússia e Ucrânia começaram a trocar acusações. Moscovo acusa Kiev de usar o regresso dos navios para transportar armas e a Ucrânia acusa Moscovo de boicotar as inspeções dos navios. Dimitri Barinov insiste na acusação: "Chegam tarde, saem mais cedo, trabalham lentamente. E, com isto, em vez de fazermos as 20 inspeções por dia, fazemos duas."
Conta que Kiev já pediu a Moscovo que destaque mais inspetores para as instalações do Centro de Cooperação Conjunta, em Istambul, mas o Kremlin recusa. "Por que não? A Turquia concorda, as Nações Unidas também e a Ucrânia com certeza."
Um acordo que na realidade são dois tripartidos. Turquia, Nações Unidas e Rússia por um lado, e Ucrânia, Nações Unidas e Turquia por outro. Tem de ser prorrogado a cada quatro meses. A próxima data limite acontece já em fevereiro. Dimitro Barinov confessa-se por isso "nervoso".
"Porque é que temos de andar nisto a cada 120 dias? Por que não fazê-lo por um ano? Porque eles pedem sempre mais qualquer coisa. Por chantagem."
Ainda assim, está otimista quanto ao sucesso de mais uma prorrogação.
Dmitri Barinov não encontra explicação para o comportamento de que acusa a Rússia. "Não consigo explicar muita coisa na minha vida, neste momento", confessa. Mas os entraves à circulação provocam agora longas filas de navios de um lado e do outro do Bósforo.
Navios carregados, no Mar Negro, e vazios, no Mar de Marmara, à espera de poderem regressar aos portos ucranianos.
O número dois da APU acredita que se o acordo fosse cumprido na íntegra, as exportações de cereais seriam em dobro. "Estamos preparados para carregar 10 navios por dia nos três portos que fazem parte do acordo."
Para contornar as dificuldades na passagem do Bósforo, Kiev quer começar a usar navios com mais capacidade de carga. "Esta é a nossa abordagem, mas claro que é melhor. Precisamos de convencê-los a agir corretamente", conta à TSF.
Apesar dos territórios ocupados e da guerra, a colheita de 2022 fez duplicar as reservas ucranianas. Nos silos do país há neste momento 40 milhões de toneladas de cereais à espera de destino. A poucos meses do início de mais uma campanha do trigo, pede que se acelere a venda da produção armazenada.
"Precisamos de vender para libertar os stocks. E os agricultores devem ter dinheiro para comprar as sementes, o gasóleo, adubo para fazer uma nova sementeira. É como um círculo."
Se ainda estivesse no alto do pedestal, a imperatriz russa teria visto partir, nos últimos sete meses, 21,4 milhões de toneladas de cereais ucranianos. Quando os acordos foram assinados, um dos argumentos era ajudar os países mais pobres de África, mas os dados das Nações Unidas mostram que a China foi o país que mais recebeu, seguida da Espanha e da Turquia. Mas, para o responsável ucraniano, o destino dos cereais não é importante: o que conta é o efeito no mercado. "Se não houver produtos agrícolas ucranianos, os preços sobem", garante.
