Reportagem TSF na Ucrânia. Depois de dois meses a viver em cave, refugiados de Kherson chegam a Odessa
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"Eu dormia com a minha irmã Sofiyka. Os rapazes, separados. Era normal... Só um pouco assustador." É assim que Vika, de 11 anos, descreve à TSF a vida na cave onde passou grande parte do tempo nos últimos dois meses, com a irmã Sofia, de quatro anos, e os dois rapazes mais velhos.
Havia um colchão e uma cama. "Era aí que nós dormíamos", conta, recordando o espaço em que havia também "um sofá, um micro-ondas e uma cadeira desdobrável".
Feita a lista, o veredicto é claro: "Tínhamos tudo."
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Aqui também há um sofá e camas que cheguem para todos.
Hoje, os rapazes vão dormir no beliche. As irmãs continuam a dormir juntas, mas agora numa cama.
Nos últimos dois meses, Vika não pôde assistir às aulas do quinto ano porque na cave de Kherson não havia internet. Ainda assim, fazia os trabalhos de casa.
Agora, no hotel transformado, há três meses, em centro de acolhimento para refugiados, em Odessa, já vai poder voltar à escola, mesmo que à distância.
Mas não foi a falta de acesso à internet que fez a família abandonar Kherson. A avó Olena conta, como tantas outras avós num mundo com e sem guerras, a história.
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"Morávamos na margem direita do Dnieper, junto ao porto. No lado esquerdo há pequenas ilhotas. É daí que é disparada a artilharia. Todas as janelas do nosso prédio estavam partidas. Já não era possível sequer ir ao primeiro andar, para levar as crianças à casa de banho", explica à TSF.
Não foi sempre assim. Corria o mês de dezembro quando se viram forçados a morar na cave do prédio que habitavam.
"À noite íamos até ao sexto andar apenas para cozinhar, jantar e tomar banho. Dávamos banho às crianças, às vezes ligávamos a máquina de lavar roupa e descíamos as escadas a correr." Dadas as voltas da máquina a par das da vida, voltavam "lá acima, num instante, para ir buscar a roupa". E assim passaram dois meses.
Enquanto Kherson esteve ocupada pelo exército russo, a família continuou a viver na cidade em que todos nasceram.
Foi assim até à véspera da chegada a Odessa. Mas não foi só isso que se manteve até à véspera: Olena, enfermeira, nunca abandonou a missão de cuidar dos outros. Ocupou o seu posto no hospital até ser inevitável abandonar Kherson.
"Trabalhei até ontem", garante. "Estivemos lá durante a ocupação. Sobrevivemos a tudo. Mas tornou-se impossível, por exemplo, ir ao supermercado."
Os bombardeamentos constantes teimavam em não deixar a vida acontecer. "Havia sempre coisas a voar, nem sabíamos de que lado vinham."
Enquanto os mais pequenos vão conhecendo os cantos ao novo quarto sob o olhar do avô Hryhoriy, Olena descreve a rotina de quem mora em Kherson.
O centro da cidade é "constantemente bombardeado. Não há um momento de paz". Em algumas zonas "é dia e noite".
"Eu trabalhava a três paragens da minha casa. Não podia correr ou caminhar essa distância. Corria de prédio em prédio e tentava perceber por onde e para onde estavam a disparar", desfia.
Este casal e os quatro netos não esperam ficam muito tempo em Odessa, querem ir ter com o filho à Polónia.
"Ele mora lá há dez anos" e quando a guerra começou disse à mãe que fosse ter com ele e levasse as crianças.
"Não são filhos dele e nós já não somos novos. Vivemos toda a vida em Kherson, tínhamos trabalho, as crianças tinham escola. Esperávamos que as coisas melhorassem", confessa. Mas pioraram "de dia para dia".
