Robert D. Kaplan: "Na guerra, tudo vai ser influenciado pelo que acontecer nas próximas semanas"
Robert D. Kaplan, autor americano, analisa na TSF a guerra e diz que tudo, desde o futuro da NATO e da Rússia, ao apoio à Ucrânia, se vai decidir nas próximas semanas no campo de batalha.
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É um dos mais prestigiados pensadores das relações internacionais do pós-guerra fria, autor de mais de duas dezenas de livros, entre eles "A Vingança da Geografia". Jornalista, analista político, viajante e escritor sobre questões geopolíticas e temas internacionais, com obras traduzidas em várias línguas. Foi professor na Academia Naval dos Estados Unidos e assessor do Departamento de Defesa dos EUA. Colabora regularmente com diversas publicações e foi, por duas vezes, nomeado pela Foreign Policy um dos "Top 100 Global Thinkers". Kaplan veio a Lisboa, a convite da FLAD e do Clube do Autor. Entrevista na TSF.
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Em novembro disse-me, numa entrevista ao Estado do Sítio, que, quanto à guerra na Ucrânia, estávamos numa encruzilhada. Ainda é o caso ou a guerra já fez mudar as peças e os atores nalguma outra direção? Como vê o atual momento?
Acho mesmo que estamos numa bifurcação do caminho, podem acontecer várias coisas. Lenine tinha uma frase fantástica: "Podem passar décadas e não acontecer nada, depois passam semanas e acontecem décadas". E penso que é aí que estamos agora. Se os ucranianos conseguirem fazer um grande avanço, se conseguirem cortar a ponte terrestre russa para a Crimeia, ou algo do género, ou se fizerem progressos significativos no terreno, isso vai enfraquecer significativamente a posição da Rússia, e vai reforçar o apoio à Ucrânia na Europa e nos Estados Unidos. E isso poderia levar a um conjunto de ações que, com o tempo, poderiam enfraquecer o governo de Vladimir Putin. Por outro lado, se os ucranianos não forem bem sucedidos nas próximas semanas e meses, isso pode levar a um enfraquecimento do apoio à Ucrânia no Ocidente.
Não sabemos ainda, mas muitas coisas como o futuro da NATO, o apoio à Ucrânia, o futuro da Rússia, tudo vai ser influenciado pelo que acontecer no campo de batalha durante as próximas semanas. Quando as grandes guerras acontecem, determinam a história, e estamos agora nesta fase, em que uma grande guerra, a maior guerra na Europa desde a Batalha de Berlim em 1945, vai determinar muitas coisas no futuro. E eu não sei que direção vai tomar. Não posso fazer uma previsão sobre isso. Mas sei que estamos numa bifurcação na estrada.
Se o progresso ucraniano no terreno se tornar evidente e visível, prevê alguma tentativa russa de impedir isso? Através da explosão de barragens? Por exemplo, se é que foi esse o caso, não sabemos...
Ainda não sabemos. Sim. É interessante. Não se trata apenas de armas nucleares. Não são só as barragens que explodem. São armas químicas. São armas biológicas. É sabotagem, ataques cibernéticos que podem ser no Ocidente, dirigidos ao Ocidente, ou à Ucrânia, não sabemos. Como já disse, estamos agora nesta posição, em que se a posição russa enfraquecer significativamente, a sobrevivência política de Putin está em jogo. E se a sua sobrevivência política estiver em jogo, dado o sistema, ou a falta de um sistema na Rússia, a sua sobrevivência física pode estar também em jogo. E nós não sabemos o que ele vai fazer. Mas todas estas coisas são possíveis.
Quando o entrevistei em novembro, e no que se refere à guerra da Ucrânia, disse-me que o Ocidente estava a fazer o melhor que podia. Será que ainda é assim, porque temos, por outro lado, o Volodymyr Zelensky, a exigir cada vez mais...
Sim, o Ocidente não está agora a fazer o melhor que pode. Teoricamente há outros sistemas de armas que poderiam estar a enviar para a Ucrânia. Mas dadas as políticas, dadas as imperfeições da política externa, o Ocidente está a fazer muito. No último ano e meio, vimos a maior demonstração de poder americano desde a primeira Guerra do Golfo, em 1991, para expulsar as forças iraquianas do Kuwait. Entre estas duas guerras, nunca vimos algo assim, com dezenas de milhares de milhões de dólares de sistemas de armamento a serem entregues a um lado para enfraquecer outra grande potência; é algo muito dramático. Portanto, se o Ocidente não está a fazer tudo o que pode, está, ainda assim, a fazer muito.
É, portanto, um enorme investimento em recursos. Mas sem botas no terreno, o que torna as coisas mais confortáveis para o Ocidente...
Sim, exatamente. Percebeu perfeitamente a questão. Na verdade, com todos os 10 mil milhões de dólares de armamento que estão a ser enviados, a administração Biden está a travar uma guerra de limites estritos, sem botas no terreno. Agora, constantemente ciente do perigo de a guerra se espalhar para a NATO ou à utilização de armas de destruição maciça. Penso que daria notas muito altas à administração Biden pela sua política até agora. Penso que é a melhor, mais uma vez, penso que é a mais bem sucedida. É a melhor. É a aplicação mais inteligente do poder americano desde a primeira Guerra do Golfo, e penso que a equipa de Biden, Jake Sullivan na segurança nacional, William Burns na CIA, é a melhor equipa da política externa americana desde Brent Scowcroft e James Baker.
Acha que isso é um tipo de investimento político da administração Biden que pode parar no próximo ano devido às eleições que se avizinham? Poderá esse apoio à Ucrânia chegar a um limite?
Penso que as pessoas estão demasiado nervosas com as eleições americanas. As eleições americanas são muito imprevisíveis. Ninguém deu uma hipótese a Trump até ao primeiro debate. Todos pensavam que Jeb Bush ia ser o nomeado. As sondagens, as sondagens políticas, a precisão das sondagens políticas está a diminuir em todo o mundo, porque as pessoas já não pegam nos telemóveis e dizem o que sentem. Por isso, ninguém faz ideia do que vai acontecer nas primárias republicanas. Há este pressuposto de que Trump é o maior perigo. Não tenho a certeza de que Trump venha a ser o nomeado.
Acha que estes casos judiciais, talvez joguem contra ele?
Mais uma vez, não é claro porque ninguém sabe realmente o estado da opinião pública, já não se pode acreditar nas sondagens como antigamente. Não sei. +
Como comenta a reação de Trump após o indiciamento, com as declarações que fez em Miami e depois no comício político em New Jersey?
Acho que vai tornar mais difícil para os chamados "swing voters" republicanos, não apenas nas primárias republicanas, mas nas eleições gerais, apoiarem Trump.
Porquê? Devido à quantidade de provas?
Porque está muito mais danificado do que estava da primeira vez, quando se candidatou em 2016. Quando foi eleito presidente em 2016, ele estava em muito melhor forma do que está agora. Agora está mesmo danificado.
Voltando à guerra na Ucrânia... Cada vez mais, grupos apoiados pela Ucrânia ou, mesmo que não formalmente apoiados, têm estado a atacar território russo. Onde é que isto nos pode levar?
Estamos a entrar em águas muito perigosas. Porque penso que a administração Biden está muito preocupada com o facto de a Ucrânia atacar território russo. Os EUA não podem controlar completamente a guerra, mas penso que estão preocupados com isto, com o alastramento da guerra à Rússia, porque isso colocaria Putin contra a parede, e não se sabe o que ele pode fazer, ou o que pode, nessas circunstâncias tentar fazer.
Tendo em conta que não será uma surpresa o facto de existirem alguns agentes americanos, ou conselheiros ou conselheiros militares, ou uma CIA, ou pessoas relacionadas com o Departamento de Estado, ou o que quer que seja, a trabalhar de perto com as autoridades ucranianas, o que seria natural dada a dimensão da ajuda militar, não têm voto na matéria? Não têm uma palavra a dizer?
Não sei se posso responder a isso porque não conheço o estado das negociações nos bastidores entre os ucranianos e os americanos. Os americanos têm muita influência sobre os ucranianos, mas ainda não podem ditar tudo o que eles fazem.
A partir de uma abordagem russa: ser atacado no seu próprio território torna o país mais vulnerável. Acha que isto pode ter um impacto na opinião pública russa?
Pode, sim. Lembre-se, há esta ideia de que os russos estão habituados ao sofrimento. São fatalistas. Mas eu não acredito em tudo isso, acho que vivemos num mundo global com comunicações globais. Se a opinião pública russa está a virar-se contra Putin, nunca o saberemos verdadeiramente, porque a Rússia não é um país democrático. As pessoas não vão a jantares à noite, não vão a manifestações e põem-se a falar sobre quão estúpido é quem os governa; isso acontece no Ocidente, não acontece na Rússia. Portanto, é uma incógnita.
E a população está mais ou menos habituada a décadas de repressão e a não falar quando, por exemplo, vê que o exército não está a defender as suas aldeias ou os seus territórios dos ataques do outro lado da fronteira...
Sim, isto é, a Ucrânia trazer a guerra para o solo russo é um enfraquecimento direto da força política de Putin dentro da Rússia.
Ainda acredita numa vitória militar da Ucrânia nesta guerra com a Rússia, fazendo a Rússia recuar a Rússia para as suas posições anteriores a 2014, anteriores à invasão da Crimeia?
Penso que será muito difícil para a Ucrânia capturar a Crimeia, extremamente difícil. Mas se ameaçar de facto a Crimeia, isso poderá significar o fim do domínio de Putin. Porque a Crimeia não é como a Ucrânia Oriental. A Crimeia tem associações profundas com a história russa, com Catarina A Grande, com a grandeza russa, com tudo isso. A Crimeia é, política e historicamente, muito mais importante para a Rússia do que a Ucrânia Oriental ou qualquer outra parte da Ucrânia.
O que podemos esperar da Cimeira da NATO do próximo mês, em Vílnius? Acha que vai haver alguma garantia de adesão da Ucrânia?
Não sei. Simplesmente não sei. Se a Ucrânia não puder aderir à NATO, apresentarão algum tipo de fórmula para acelerar o seu caminho para a adesão ou algo do género.
Garantias de segurança?
Algo do género.
Esta guerra na frente oriental na Europa capta a maior parte da atenção nas políticas externas. Mas há uma coisa maior e mais importante provavelmente à nossa frente, que é a competição entre os EUA e a China. Como é que acha que as coisas podem evoluir em relação a essa competição entre estas duas grandes potências?
Não há uma solução fácil para Taiwan, porque Taiwan não é apenas uma democracia, antes representa o que restou da Guerra Civil Chinesa na década de 1940. Mesmo que Taiwan fosse uma autocracia, o regime de Pequim quereria apoderar-se de Taiwan na mesma. Porque é o antigo regime de Kuomintang, contra o qual os comunistas lutaram durante a ocupação japonesa. Por isso, há muita história aqui e pode não haver uma solução fácil para Taiwan, a não ser que se encontrem fórmulas que protejam os EUA e a China de entrarem em guerra um com o outro.
Há algumas semanas, em Helsínquia, Antony Blinken fez um discurso apelando à China e ao Brasil para que se juntem aos EUA e aos parceiros ocidentais para encontrar uma solução para a guerra na Ucrânia. Blinken está em Pequim este fim-de-semana, podemos ter esperança numa coligação internacional alargada? Ou ainda que não seja propriamente uma coligação, mas uma força diplomática, chamemos-lhe assim, para conseguir algum tipo de acordo político para a guerra na Ucrânia?
O próprio facto de Blinken estar em Pequim é um sinal de que os EUA e a China querem baixar a temperatura. Porque um Secretário de Estado não vai simplesmente a um sítio onde as coisas são acordadas com antecedência. Porque a última coisa que alguém quer é uma cimeira falhada. Quanto à guerra na Ucrânia, não sei se a China vai continuar a apoiar a Rússia. É possível que Blinken e o seu homólogo em Pequim discutam qual é o ponto da situação para acabar com a guerra e encontrar uma solução diplomática para o problema. Também se discutirá a questão da Arábia Saudita e de Israel, que trabalham em conjunto. Os chineses levaram os sauditas e os iranianos a renovar as relações diplomáticas. E os americanos não são de todo contra isso. Querem trabalhar com eles, por assim dizer. Por isso, penso que haverá discussões não só sobre Taiwan, mas também sobre a Ucrânia e o Médio Oriente.