Rosário, cidade de Messi: barões da droga presos, o negócio violento continua
Rosário, a capital da droga na Argentina ou apenas um injusto rótulo imposto e disseminado a partir de fora? A TSF mergulhou na cidade de Messi e Di María à procura de respostas.
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Os números não deixam dúvidas: Rosário tem muito mais mortes violentas do que a média nacional. Muitos dizem que "os piores anos já lá vão". Em 2013, mais de 260 pessoas foram assassinadas nas ruas da maior cidade da província de Santa Fé. Só que em 2022 foram ainda mais.
Pablo Javkin é o intendente de Rosário, o presidente da câmara desta que é a maior cidade na província de Santa Fé. Marcámos encontro num shopping no centro de Rosário, na véspera de ir a votos como candidato à reeleição, o que acabaria por acontecer. O autarca explica-nos que 90% dos crimes graves de que a cidade é vítima, "são gerados a partir das prisões". "E o governo da Argentina tomou a decisão de dissolver a inteligência criminal nas prisões. E ao dissolver a inteligência criminal das prisões, faz-nos ter atos criminosos todos os dias em Rosário devido a confrontos entre gente que pertence a bandos que estão presos nas prisões federais. Esta é a situação mais grave que estamos a sofrer. Eles não são impedidos de falar, não são impedidos de organizar crimes, nem são escutados. E o triste é que quando os fatos são esclarecidos, o nível de esclarecimento é muito alto, justamente porque as conversas são encontradas. Portanto, se essa escuta fosse feita antes, o facto seria evitado, não aconteceria."
A orientação do negócio do tráfico de droga a partir da prisão é uma nova realidade na Argentina, embora muito comum, por exemplo, no Brasil, com movimentos como o Primeiro Comando da Capital. Há, pois, "uma penetração brasileira nas prisões argentinas e a lógica está a ficar semelhante. Quer dizer, os chefes estão detidos, mas uma vez detidos estão mais confortáveis do que se estivessem cá fora".
Os Monos e o negócio a partir das prisões
Esta é uma cidade que congrega vantagens que acabam por potenciar os maiores perigos e chagas com que Rosário se defronta. A cidade mais importante da província de Santa Fé tem uma vantagem, que é a logística, "reúne todas as rotas nacionais que vêm da fronteira, mais a hidrovia e a saída dos portos". Por isso sofre sempre de níveis de violência mais elevados do que outras cidades. Rosário é, juntamente com Nova Orleães, "o porto de cereais número um do mundo, também nos torna obviamente um local muito atrativo para o negócio ilegal", afirma Javkin. Portanto, a chave para dar a volta a uma situação que todos consideram grave, "é ter o apoio económico, estratégico e de inteligência criminal e a presença de forças federais, porque o tráfico de droga é um crime federal. E também controlar as prisões para que a violência não se verifique nas ruas. Porque hoje nós estamos num momento em que as prisões dominam as ruas".
Germán de los Santos, jornalista, escreveu "Los Monos: História de la família narco que transformó a Rosário en un infierno": O livro foi escrito em coautoria com outro jornalista, Hernán Lascano, do jornal La Capital, licenciado em Comunicação Social pela Universidade Nacional de Rosário, a mesma universidade onde Germán de los Santos estudou ciência política e relações internacionais. Ganhou o prémio da Cruz Vermelha internacional pela cobertura das invasões americanas do Afeganistão e Iraque. Jornalista do diário argentino La Nacion, correspondente do El Litoral de Santa Fé, já recebeu prémios por investigações jornalísticas relacionadas com o narcotráfico.
Germán recebe-me no seu apartamento, numa zona residencial rosarina. Diz-me que a situação atual é que "Rosário tem hoje uma taxa de homicídios, que é com o que podemos medir os níveis de violência, que é quatro vezes superior à média nacional. Rosário tem atualmente uma taxa de criminalidade de 20 por 100.000 habitantes, o que a aproxima das cidades mais perigosas da América Latina. Não há tradição na Argentina de problemas com o crime organizado, mas há 15 anos Rosário tornou-se a primeira cidade da Argentina onde existem bandos criminosos organizados baseados na venda de drogas, que mais tarde se estenderam a outras atividades mafiosas e criminosas, com um novo fenómeno, que é o facto de a liderança destes grupos criminosos vir das prisões". Há outros países da região onde o crime organizado tem raízes muito mais pronunciadas. A Argentina "é um país pacífico neste sentido, mas Rosário quebrou a regra histórica do país, com problemas que afetam até o sistema político". Nas eleições em Rosário e na província de Santa Fé, em julho, o foco principal da campanha eleitoral foi o tráfico de drogas e a segurança, o que também demonstra a preocupação da própria sociedade. Todos os inquéritos e sondagens de opinião mostraram que o problema da segurança e do tráfico de droga está no topo das preocupações das pessoas.
Quando saímos para almoçar passámos por territórios onde está presente, em graffiti, o símbolo dos Monos, os Macacos, o mais pujante, rico, perigoso (embora longe de ser o único) grupo de narcotraficantes em Rosário: no ano passado, houve 288 assassinatos em Rosário. Mais de 90% deles foram cometidos por sicários contratados. Ou seja, há um mercado de assassinatos contratados na cidade de Rosário e a morte passou a ser do interesse desses grupos criminosos "para expor maiores níveis de crueldade, a fim de gerar uma espécie de simbolismo com a morte". Houve, de facto, um salto nos níveis de violência nos últimos anos, nos níveis de crueldade: "já não basta matar, é necessário deixar uma mensagem. E essa mensagem é feita e exteriorizada com maiores níveis de crueldade. As pessoas são desmembradas e exibidas com cartazes que aludem a grupos mafiosos, algo que... não há tradição na Argentina deste tipo de fenómeno".
Lemos o seguinte na página nove do livro de que Germán de Los Santos é coautor: "A sequência de crimes e vinganças encadeadas que se desatou em 2013 depois do assassinato de Claudio Cantero, um dos lideres dos Monos, fez com que a imprensa desengavetasse um dos rótulos mais antigos de Rosário, o de Chicago argentina."
Falta de políticas de prevenção e de repressão
O autarca Pablo Javkin admite que tem faltado apoio por parte do governo nacional: "Eu não o senti, nem os habitantes de Rosário. Será que a Argentina não tem uma estratégia séria, em termos das capacidades estatais necessárias para combater um crime como o tráfico de droga? Não temos inteligência criminal nas prisões, não temos redes de investigação sobre o movimento de lavagem de dinheiro, sobre os circuitos de armas ou sobre os circuitos de drogas." Por outras palavras, o autarca entende que a Argentina não desenvolveu uma política com todas as diretrizes básicas necessárias para enfrentar o tráfico de droga, "nem nos seus órgãos judiciais, nem nas suas decisões executivas a nível nacional".
São também necessárias políticas de prevenção da toxicodependência. Javkin concorda. "Não se verifica a prevenção do consumo mas também não se verifica nenhum avanço em relação ao investimento em infraestruturas sociais para evitar a instalação do tráfico de drogas nos bairros. Não há um plano multidimensional abrangente, mas as experiências multidimensionais que temos desenvolvido a nível local são muito bem sucedidas. Portanto, o que é necessário é que a prioridade exista e também não há uma correspondência entre os recursos que são investidos e as áreas onde são investidos. É muito mais discricionalidade política do que objetivo estratégico."
O jornalista Federico Briem Stamm conseguiu um recente exclusivo, entrevistou na prisão para o jornal Clarin, Monchi Cantero, um dos líderes dos Monos. Ramon Ezequiel Machuca pode ter nascido com esse nome há 40 anos, mas para toda a gente é "Monchi" Cantero, irmão adotivo do falecido Claudio Ariel "Pájaro" Cantero - de quem era o braço direito - e meio-irmão de Ariel "Guille" Cantero, o rosto mais visível e violento do clã da droga "Los Monos", o principal grupo de narcotraficantes da história de Rosário. Escrevem os repórteres do Clarin: "Os especialistas observam que este ano a violência aumentou: houve tiroteios em escolas, bombas de gasolina, supermercados, esquadras de polícia, uma prisão, sindicatos, agências bancárias e caixas multibanco. É por isso que "Monchi" e o clã de que faz parte foram e continuam a ser notícia: a violência da droga está estruturada em torno deles - e dos seus inimigos no negócio da droga. E também, em ano de eleições, marca a agenda política."
O Clarín trabalhou durante mais de um ano para se sentar com "Monchi" Cantero numa sala privada da 11.ª prisão de Piñero, na província de Santa Fé. Finalmente, a entrevista foi feita. A conversa de três horas superou as expectativas e pode ser vista num vídeo que foi lançado em clarin.com e no canal do Youtube do Clarín.
Foi a primeira entrevista de Monchi, agora preso. Perante os repórteres do Clarín, embora rodeado de guardas do GOEP (Grupo de Operações Especiais de Piñero), "Monchi" Cantero mostrou-se afável, mas exalando aquele poder silencioso que faz com que seja tratado por "usted", "você", que os guardas o acompanhem sempre encapuçados e que muitos dos seus companheiros de prisão não se atrevam a cruzar os olhos com ele. Monchi" tenta relativizar este facto, repetindo que não é um santo, que cometeu erros, mas que "Los Monos" já não existem. "Monchi" pensa, corta, esquiva-se, nega e relativiza, mas durante a entrevista responde a tudo o que lhe é perguntado e deixa pérolas que servem como peças de um puzzle para tentar compreender a violência da droga que afecta Rosário há mais de uma década.
O 'conurbano' de Buenos Aires: a polícia controla o tráfico
Rosário no calvário das teias do narcotráfico, mas também a área metropolitana de Buenos Aires, como já nos tinha dito o jornalista Carlos Roberts, do jornal La Nacion: "O conurbano é uma vasta área territorial que engloba 10 milhões de pessoas que vivem nos arredores da cidade de Buenos Aires. É uma zona eleitoralmente chave, É ela que vai decidir as eleições. E bem, com outro jornalista, com outro colega, mergulhámos no conurbano para o contar a partir do interior, através de histórias que pintam um quadro deste território tão feroz e tão selvagem."
Responsáveis? "A polícia de Buenos Aires como instituição no seu conjunto. Não é que cada um dos polícias esteja envolvido no tráfico de droga, mas é uma instituição que regula o tráfico de droga no conurbano bonaerense e, por extensão, diríamos, na província de Buenos Aires. O mais importante é o conurbano, que é composto por 10 milhões de pessoas. E, portanto, como este negócio é regulado pela polícia, é um negócio relativamente ordenado, não há guerras de gangues, que é o que causa tantas vítimas em Rosário", afirma o coautor de Conurbano Selvaje.
O jornalista buenairense explica à TSF o envolvimento da polícia da região metropolitana da capital com o narcotráfico: "Um presidente de câmara da província de Buenos Aires, prometeu lutar contra o tráfico de droga. Pediu ajuda ao governo nacional porque não podia lutar sozinho contra o tráfico de droga. O governo nacional deu-lhe ajuda, prometeu envolver-se na luta contra o tráfico de droga no seu distrito e enviou-lhe alguns agentes à paisana para operarem no território. Fazem um trabalho de informação preliminar na zona, mais concretamente num bairro muito pobre, a que chamamos aqui vila miséria, bairro de lata. E no final desse dia, o primeiro dia em que esses agentes à paisana foram fazer essa inteligência prévia, o presidente da câmara dessa cidade do conurbano de Buenos Aires, recebeu em sua casa dois chefes da polícia de Buenos Aires, tocaram-lhe à campainha, ele saiu para a rua e perguntaram-lhe: "Senhor, hoje apareceram dois agentes no bairro. Bem, toda a gente percebeu que eles não eram do bairro. Queremos saber se está envolvido nessas duas presenças estranhas no bairro". "Sim, sim, sim, sim, claro. São dois agentes que enviámos com o Ministério da Segurança da Nação e eu explico porquê...." E depois, quando ouviram isso, disseram "Ah, bem, OK, muito obrigado. Não, não, não, está tudo bem, está tudo bem. Nós só queríamos saber isso. Entraram no carro da polícia e foram-se embora."
Ou seja, ficou muito claro para o presidente da Câmara que ele não estava a mexer apenas no tráfico de droga, estava a interferir com os negócios ilícitos da polícia. "Fizeram-lhe saber que estava a mexer, como se costuma dizer, no prato de comida dos filhos deles. E é claro que ele abortou essa operação e o tráfico continua a reinar até hoje naquele local", conta Roberts.
No livro Conurbano salvaje (Sudamericana), Carlos M. Reymundo Roberts e Daniel Bilotta resgatam histórias e personagens de uma região onde se encontram tanto o crime e a precariedade quanto a solidariedade e o altruísmo. São desafios comuns às principais cidades argentinas. Reeleito nas municipais de julho, o intendente de Rosário Pablo Javkin está consciente dos desafios que tem pela frente: "É um momento muito especial, depois de tudo o que passámos nos últimos anos. Estou muito confiante que o povo vai apoiar todo esse processo, que é reconstruir as contas da cidade, depois implementar o plano de obras e ao mesmo tempo lutar muito para que a Argentina não comente sobre Rosário, se não cuidar de Rosário e trabalhe para cuidar de nós para que possamos caminhar em paz. O grande desafio da cidade tem a ver com a reconstrução do que ela tem de melhor, que é gente boa a caminhar nos espaços públicos. E para isso precisamos que a Nação olhe para Rosário de outra maneira."
Quando Germán de los Santos publicou o livro em 2017, encomendar a morte de alguém em Rosário, isto é, contratar alguém para matar outro alguém não custava mais do que dez mil pesos... trinta e poucos euros. Com a desvalorização da moeda Argentina, se se mantivesse o valor a pagar a um sicário, tantas vezes jovens adolescentes, hoje bastava uma nota de vinte euros.
O aviso americano nos anos 90
O jornalista lembra-se bem como era Rosário antes do narcotráfico: "Rosário tem sido historicamente um motor económico da Argentina devido aos seus 36 portos em toda a região. Exporta para um grande número de países. Concentra 85% da produção agrícola da Argentina, que é a base económica do país. Assim, historicamente, Rosário era uma cidade comercial e financeira muito importante, mas há 15 anos começou a ter problemas com o crime organizado, centrado no tráfico de droga, o que, de alguma forma, tem algo a ver com isso. A estrutura económica de ser uma cidade portuária tem a ver com isto, porque uma grande parte da cocaína que atravessa a Argentina a caminho de África e da Europa também sai desta zona."
Já na década de 90 do século passado, a agência de combate ao tráfico dos EUA, a DEA, tinha deixado um aviso muito claro, como se pode ler no livro de Germán de los Santos: "Em meados da década de 1990, uma dúzia de agentes dos Serviços de Informação sobre Drogas Perigosas de Santa Fé foi convocada para uma palestra por dois agentes especiais da DEA dos EUA. A reunião teve lugar no Rio Grande Hotel, na cidade de Santa Fé. Terry Parham e Christopher Macolini, especialistas em crime em cidades latino-americanas, foram convocados para a reunião. Quem esteve presente guarda na memória a profecia com que Macolini encerrou a palestra. "Ainda há uma relativa calma urbana na Argentina com o crime de drogas", disse-lhes. "Mas isso vai acabar assim que as cozinhas de cocaína começarem a se instalar. Isso criará um novo sector na economia local, criará empregos, tornará as mercadorias mais baratas e também as multiplicará. Quando isso acontecer, podem ter a certeza de que haverá dois efeitos: as mortes violentas vão alastrar e a corrupção policial vai atingir níveis nunca antes vistos." O que eles não imaginavam era que a limpeza atingiria o pessoal ativo da polícia em cargos médios e superiores, a tal ponto que o segmento da investigação conhecido como "uniformizado" se consolidaria como um dos elementos essenciais para a compreensão do desenho criminoso na cidade. Das 40 pessoas acusadas no processo de Los Monos por associação ilícita, 16 são membros das forças de segurança".
A corrupção e implicação das forças policiais no crime organizado têm sido por demais evidentes: "A dinâmica do tráfico de droga é transversal a todas as forças de segurança. O que se torna evidente a cada passo é a espessa costura de uma parceria entre o submundo e a polícia ao mais alto nível. Nunca os chefes foram tão expostos. E a forte evidência de que aqueles que comandam a força estão também a enriquecer-se a si próprios mina a cadeia de comando."
A cidade está cheia de bunkers, os consumidores fazem fila para tomar as suas doses à vista dos vizinhos, os soldados de rua mantêm a ordem do negócio com balas que tornam intransitáveis os passeios de alguns bairros. É neste turbilhão de mudanças repentinas que Rosário altera a sua fisionomia. Os 264 homicídios registados em 2013 provocaram um atordoamento que fez tremer o governo. Para Germán de los Santos, "o crime organizado e, sobretudo, o tráfico de droga não é possível sem elevados níveis de cumplicidade que começaram com a polícia da província de Santa Fé, que se encarregou de construir as primeiras organizações criminosas", e, a partir dessa recolha de dinheiro ilegal, que foi muito importante, "muitas das campanhas políticas também foram financiadas por esse dinheiro negro".
O jornalista de investigação assume que "a polícia construiu os gangues", explicando que "a polícia identificou os líderes que poderiam ser os gestores mais convenientes do negócio e juntou-os para gerar, poderíamos dizer, o primeiro cartel de Rosário; foi um homem chamado Luis Medina, que em 2013 foi morto, e Esteban Alvarado, que está atualmente a cumprir uma pena de prisão perpétua na prisão de Marcos Paz, em Buenos Aires. Pensou-se que estes dois homens, que tinham uma tradição de crimes bastante graves, poderiam encarregar-se do tráfico de droga e, ao mesmo tempo, confrontar outro grupo chamado Los Monos, que não tinha tanta influência junto das autoridades policiais; estes confrontos levaram a que Rosário tivesse níveis tão elevados de homicídios em comparação com outras cidades do país".
Os bunkers, as mulheres e a nova fase do negócio
Os Monos (Macacos) ainda controlam uma parte importante do negócio, apesar de os seus líderes históricos terem sido mortos ou presos. Foi tomada a decisão de subcontratar a venda de drogas a grupos mais pequenos. As disputas territoriais para abastecer o mercado de drogas e para vendê-las são feitas de forma violenta. Há um símbolo que atravessa a história recente de Rosário, que é o chamado bunker, que é "o local onde se vende droga. Fortificado, fixo e visível para todos, sobretudo para a polícia. Mas foi construído assim para evitar que os ataques dos bandos adversários matassem os miúdos que vendiam a droga". Estes grupos de traficantes são constituídos por "pequenos soldados, na sua maioria menores de idade. Miúdos que cresceram nos bairros mais pobres com uma pistola de nove milímetros na cintura e uma mota. São esses os elementos que utilizam para alimentar este mercado da violência".
O papel das mulheres é relevante nesses grupos, nessas organizações? "O papel das mulheres começou a tornar-se relevante quando os homens foram presos. Em muitas das organizações criminosas, a gestão interna foi deixada às mulheres."
Pergunto a Pablo Javkin, como é que um presidente de câmara lida com o facto de o narcotráfico fazer encerrar escolas, ou dar ordens de recolher obrigatório através de mensagens disseminadas por WhatsApp ? A pergunta incomoda, mas o autarca rosarino não foge: "todos estes factos não são factos de origem desconhecida. Todos eles têm a mesma origem. E todos eles foram gerados por pessoas que estão detidas a dois mil quilómetros de Rosário ou a 400 quilómetros de Rosário. E eu não posso enviar inspetores de trânsito para controlar uma prisão a 2000 quilómetros de distância. O que a Argentina tem de fazer, o que nós exigimos à Argentina é que cuide de nós, porque este é um fenómeno que não é gerado pela cidade, que não fabrica droga, não fabrica armas, mas que, no entanto, recebe a violência ligada ao negócio da droga devido à sua localização estratégica".
Por vezes, os grupos do narcotráfico desempenham um papel social relevante junto das comunidades, afirma Germán de los Santos. Por exemplo, "Os Monos administram dispensários ou centros de saúde, centros de distribuição de alimentos, mais de 600 caixas de alimentos foram apreendidas na casa de um dos líderes históricos que entregava 300 almoços à população do bairro ao meio-dia. Então, isso também provoca lealdades muito fortes com os habitantes desses bairros." E indignação popular quando essas pessoas são presas pela polícia? "Claro que quando foram prender os membros deste gangue em 2021, muitas das pessoas que moram no bairro saíram para defendê-los porque iriam ficar sem comida, sem comida, que era o que eles distribuíam no bairro."
Ao contrário do político Javkin, O jornalista do La Nacion entende que já foi ultrapassado o risco em que a violência se naturaliza aos olhos da sociedade: "Acima de tudo, a violência foi naturalizada, porque o problema está estável há muito tempo e, sobretudo, não foram encontradas soluções. Então as pessoas tendem, eu acho, a naturalizar o fenómeno e o problema e conviver com isso", afirma o premiado jornalista. Paralelamente ao tráfico de drogas, os mesmos protagonistas geravam novos negócios criminosos, incluindo extorsão ou venda de proteção.
O futebol e o tráfico: nem a família de Messi escapa
Um caso que teve muito impacto foi o ataque ao supermercado do sogro de Lionel Messi, em que deixaram uma mensagem que dizia que 'com a máfia não se brinca'. Essa é a marca deste grupo criminoso, Los Monos, com o qual exigem dinheiro em troca de não voltarem a disparar. O que procuraram, afirma Germán, "foi gerar comoção, gerar muito impacto. Eles sabiam que obviamente disparar contra um negócio da família Messi teria repercussões até ao Mundial de futebol, e isso fazia parte de um conflito interno dentro da claque do Newell's Old Boys, que é o clube do qual surgiu Messi, e que os Monos é quem controla".
Como ficou comprovado num jogo de homenagem ao jogador Maxi Rodríguez. Foi hasteada uma bandeira com um macaco, uma galinha e um touro, que são as referências dos Macacos. Foi uma demonstração de poder num jogo em que estiveram em campo o próprio Lionel Messi, Ángel Di María e os principais representantes da Seleção Argentina, que se sagrou campeã mundial no ano passado. E mostraram naquela bandeira gigante uma frase: 'Os Monos estão à frente.' Estamos além de todos, foi a mensagem que quiseram passar.
Rosário, a cidade 'maravilhosa' e o medo
O narcotráfico argentino desenvolve-se porque o negócio e o volume de dinheiro no negócio o permite e o gera. Mas Pablo Javkin garante: "Jamais permitiremos que o fenómeno do crime organizado se naturalize. Jamais permitiremos que uma escola não tenha aulas por causa de uma ameaça. A cidade não vai permitir isso. Rosário é uma cidade maravilhosa que lidera na Argentina em biotecnologia, em produção industrial, que tem o maior número de metalúrgicas na Argentina, que é líder no domínio da economia do conhecimento, que é o coração da produção agrícola na Argentina, que é central para o planeta. Portanto, estamos indignados porque, obviamente, estes acontecimentos geram uma imagem negativa. É o impacto de uma estratégia do tráfico de droga e de pessoas que beneficiam do dinheiro da droga para gerar uma sensação diferente."
O autarca aponta o caminho, que passa por "incorporar tecnologia no cuidado das ruas. Gerar oportunidades para as crianças. Gerar oportunidades de trabalho. Desenvolver a indústria. Rosário tem hoje 86 novos estabelecimentos industriais em funcionamento. E trabalhar, sobretudo, na urbanização dos bairros. A presença urbana é fundamental nos bairros".
O intendente rosarino aponta números de redução da criminalidade: "Tivemos zonas da cidade em que no primeiro semestre do ano passado houve sete homicídios, 38 pessoas feridas por armas de fogo, depois interviemos com um sistema multi-agências e neste primeiro semestre do ano tivemos um homicídio e sete pessoas feridas por armas de fogo. Ou seja, as múltiplas intervenções do Estado desde o social, as infra-estruturas, claro, a polícia e a justiça geram uma recuperação da paz porque é uma cidade pequena e gerível. Quanto ao resto, nós sabemos os nomes e sobrenomes de quem gera isso, e se eles no governo central também se indignassem em ouvir o que essas pessoas planeiam desde as prisões antes e não depois, os acontecimentos seriam evitados".
A vida segue na Rosário quatro vezes mais violenta do que a média nacional, mesmo com ameaças de morte como Germán de los Santos já recebeu: "O trabalho jornalístico em Rosário é de alto risco, sim. Sofri ameaças e estive muito tempo sob proteção policial e acredito que esse risco está latente o tempo todo. No ano passado, estes grupos criminosos também exibiram um cartaz com uma ameaça que dizia: Vamos matar jornalistas."
Como é que se lida com isso diariamente? Tem medo? "O medo parece-me ser o que serve para organizar o risco. Sem esse medo não se tem a dimensão do que pode acontecer. E acho que é preciso conviver permanentemente com esse medo. Se não o tiveres, estás mais aberto à possibilidade de cometer erros. E principalmente quando lidas com informações muito sensíveis que têm que ser verificadas e confirmadas porque podem causar danos muito significativos."
Jornalismo e o medo como cautela na cidade onde o medo da violência do narcotráfico ainda dita leis e marca a agenda política.
