Dois jovens líderes saarauís vieram a Lisboa e Coimbra reunir-se com jovens de quatro universidades portuguesas. Na sexta-feira, foram recebidos por deputados na Assembleia da República. Entrevista n'O Estado do Sítio da TSF
Corpo do artigo
"O meu nome é Yaguta El-mokhtar Moulay e sou diretora do Observatório Saharaui de Recursos Naturais e Proteção do Ambiente.
Também sou coordenadora geral do Grupo de Genebra para os Direitos Humanos no Saara Ocidental. E sou a coordenadora internacional da UJSARIO, que é a União da Juventude de Sahagia, Alhambra e Rio de Ouro." Ele, ao lado dela, nos estúdios da TSF: "Chamo-me Mamina Chelj Malainin, sou membro do Comité de Relações Externas da União dos Estudantes Saharauis. Sou um refugiado saharaui que milita na Frente de Libertação de Sahagia, Alhambra e Rio de Ouro".
A Frente Polisario mostrou-se «disposta» a iniciar negociações de paz «diretas e sérias» com Marrocos, «de boa fé e sem condições prévias, sob os auspícios das Nações Unidas», segundo um comunicado do movimento de libertação saharaui. A TSF quis saber se isto significa que o movimento saharauí está perderespaço político?
Responde ele, Mamina: "A Frente Polisario sempre esteve disposta a negociar, nas rondas oficiais e nas rondas secretas. Há um longo historial de negociações entre a Frente Polisário e Marrocos. A vontade do povo saharaui e da Frente Polisário, como seu representante legítimo, é uma vontade aberta, totalmente aberta à negociação política, à negociação pacífica, para chegar a um acordo entre ambas as partes, sempre com o objetivo, como Frente Polisário, da independência do povo saharaui."
Num comunicado enviado esta semana à agência Lusa, a Frente Polisário indica que esta disposição foi manifestada na segunda-feira numa carta enviada pelo presidente da República Árabe Saharaui Democrática e da Frente Polisário, Brahim Ghali, ao secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres. A carta reitera a disposição da Polisário para, «com base no espírito e no conteúdo da proposta alargada», alcançar uma «solução pacífica e duradoura que preveja a autodeterminação do povo saharaui». É essa a perspetiva? O caminho passa por um referendo, reitera Yaguta: "Para nós, sempre foi muito claro o que queremos. É um referendo de autodeterminação e para isso foi criado a missão da ONU, a Minurso em 1991. Temos de deixar isso claro. Desde o primeiro momento, quando foi feito um cessar-fogo em 1991, foi com a condição de realizar um referendo de autodeterminação para o povo saharaui. Não nos importa quais as opções que temos em cima da mesa, desde que o povo saharaui decida o seu próprio futuro. E é por isso que a Frente Polisario, como único representante legítimo do povo saharaui, vai sentar-se à mesa das negociações com a última solução, que é organizar um referendo de autodeterminação e que seja a independência ou a integração ou o plano de autonomia. O facto é que, neste momento, estamos a enfrentar as políticas de Trump, que mudam a cada dois dias, e com essas políticas querem usar uma política de facto consumado e até mesmo retirar o referendo e negociar apenas o plano de autonomia".
Mas os saharauis acreditam que "a única solução para o povo saharaui é que o povo decida, e não Marrocos, nem Trump, nem os Estados Unidos (EUA), porque esta proposta está a ser promovida pelo Conselho de Segurança dos Estados Unidos, pela França, grande aliada de Marrocos, e pela Inglaterra. Estas três forças, como parte do Conselho de Segurança, estão a tentar forçar o povo saharaui a uma única solução, que é a autonomia como uma solução supostamente justa para esta luta ou para este conflito. Não é esse o caso. Para nós, sabemos que a única solução é a autodeterminação, que haja uma proposta de autonomia e que essa seja uma das opções mas que seja o povo a decidir".
Donald Trump, as posições assumidas pelo Conselho de Segurança e mesmo as posições mais recentes por parte do governo espanhol (oficialmente, o país que não concluiu o processo de descolonização, em 1975) não são propriamente as que mais agradam à Polisário e aos saharauís de um mode geral: "Desde 2022, que a atual presidência do governo espanhol, e ressalto que é apenas a presidência do governo, também demonstrou que todo o Partido Socialista Espanhol optou por uma mudança radical na posição da Espanha. Temos que lembrar sempre que, para as Nações Unidas, para o direito internacional, Espanha é a potência administradora do território até hoje. Ou seja, é a potência colonial que ainda tem responsabilidades para com um território que abandonou sem concluir um processo de descolonização, como manda a Carta das Nações Unidas".
Traição espanhola?
Será Pedro Sánchez a demitir-se das suas responsabilidades? Responde ainda Yaguta: "Pedro Sánchez e o seu ministro dos negócios estrangeiros (Jose Manuel) Albares, sofrem pressões da monarquia marroquina para fazer essa mudança na política externa espanhola". Em troca de menos pressão na imigração, mas não somente: "Em troca de diferentes cartas que Marrocos usa, entre elas a imigração, como também se viu no início desse mesmo ano de 2022, quando 10.000 pessoas saíram do país em questão de horas e entraram em Ceuta ou em Melilla, uma das duas, e mais cartas de pressão, como a colaboração em matéria de terrorismo e também, como está muito bem documentado, os negócios que podem ter pessoas da cúpula do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) em Marrocos".
Resta ver se com a pressão de Donald Trump, principalmente depois de Marrocos ser um dos países signatários dos acordos de Abrãao, bem como com a narrativa de Marrocos que afirma estar a desenvolver economicamente o território sarauí, mesmo que haja um referendo, a decisão da população não possa ser a integração? Antes de responder á pergunta, a dirigente sarauí procura dar conta do contexto: "Na primeira administração de Trump, o que Marrocos propôs foi que os EUA reconhecessem a soberania de Marrocos sobre o Saara, e isso seria a primeira vez na história, porque antes disso, em nenhum momento, nenhum país ou qualquer pessoa reconhecia a soberania, e aqui falamos sobre o que é o Parecer Consultivo do Tribunal Internacional de Justiça, onde ficou bem claro que não há soberania de Marrocos sobre o Saara, nem da Mauritânia sobre o Saara em 1975, nesse sentido. Mas Trump chega e faz o que quer, e diz que se Marrocos reconhecer Israel, porque supostamente já havia relações, mas todas eram secretas, ele reconheceria a soberania".
Por outro lado, considera que é muito importante para entender as mudanças que estão a acontecer, seja em França, Espanha, nos EUA, uma vez que "toda a questão da ocupação marroquina e do Saara está ligada aos interesses económicos. O Saara não está ocupado porque Marrocos acredita que essa terra é sua. Não, é porque o Saara tem os seus recursos, como por exemplo o fosfato ou a pesca no que diz respeito à última sentença do Tribunal de Justiça da União Europeia, mas também estamos a falar de energia renovável, do discurso que Marrocos está a produzir agora de ser líder na transição energética, enquanto na verdade, muitos desses projetos estão no território saharauí".
Marrocos tentar usar projetos económicos para normalizar a ocupação do Saara Ocidental, entendem os ativostas, "para legitimar a presença de Marrocos no Saara e para que o Saara faça parte de Marrocos. Voltando à sua questão, quando Marrocos invadiu o Saara, não foi apenas militarmente, mas também trouxe colonos. Isso foi em 1975. Metade da população teve de sobreviver, por isso teve de se deslocar para alguns campos onde nós os dois nascemos, no meio do nada, num local chamado Jardim do Diabo, porque lá ninguém pode viver. Conseguimos sobreviver durante os últimos 50 anos e montar um Estado baseado na ajuda humanitária".
E na ajuda política da Argélia, interpus: "Exatamente, exatamente. Agora voltamos ao tema dos territórios ocupados. Nos territórios ocupados, metade foi para os campos, a outra metade durante os últimos 50 anos, Marrocos tem tentado mudar a demografia do território, expulsando os saharauis para a Mauritânia ou mesmo para as Ilhas Canárias, emigração europeia e nas suas casas coloca outros marroquinos e as terras foram dadas a empresas multinacionais. Agora, cada vez menos saharauis estão no território. Se voltarmos um pouco ao ano de 1991, uma das coisas que sempre impediu esse referendo que seria organizado após um ano e meio é quem tem o direito de votar. Foi feito um censo. Marrocos até agora nem sequer quer reconhecer esse censo".
Quem votaria num referendo?
Para estes dirigentes, quem tem direito a votar num eventula referendo, "são os saharauis. E isso porque o referendo é sobre um território que nunca foi marroquino. É verdade que, naquela altura, a Polisário e os saharauis aceitaram que quem tivesse nascido depois de 1975 em território saharaui também pudesse votar. Mas mesmo assim Marrocos não concordou. Durante esses 50 anos, expulsou os saharauis. E quem ficou nos territórios ocupados? Quase 20%. Tornámo-nos uma minoria. Portanto, amanhã, se tivermos de votar e se for realizado um referendo, os saharauis na diáspora, nos campos de refugiados, têm de votar. E também aqueles que estão sob ocupação e aqueles que estão na Mauritânia. Esses são os saharauis. Infelizmente, estamos a enfrentar uma situação que nos foi imposta e estamos deslocados por toda a parte por causa de uma ocupação, quando poderíamos estar no nosso próprio país a aproveitar as nossas próprias riquezas e não precisaríamos de ir para a Europa ou para o Dubai, por exemplo".
Enquanto isso não acontece, a Polisario tem capacidade para continuar a via armada? "Infelizmente", explica Mamina, "desde 20 de novembro de 2020, a guerra foi reaberta. Há novamente guerra no Saara Ocidental. É uma guerra censurada no Ocidente em muitos meios de comunicação".
Uma guerra muito assimétrica? Reconhece que embora seja uma guerra de baixa intensidade, uma guerra de desgaste, não deixa por isso de ser "uma guerra e tem vítimas civis. Marrocos cometeu inúmeros crimes de guerra nos territórios libertados e assassinou civis, na sua maioria saharauis, mas também mauritanos, argelinos e sudaneses, bombardeando civis que estavam a pastar gado, etc. A via armada é uma via que foi reaberta porque Marrocos violou o acordo de cessar-fogo, entrando na zona tampão, na zona que as Nações Unidas, no acordo, não permitiam que nenhuma força militar entrasse. A partir daí, infelizmente, a guerra recomeçou e, ao mesmo tempo, o povo saharaui e o seu legítimo representante continuam com a via diplomática, mas também com a guerra, com as duas estratégias ao mesmo tempo".
Yaguta afirma que não estão apenas "a enfrentar Marrocos, temos Marrocos, temos a França por um lado, Marrocos no ano passado, nos últimos dois anos também comprou uma grande quantidade de armamento à Espanha, por exemplo, e também a Israel, porque o que vimos nos últimos meses foi uma espécie de intercâmbio em matéria de segurança, bem como treino entre israelitas e marroquinos nas zonas ocupadas do Saara".
"Estamos a ter guerrilhas em vez de guerra, porque a palavra guerra é um pouco forte para o que está a acontecer", admite, e também porque, garante, "o povo saharaui sempre foi pacífico, porque a Polisário tem, e digo-lhe isto porque sabemos, tem plena capacidade para lançar uma bomba sobre os territórios ocupados. mas porque sabe que aqueles que vão morrer mais do que tudo também são saharauis. É por isso que a Polisãrio está a tentar estabelecer negociações, mas podem lançar bombas nesse sentido. Temos aliados, sim, mas também temos os próprios saharauis que estamos dispostos a dar tudo para avançar".
O sonho de um Saara Ocidental independente
Mamina entende que "um Saara Ocidental independente é a garantia para que a região do Norte de África tenha uma estabilidade coerente, para o desenvolvimento dos povos do Norte de África, para o povo marroquino, para o povo saharaui, para o povo argelino, para o povo mauritano". O dirigente afirma que na região, na Europa e no mundo, todos precisam que a questão do Saara Ocidental seja "resolvida a favor do direito à autodeterminação do povo saharaui. Não esqueçamos que o povo saharaui é o único povo que continua à espera do processo de descolonização que as Nações Unidas já decretaram em 1960. É a única colónia ainda existente em África. A União Africana e quase todos os países africanos apoiam essa autodeterminação do povo saharaui, porque enquanto essa autodeterminação do povo saharaui não se concretizar, África continuará nessa época sombria do colonialismo". Yaguta toma a palavra: "Nós, como o meu colega aqui comentou, os que vivemos nos campos, já decidimos, isso está claro para nós, é verdade que nascemos e fomos criados num campo de refugiados, mas já decidimos de facto que não nos contentamos apenas com a autodeterminação, mas que queremos a independência".
Sobre a vida nos campos de refugiados, não tem problemas em assumir a condição de sobrevivência, já que vida propriamente dita, diz, seria outra coisa: "Nós não vivemos, sobrevivemos, e isso é muito importante, porque se tiveres apenas duas estações, que são nove meses de verão e três meses, mais ou menos, ou um pouco menos de inverno, com uma temperatura de mais de 50 graus em julho e abaixo de zero à noite, como é que se vai viver lá? Tudo o que se baseia na ajuda humanitária, claro, depende da ajuda que vem de fora". Explica que as alterações climáticas estão a afetar bastante a vida nos campos de refugiados saharauís: "habituámo-nos a que, no início de fevereiro, a temperatura comece a subir e, quando chega julho, chega a 53 ou 56 graus. O facto é que agora temos mais doenças nos campos porque a temperatura hoje é de 25 e amanhã é de 47. Portanto, o corpo já não consegue habituar-se a estas mudanças tão rápidas. Temos mais sirocos, osd ventos quentes e secos do Saara, mas também cada vez mais inundações nos campos e muito mais frequentemente as famílias encontram-se novamente exiladas porque de cada vez que há uma inundação perdem as suas casas novamente".
O mandato da Minurso, a missão das Nações Unidas para o referendo do Sahara Ocidental, termina no dia 31 deste mês sem que se saiba, no momento em que estamos a conversar, se será renovado. Qual posição têm sobre isso? Deve esse mandato ser ou não renovado? Responde Mamina: "o mês de outubro é um mês em que se reúne a Quarta Comissão da ONU, uma vez que o Saara Ocidental ainda é um território cuja situação está em discussão na Quarta Comissão, que é a Comissão das Nações Unidas para a Descolonização". Também é normalmente a data em que o relatório do representante do secretário-geral é apresentado e discutido no Conselho de Segurança que, no dia 30, "vai aprovar uma nova resolução", embora lamente que o que se tem visto nestes "30 anos que chamamos de nem paz nem guerra, os 30 anos após a assinatura do Acordo de Paz, vemos que são resoluções vazias, bem, nessa altura nio final da próxima semana será decidido o futuro da Minurso, mas realmente a MINURSO, o seu objetivo principal no próprio nome da missão, é o referendo. A MINURSO não é capaz de atingir esse objetivo inicial pelo qual foi criada, é a única missão das Nações Unidas ou uma das pouquíssimas missões das Nações Unidas que não inclui a observação dos direitos humanos no território em que se encontra; Marrocos impede-a de fazer qualquer trabalho nos territórios ocupados, mas mesmo assim também não se esforçam por fazer nada".
A renovação do mandato da MINURSO e o exemplo de Timor Leste
Yaguta El-mokhtar Moulay dizme que se eu fizesse a pergunta a Trump, o presidente dos EUA dir-me-ia que "é um desgaste financeiro, que a MINURSO não tem de estar lá, mas nós acreditamos que é importante que a MINURSO continue e acho que vai haver uma renovação, mas se será de um ano ou de seis meses, essa é a questão, mas repito, para Marrocos e os EUA, creio que eles não querem que o mandato da ONU seja renovado, porque a MINURSO é a prova de que é necessário realizar um referendo no Saara Ocidental e eles querem impor o plano de autonomia".
Timor-Leste é uma referência para vocês? "Claro que sim. Para nós Timor-Leste, sempre foi uma referência, sempre tivemos boas relações e reconhece a República Democrática do Saara, porque também partilhámos até recentemente essa luta; nós alegramo-nos por eles terem sido um dos últimos a conseguir a independência e há muito a aprender, há até um livro que compara esta época exata em que estamos a viver em termos da causa com os últimos anos antes de Timor-Leste se tornar independente".
Apelam aos jovens portugueses para que se interessem pela causa saharauí, "que procurem e entrem em contacto com a associação, que entrem em contacto com a delegação da Frente Polisario e colaborem nas campanhas que estão agora em curso aqui em Portugal", afirma Mamina.
São contra o facto de Marrocos estar a co-organizar, com Espanha e Portugal, o Mundial de futebol de 2030, por considerarem que o reino de Mohammed VI é um país que "está a ocupar um território, um país que tem uma ditadura que não permite ao seu povo sequer respirar". Depois, há também outra campanha que desenvolvem "contra o turismo nos territórios ocupados, que é algo que Marrocos tem vindo a promover nos últimos anos, turismo, digamos, selvagem, sem consideração pelos direitos humanos, sem consideração pela situação do local para onde se vai, turismo em territórios ocupados", considera Mamina Chelj Malainin.
Que os jovens não se deixem enganar pelas viagens a preço de saldo, atira Yaguta: "mesmo que a viagem custe apenas 30 euros. Acho que também é necessário que acreditemos em nós mesmos, estou a falar da juventude, e que podemos fazer a diferença. Temos de estar conscientes de que, neste mundo, se não agirmos, os problemas vão chegar-nos a casa e é isso que está a acontecer. Se vemos as injustiças e não fazemos nada, essas injustiças vão chegar até nós, e as lutas da juventude, sejam elas em campos de refugiados, sob ocupação ou num local do primeiro mundo, são as mesmas, e acho que temos de seguir em frente unidos e temos de nos entender e deve haver uma solidariedade internacional entre nós".
Afirma, sobre o novo acordo agrícola entre a União Europeia e Marrtocos, que os deputados portugueses não devem votar a favor, pois "não podemos falar no respeito pelo direito internacional e depois colocar os interesses económicos à frente".